Paulo Maia
No dia 26 de março deste ano, a Comissão de Limites da Plataforma Continental (CLPC) da Organização das Nações Unidas (ONU) publicou uma resolução que reconhece o acréscimo de 360 mil km na Plataforma Continental brasileira. A área que excede as 200 milhas náuticas (370 km) da Zona Econômica Exclusiva, denominada Margem Equatorial, se estende do Cabo Orange, na foz do Rio Oiapoque (AP) até o Cabo Calcanhar no litoral do Rio Grande do Norte, abrangendo cinco bacias sedimentares; foz do Rio Amazonas, Pará-Maranhão, Barreirinhas, Ceará e Potiguar.
A resolução da CLPC é o resultado de sete anos de trabalho referentes a esta reivindicação do Brasil sobre uma imensa área, realizado por civis e militares integrantes da equipe do Plano de Levantamento da Plataforma Continental Brasileira, coordenado pela Autoridade Marítima e integrado nas atividades da Comissão Interministerial para os Recursos do Mar (ver T&D 177).
A publicação da ONU é uma vitória estratégica e geopolítica, uma vez que concede ao País o direito de explorar uma área equivalente ao território da Alemanha, um patrimônio que, além de recursos vivos, pode conter no seu solo e subsolo marinho riquezas, como petróleo, gás e nódulos polimetálicos. A consolidação do domínio brasileiro e a extensão da fronteira marítima reafirma a importância da Amazônia Azul para a soberania e o desenvolvimento econômico nacional, junto a fundamentar a necessidade cada vez mais urgente de meios navais e aéreos para a sua efetiva proteção e controle.
A Amazônia Azul, com o acréscimo da Margem Equatorial, passa a totalizar uma área superior a 6 milhões de km², equivalentes a 70% da superfície terrestre, que exigem vigilância e monitoramento constantes. Nesta área de grande relevância é realizado 95% do comércio exterior e 90% do escoamento do agronegócio; nas plataformas marítimas são produzidos 97,6% do petróleo e 85,8% do gás natural; 99% da transmissão de dados por cabos submarinos; e o segundo maior HUB (ponto de conexão) do mundo está localizado em Fortaleza (CE). A indústria de pesca gera 1,2 milhões de empregos diretos e 2,3 milhões indiretos e 54% da população, aproximadamente 110 milhões de pessoas, residem em municípios no máximo a 150 km do litoral.

Contudo, essa imensa e rica fronteira marítima também representa uma das maiores vulnerabilidades à soberania nacional, sendo palco de inúmeras ameaças, entre elas, disputa por recursos naturais, pesca ilegal não declarada e não regulamentada, biopirataria, atividades criminosas, imigração ilegal, terrorismo, questões ambientais e pirataria.
A Marinha do Brasil (MB) que é a responsável por vigiar e proteger essas águas, primordiais para a Defesa Nacional e para o aproveitamento sustentável das suas riquezas, entre outros setores do Poder Marítimo e da própria economia nacional, encontra-se em uma situação muito grave em função de constantes reduções orçamentárias. A falta de recursos financeiros provocou o envelhecimento e obsolescência de grande parcela dos meios flutuantes e diminuiu a presença dos navios nas AJB, comprometendo significativamente a vigilância e proteção.
A Força Aérea Brasileira (FAB), primordial para a vigilância das AJB, e que há anos não prioriza o esclarecimento marítimo e o faz de maneira muito incipiente, também não se encontra em melhores condições operacionais. 40 aeronaves estão paralisadas, 137 pilotos foram afastados deste o mês de julho.

E A AMAZONIA AZUL?
A MB, de qualquer modo, procura otimizar seus recursos no melhor atendimento de suas missões, através da excelência do treinamento e formação de pessoal, do incentivo à inovação, ciência e tecnologia, do fomento à Base Industrial de Defesa e Segurança, manutenção dos meios navais, aeronavais e de Fuzileiros Navais nas melhores condições possíveis, buscando manter-se atualizada nos aspectos doutrinários, estratégicos e táticos que contribuem para a melhor aplicação do Poder Naval.
Todavia, essas ações que mitigam os efeitos da falta de recursos, existe um impacto grave no Programa Estratégico de Obtenção de Capacidade Plena (OCOP), que prejudica a manutenção e modernização dos meios navais e aéreos e provocam a perda de capacidades importantes para que a Marinha exerça seu poder dissuasório.
Isso significa uma garantia somente efetiva com a presença de aeronaves, navios ou mesmo veículos aéreos e navais não tripulados de maneira ostensiva, atuando de forma coordenada em um dos Campos de Atuação do Poder Naval (CAPN), definidos nos Fundamentos Doutrinários da Marinha (FDM), a Segurança Marítima dividida em duas dimensões a Proteção Marítima e a Segurança da Navegação Aquaviária. O FDM publicado em 2023 define que:
a) Proteção Marítima – é a vertente do CAPN Segurança Marítima representada pelo conjunto de ações exercidas pelo Poder Naval ou em coordenação com órgãos ou agentes estatais para implementar e fiscalizar o cumprimento de leis e regulamentos nas AJB por meio do emprego coercitivo do Poder Naval ou uso limitado da força. Compreende também aquelas ações que são conduzidas contra os delitos transfronteiriços e ambientais e outras atividades ilícitas. A coordenação com outros órgãos ocorre quando se fizer necessária, de acordo com as competências específicas e capacidades de cada órgão.
Algumas ações podem ser confundidas com aquelas necessárias ao alcance dos propósitos relativos ao CAPN Defesa Naval, a exemplo da proteção das infraestruturas críticas do Poder Marítimo (ICPM). A diferença entre uma perspectiva e outra está no propósito a ser alcançado e na natureza da ameaça. Sob uma ameaça estatal, a proteção das ICPM é associada a uma atividade do CAPN Defesa Naval. Por sua vez, as ameaças de amplo espectro, proveniente de atores não estatais, podem ser associadas às ações para proteção das ICPM, sendo consideradas atividades de proteção marítima, portanto no CAPN Segurança Marítima. A mesma análise pode ser aplicada à proteção das linhas de comunicação marítimas (LCM).
Cumpre observar que, no contínuo normalidade-crise-conflito, a percepção ou definição das ameaças podem ser pouco evidentes. As chamadas ameaças híbridas, ao deliberadamente disfarçar ações de guerra em meio a crimes comuns, exigem criterioso emprego do Poder Naval na proteção marítima; e
b) Segurança da Navegação Aquaviária – é a vertente do CAPN Segurança Marítima representada pelo conjunto de ações e atividades de segurança voltadas para as atribuições da Autoridade Marítima Brasileira (AMB), atuando com o propósito de assegurar a salvaguarda da vida humana e a segurança da navegação, no mar e hidrovias interiores e a prevenção da poluição ambiental por parte de embarcações, plataformas ou suas instalações de apoio nas águas sob jurisdição nacional. Também abrange as ações preventivas, orientadoras e de capacitação de pessoal.

Adicionalmente, são consideradas todas as ações que exigem prontidão e reação necessárias para lidar com a ocorrência de incidentes e acidentes de navegação, tanto nas AJB quanto em toda a abrangência da responsabilidade SAR do Brasil.
Considerando que a área da Amazônia Azul corresponde a 2,4 vezes as dimensões do Mar Mediterrâneo, que possui apenas 2,5 milhões de km², e suas necessidades de proteção, definidas nos CAPN, constata-se a existências de vulnerabilidades que representam um desafio colossal a ser superado e que colocam em grave risco a soberania nacional. A escassez de meios navais e aéreos dificultam operações de busca, patrulha, acompanhamento, reconhecimento e de emprego limitado de força.
A FAB, na atualidade, opera apenas 15 aeronaves dedicadas ao patrulhamento marítimo, distribuídas em três esquadrões localizados no Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e Pará, que contam com duas aeronaves remotamente pilotadas (ARP) IAI RQ 1150 Heron, cinco Lockheed P-3AM e oito Bandeirante P-95BM.
A MB em seu portfólio de projetos estratégicos abrange o Sistema de Gerenciamento da Amazônia Azul (SisGAAz), que tem a finalidade de monitorar, de forma contínua e integrada, as AJB se as áreas internacionais de responsabilidade brasileira, que quando estiver totalmente implantado, integrará uma rede de sensores terrestres e marítimos. Porém, e novamente, a baixa prioridade que sucessivos governos têm apresentado às necessidades de Defesa tem postergado a implantação total deste sistema, que se encontra limitado a uma área piloto no Estado do Rio de Janeiro.
As fronteiras terrestres podem ser observadas, por marcos de concreto fixados no solo ou pela geografia através do relevo e da hidrografia e podem ser vivificadas com unidades militares ou cidades. Por outro lado, as fronteiras marítimas somente podem ser demarcadas pela presença dos navios das Marinhas. A MB, para cumprir tal objetivo conta com pouquíssimos meios distribuídos em suas denominadas Forças Distritais, que são apoiadas por estabelecimentos navais distribuídos ao longo do litoral.
Atualmente, os principais navios destinados à patrulha naval são os três navios-patrulha oceânicos da Classe Amazonas, de grande autonomia e com capacidade de operar aeronave orgânica, resultado de uma excelente compra de oportunidade da empresa britânica BAE Systems; três navios da Classe Macaé, projeto baseado na francesa Classe Vigilante, os quais contam com boas autonomia e mobilidade; quatro navios-patrulha Classe Bracui, que apresentam limitações por serem originariamente navios varredores ingleses da Classe River e já contam com cerca de 40 anos de idade; e 12 navios da Classe Grajaú, com idade média de 30 anos que apresentam grande mobilidade, mas com autonomia reduzida quando comparados com outros navios destinados ao emprego oceânico.

Cabe ressaltar que os navios da Esquadra contribuem em áreas mais afastadas do continente. Esses meios contam com destacamentos de abordagem para a condução de operações de caráter especial em possíveis contatos de interesse, contribuindo assim para facilitar e tornar mais seguro os procedimentos de visita e inspeção.
Considerando a necessidade de proteção da Amazônia Azul, a instabilidade constante da paz mundial, a existência de ameaças assimétricas não definidas, possíveis ações de outros países contra a soberania nacional e um quadro de restrições orçamentárias que pode não ter uma solução a médio prazo, algumas ações em curso ou planejadas devem ser dinamizadas.
Entre essas, podem ser destacadas a implantação do SisGAAz em sua abrangência original, aceleração da construção dos navios-patrulha Mangaratiba e Miramar e o começo das obras do Magé, início da produção em escala do primeiro lote do NaPa 500 BR conforme estabelecido no Programa de Aceleração do Crescimento PAC Defesa, definição da Classe do navio-patrulha oceânico a ser adotado e a contratação das unidades iniciais e a obtenção de ARP para todos os Distritos Navais e que possam operar embarcados.
Em paralelo é fundamental a continuidade dos programas das fragatas Classe Tamandaré e do ProSub, com a encomenda de navios e submarinos adicionais para que não se perca todo o conhecimento e investimentos realizados, permitindo que a MB, ainda que de forma modesta em relação á magnitude de suas tarefas, conte com meios flexíveis e versáteis, com grande capacidade de permanecer no mar protegendo a Amazônia Azul brasileira.
