UT30 MK2BR – A solução nacional para a VBC Fuz

Com o objetivo de modernizar as forças blindadas, o Exército Brasileiro (EB) está buscando adquirir um novo sistema de armas: “infantry fighting vehicle” (IFV), ou viatura blindada de combate de fuzileiros (VBC Fuz), como foi denominada.

As VBC Fuz são destinadas ao transporte de um grupo de combate dentro de uma força tarefa blindada, acompanhando o ataque das viaturas blindadas de combate carro de combate (VBC CC), que têm como função destruir as linhas de defesa e a resistência adversária/ mas com uma maior capacidade apoiar, com seu armamento, o progresso da tropa após o desembarque, quando estiver com seu avanço dificultado pela ação opositora. Comparadas às atuais viaturas blindadas de transporte de pessoal (VBTP), como as M113 em uso pelo EB, as VBC Fuz contam com maior proteção blindada e grande poder de fogo, inclusive com possibilidade de enfrentamento de outros carros de combate, como já foi demonstrado em diversos conflitos.

Ciente das mudanças dos combates nos modernos teatros de operação, em 2019, o EB determinou a criação de um grupo de trabalho multidisciplinar, chamado Nova Couraça, para apresentar soluções para curto, médio e longo prazos, alinhadas com as diretrizes de modernização da Força, que atendessem as demandas e adaptadas à realidade nacional. Essa ação deu origem a diversos programas de aquisição, como as da VBC Cav 8X8 Centauro II e VBMT 4X4 Guaicurus, para a Cavalaria mecanizada.

Em 2022 foi a vez da Cavalaria blindada que, assim como a mecanizada pretende elevar a capacidade de combate para os padrões do século 21, ser contemplada, com a publicação, em 26 de dezembro, da Portaria Nº 877 aprovando a diretriz para a prospecção inicial para aquisição das novas VBC Fuz, juntamente com as VBC CC que sucederão os atuais Leopard e M60. Isso culminou, em agosto deste ano, com o lançamento da consulta pública (“request for information/ request for quote” – RFI/RFQ) 02/2024, que sonda o mercado nacional e internacional sobre a possibilidade do fornecimento desses veículos.

A família ASCOD, que está participando do projeto VBC Fuz/VBC CC, é uma moderna plataforma de combate que já possui versões com a UT30 MK2 homologadas (Foto: GDELS)

Com o objetivo inicial de adquirir até 78 VBC Fuz até 2040, conforme o Programa Estratégico do Exército Forças Blindadas (Prg EE F Bld), uma de suas principais premissas era capacitar a base industrial de defesa nacional para conseguir dar suporte logístico às novas viaturas, garantindo assim, não só a diminuição da dependência externa, mas permitir a aquisição de “know-how” para o desenvolvimento de soluções nacionais que atendessem as demandas futuras.

Um aspecto importante a ser destacado é o armamento, cujo último requisito apresentado define “possuir torre não tripulada, operada remotamente, dotada de um canhão de, no mínimo, 30mm como armamento principal, capaz de disparar tiros diretos calculados pelo sistema de tiro”, isso é algo que não só já é produzido localmente, conta um suporte logístico que abrange todos os escalões de manutenção, é utilizado pelo EB e já exportado. Trata-se do sistema de armas remotamente pilotado (SARC) UT30, da empresa brasileira ARES Aeroespacial e Defesa S/A.

NACIONALIZADO

A SARC UT30 é uma torre não tripulada (“unmanned turret”), desenvolvida pela Elbit Systems, equipada com um canhão automático ATK Bushmaster II Mk44, de 30x173mm, uma metralhadora coaxial 7,62x51mm e lançadores de granadas fumígenas de 76mm. O canhão possui funcionamento elétrico, tipo “chain gun”, no qual o conjunto ferrolho movimenta-se ciclicamente, sem a necessidade da utilização dos gases oriundos dos disparos, o que proporciona um índice muito baixo de incidentes de tiro, além de fácil manutenção e é utilizada, ao lado do Brasil, por países, como Eslováquia, Bélgica e Portugal.

Possui diversos sistemas de apoio, como o acompanhamento automático (“auto tracking”), que permite o acompanhar o alvo durante todo o período da visada sem interferência humana e a opção chamada de “hunter-killer” (caçador-matador), onde o comandante move o armamento para a direção em que estiver observando e executa o disparo sem a interferência do atirador. Modernos sistemas de defesa também estão disponíveis, como o ELAWS, para detecção de ameaças laser e que alerta a tripulação quando a viatura for iluminada por este dispositivo, informando sua direção de origem. Em uma situação de combate, quando a ameaça for detectada, o operador (atirador ou comandante) pode configurar a torre para apontar automaticamente e efetuar o tiro pressionando apenas um botão.

A VBTP 6X6 Guarani equipada com a UT30BR é considerado o sistema de combate de cavalaria mais moderno em operação na América Latina (Foto: Luciano Porto)

Em dezembro de 2008, o EB fez a aquisição de três desses sistemas, com algumas modificações, para serem testadas dentro do Projeto Guarani e que recebeu a denominação de UT30BR. Pouco tempo depois, mais dez foram adquiridas, já montadas no País pela ARES, com a transferência de tecnologia, utilizando componentes nacionais e (principalmente) assegurando todo o suporte logístico. Este sistema de armas, juntamente com a REMAX, representou um enorme avanço na capacidade operacional da tropa mecanizada e trouxe um grande desafio para a Força Terrestre em termos logísticos, notadamente em capacitação de operadores e em manutenção, devido ao ineditismo das tecnologias utilizadas.

Havia uma previsão inicial para a aquisição de 214 unidades que seriam utilizadas nas VBTP 6X6 Guarani. No entanto, devido a uma série de fatores, o número foi reduzido para 37. Em função da pequena quantidade utilizada e a diminuição de prioridades, houve um grande atraso no processo de integração com a plataforma Guarani, bem como na criação de uma doutrina operacional visando à aplicação e isso acabou gerando diversos problemas com a formação de operadores, manutenção e desatualização de alguns equipamentos, ocasionando uma baixa operacionalidade e especulações equivocadas quanto ao futuro do projeto. Todavia, mesmo diante das dificuldades, o sistema conseguiu demonstrar suas qualidades e, em fevereiro de 2023, finalmente foi adotado. Também de foi assinado um contrato com a ARES para a atualização tecnológica dos sistemas comprados, o projeto UT30BR2, da qual a empresa brasileira é a “design authority”, e o desenvolvimento de um “kit antidrone”, visando à aquisição dos 24 sistemas restantes para o programa Guarani.

UT30BR2, recentemente apresentada para o Exército (Foto: Ares)

A VERSÃO PESADA

A SARC UT30 foi idealizada para viaturas leves (até 20 toneladas), de alta mobilidade e com baixa proteção blindada, como os Guarani. Isso implica em uma configuração mais alta e uma blindagem capaz de resistir a disparos de munição de menor calibre, sendo o máximo a 14,5x114mm AP (STANAG 4569 Level 4), que é considerado completamente inadequado para as demandas propostas para as viaturas da Cavalaria blindada, cujo o teatro de operação impõe defesas muito mais fortificadas, bem posicionadas e equipadas com armamento mais pesado.

Pensando nisso, foi desenvolvida a versão Mk2, destinada às viaturas médias (até 50 toneladas) com um perfil consideravelmente mais baixo, que diminui exposição como um todo e proteção balística capaz de resistir ao impacto de munições cinéticas (APFSDS) de calibre até 30x173mm (STANAG 4569 Level 6).

Outra característica importante da UT30 Mk2 é que, junto a poder compartilhar os mesmos armamentos e sistemas da versão anterior (garantindo comunalidade), seu design modular permite uma série de configurações como canhões de 30 ou 40mm (permitindo futuras expansões), metralhadoras, lançadores de granadas e mísseis anticarro (“antitank guided missile” – ATGM), uma suíte eletrônica e optrônicos de última geração e sistemas de defesa passiva (“soft kill”) e ativa (“hard kill). A capacidade de lançar ATGM é um dos requisitos desejáveis do projeto e a Mk2 já está homologada para utilizar os Spike LR2, recém adotados pelo EB. Pode operar em ambientes contaminados por agentes químicos, biológicos, radiológicos e nucleares (QBRN) e já foi adotada (ou escolhida) para equipar VBC Fuz dos Exércitos da Austrália (Redback) e Filipinas (Sabra Light) e foi testada com eficiência no Ascod, Lynx e blindados sobre rodas.

A UT30 MK2 equipando a VBC Fuz Redback, da Hanwha (Foto: Hanwha Defense)

FEITO EM CASA

Com a habilitação da ARES, que atualmente produz os “slip rings” (ou “anéis deslizantes”, avançada tecnologia em transmissão elétrica por movimento rotativo) para todos os sistemas de armas da Elbit, quando o Exército da Indonésia definiu a UT30 Mk2 para equipar suas novas 23 viaturas blindadas 8X8 Pandur II, a empresa brasileira foi selecionada para fabricá-las, utilizando muitos componentes locais, fornecendo todo o suporte para a PT PINDAD, responsável por sua integração com a plataforma. A empresa brasileira já tornou realidade modernos sistemas de simulação como o UT30SIM, o qual apresenta custo reduzido e está em uso no EB e no país asiático.

A UT30BR, instalada no Centro de Instrução de Blindados (CI Bld) já capacitou, desde 2019, 107 operadores e 54 mecânicos, com toda a segurança proporcionada por um suporte da indústria nacional. Assim, torna-se impensável a adoção de uma nova SARC, implicando na criação de uma outra cadeia logística, complicando ainda mais a introdução da VBC Fuz.

A UT30 MK2 sendo produzida na ARES para a Indonésia (Foto: ARES)

Portanto, mesmo se tratando de um sistema de armas de concepção estrangeira, a capacidade de produção, suporte e implantação de soluções da ARES, faz com que qualquer empresa que deseje ofertar com seriedade sua viatura para o programa do VBC Fuz, deva estudar a possibilidade de integrá-la à torre da ARES. Ou, talvez, seja uma atitude que possa vir do EB, incentivando e protegendo a indústria nacional.

Artigo  publicado na edição nº 176 da revista Tecnologia & Defesa

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Respostas de 5

  1. Caro Bastos, acabei de dar uma folheada na revista, está muito bacana. Sobre a questão da VBC FUZ tem alguma novidade ??? E os Leo 1A5 BR, serão modernizados ???

    1. A data para entrega das respostas da Consulta Pública 02/2024 foi prorrogada até o dia 20 deste mês.
      Somente após a entrega e das avaliações é que o projeto irá para uma nova fase.

    2. boa noticia, mas falta o exercito brasileiro em liberar a forca blidado qie esta demorando muito em decorrência do norte em roraima para defesa e segurança do Brasil.

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