Uma proposta que, em um primeiro momento, parece sedutora, mas que pode esconder uma armadilha que poderá comprometer todo o Programa Estratégico Forças Blindadas
Fontes do Exército Brasileiro (EB) informaram a T&D que o governo alemão estaria oferecendo um lote de 65 viaturas blindadas de combate carro de combate (VBC CC) Leopard 2A6, junto com 78 viaturas blindadas de combate de fuzileiros (VBC Fuz) Marder 1A5, retiradas dos estoques estratégicos do Exército Alemão e recondicionados pela empresa KNDS, para o Programa da Nova Família de Blindados sobre lagartas.
Em função disso, segue um rápido histórico dessas viaturas e as possíveis consequências caso ocorra sua aquisição.
LEOPARD 2 DE 2ª GERAÇÃO
Atualmente o Leopard 2, nas versões A6 modernizado e A7, são os carros de combate principais (“main battle tank” – MBT) do Exército Alemão (EA).
O Leopard 2A6, assim como a versão A5, são o resultado do projeto Kampfwertsteigerung (aprimoramento do potencial de combate), iniciado em 1989 e cujos primeiros protótipos foram entregues no ano seguinte. Esse programa, considerado a 2ª geração do Leopard 2, visava capacitar a viatura para o enfrentamento da nova geração de sistemas de armas que surgia no campo de batalha com melhorias na proteção balística (A5), aumentando a blindagem, principalmente no piso (para suportar minas e EAD’s), e no teto da torre (para se contrapor as nossas armas que atacavam por cima); e seu poder de fogo (A6), substituindo o canhão de 120mm de 44 calibres (L44) por um de 55 calibres (L55).
Após sua aprovação, entre 2001 e 2005, o EA atualizou 225 VBC CC Leopard 2 mais antigos para o padrão 2A6, sendo que destes 65 eram originalmente da versão 2A4 e 165 da 2A5, e, a partir de 2010, 157 dessas viaturas foram modernizados e convertidos, sendo 121 para a versão 2A6M/2A6A3 e 36 para 2A7 (ambos considerados de 3ª geração). Além disso, em 2011, os Países Baixos dissolvem sua Divisão de Carros de Combate, resolve vende-los e a Alemanha adquire 18, convertendo-os para a versão 2A7 (Esse ano os Países Baixos voltaram atras de sua decisão e adquiram 46 Leopard 2A8 novos).
Atualmente o EA mantém, de acordo com informações liberadas e após as transferências para a Ucrânia, cerca de 18 Leopard 2A5 modernizados e 68 2A6 originais, da primeira conversão, em seus depósitos (devido ao seu nível de desgaste, foram considerados impróprios para a modernização). São esses últimos que estão sendo oferecidos ao Brasil (e que, segundo algumas fontes, foram recusados pelos ucranianos).

SOLUÇÃO OU PROBLEMA?
No final de 2022, o Estado-Maior do Exército (EME) publicou a Portaria Nº 877, que aprovou a diretriz para a prospecção inicial para aquisição das novas VBC Fuz e VBC CC (inicialmente conhecida como VBC CC Futura), visando uma aquisição inicial de 143 viaturas blindadas de combate, sendo 78 VBC Fuz e 65 VBC CC.
O projeto, atualmente o principal do Programa Estratégico do Exército Forças Blindadas (Prg EE F Bld), prevê o início da criação de uma moderna força blindada, apta para os enfrentamentos do campo de batalha atual e futuro, bem como o máximo de comunalidade logística possível, que aumentaria uma demanda de produção, permitindo uma participação da indústria nacional na cadeia de suprimentos e, no futuro, criar bases de conhecimento que permitirão o desenvolvimento nacional de viaturas sobre lagartas, como atualmente ocorre com as sobre rodas.
Dois aspectos muito criticados nesse programa são a quantidade de aquisição inicial baixa, que não permite a substituição de todos os carros de combate do EB (que atualmente é de 297 VBC CC em carga), e o peso máximo de 50 toneladas para a viatura, mas o motivo para ambos é o mesmo: a baixa disponibilidade de recursos para o programa.
Nos últimos requisitos aprovados pelo EB para a VBC CC da Nova Família de Blindados Sobre Lagartas (EB20-RO-04.060), aparece o seguinte: “ROA 2 – Possuir peso inferior a 50 (cinquenta) toneladas aprestadas para o combate”.
Essa limitação se baseia na atual capacidade da Força Terrestre em operar viaturas sem precisar fazer maiores investimentos em sua parte logística, ou seja, adquirir meios que aumentariam o custo do programa e obrigaria a diminuição das VBC CC a serem adquiridas.
A VBC CC Leopard 2A6 tem um peso de 62,3 toneladas, bem acima do limite imposto pelo EB, o que obriga não só a aquisição de novos cavalos-mecânicos, pranchas e viaturas blindadas de apoio (lembrando que as VBE L Pnt Leopard “Brüklerpanzer” e VBE Soc Leopard “Bergepanzer 2” não tem capacidade de atender plenamente a versão 2A6), além de uma total reformulação em todos os aguartelamentos que irão operar, com um reforço no piso e nas garagens, e como dito anteriormente, aumentando consideravelmente os custos totais do projeto.
Além disso, as limitações das malhas rodoviárias e ferroviárias nacional, principalmente na parte de pontes e viadutos, imporiam maiores dificuldades para um rápido deslocamento de forças pelo país, tornando praticamente impossível sua participação em um exercício do tipo da Operação ATLAS.

SUPORTE LOGÍSTICO
A atual estrutura da KMW do Brasil, subsidiária da KNDS Deutschland e localizada em Santa Maria (RS), apesar de ter sido idealizada para poder atender futuramente as VBC Leopard 2, terá que passar por algumas alterações que obrigarão a novos investimentos em suas instalações fabris, que não estão cobertas no contrato 24/2017, referente ao Leopard 1A5BR, impactando também no custo final do programa.
Além disso, o contrato vigente não prevê a utilização de componentes da Base Industrial de Defesa (BID), gerando dependência externa para sua manutenção e enorme dificuldade de se utilizar componentes nacionais, como está comprovado no Programa de Nacionalização de Componentes executado pela Diretoria de Fabricação.
Outra questão que se deve levar em conta é a enorme dificuldade de suporte aos blindados Leopard 2 no conflito russo-ucrâniano, como amplamente divulgado pela imprensa internacional e admitido pela KNDS, bem como o fato desse sistema de armas estar 100% sobre o controle do Escritório Federal de Assuntos Econômicos e Controle de Exportações (Bundesamt für Wirtschaft und Ausfuhrkontrolle – BAFA), que tem recentemente causados problemas de embargos com armamentos do Brasil, como os casos das VBTP 6X6 Guarani exportadas para as Filipinas e no translado do 1º exemplar da VBC Cav 8X8 Centauro II.

A MUNIÇÃO
A VBC CC Leopard 2A6 possui como armamento principal o canhão L55, de 120mm e 55 calibres, cuja munição não é 100% compatível com a arma da VBC Cav Centauro II, que é o OTO-Melara de 120mm e 45 calibres. Ou seja, o Leopard pode disparar a munição do Centauro, mas terá menos eficiência, e, caso ocorra o contrário, haverá um enorme desgaste do tubo do armamento da VBC Cav, com grandes riscos de colapso.
Com isso, a aquisição do Leopard 2A6 aumentará a complexidade da cadeia logística da munição, pois, ao invés de diminuir a dependência externa, com a produção da munição da VBC Cav no Brasil, obrigará a continuidade de importação da munição da VBC CC, além de aumentar os tipos de munições das utilizadas nos blindados da Força Terrestre, que atualmente é concentrada na 90mm (VBR Cascavel), 105mm (VBC CC Leopard 1A5 e M60A3), e futuramente a 120mm L44 (VBC Cav Centauro II).

CONCLUSÃO
Apesar da VBC CC Leopard 2A6 ser, indiscutivelmente, um dos melhores carros de combate de sua categoria, muito superior a qualquer coisa que seja utilizada atualmente na América do Sul, além dos problemas mencionados, as plataformas ofertadas são viaturas convertidas a partir de 2A4, com mais de 40 anos de uso, e que não tem viaturas disponíveis para futuras aquisições, a não ser novas e mais caras. Mesmo com uma completa recuperação dessas plataformas, o peso da idade irá limitar sua operacionalidade e aumentar custos de ciclo de vida, como atualmente ocorre com as VBC CC Leopard 1A5.
Outro fator a ser levado em consideração é a relação Brasil x Alemanha em um contexto geopolítico. O aumento da dependência desse fornecedor, pode causar problemas a curto prazo, haja vista as restrições e dificuldades que foram causadas pelo governo alemão a setores de defesa do Brasil, que poderão impactar com a capacidade operacional de um dos principais vetores de poder da força terrestre.
Porém o que está sendo considerado mais problemático nessa proposta é seu custo de aquisição: cerca de 15 milhões de euros por cada Leopard 2A6 e 10 milhões por cada Marder (desconsiderando o suporte). Valor considerado superior aos que estão previstos para as VBC CC e VBC Fuz novas e modernas, dos quatro favoritos atualmente: ASCOD, CV90, Lynx e Tulpar.
Dito isso, a aquisição de uma VBC CC mais leve, com uma plataforma unificada a VBC Fuz, que garante uma comunalidade logística (não há comunalidade logística entre o Leopard 1A5 e 2A6) e operacional, nova e, principalmente, adaptada aos requisitos e a realidade brasileira, montada no país com ampla utilização de componentes da base industrial de defesa nacional, terá um custo de ciclo de vida útil muito inferior além de garantir uma soberania operacional plena ao EB pelos próximos 50 anos, diferente da aquisição de um veículo que já possui cerca de quatro décadas de uso. Seria a repetição dos problemas advindos da aquisição e operação da família Leopard 1 e M60.

Respostas de 6
A aquisição desse pacote de Leopard nas atuais circunstâncias é um erro estratégico. Que pena, o EB estava trilhando o caminho certo rumo a modernização, agora vai voltar para onde veio, um comprador de sucata. A quem interessa isso?
mas já existe decisão? De acordo com a matéria, se trata de uma proposta, não quer dizer que seja aceita. Até porque ela não atende aos requisitos definidos pelo próprio Exército. Além dos altos custos… Se os custos da oferta fossem muito vantajosos até poderia se tornar uma compra de oportunidade…Agora considerando as condições da oferta de acordo com a matéria, duvido muito de qualquer decisão favorável por parte do governo.
Chega de coisa usada!
Se for pra ir num veículo desse peso e com canhão diferente, que seja o Altay num acordo gov to gov com a Turquia.
Um mix high-low de 100 Altay e 200 Tulpar 120 em trocentas prestações resolveria nosso problema.
É perfeitamente possível fazer algo do tipo, mas aí precisa de sintonia entre militares e governo federal. Quem sabe no próximo governo?
É um excelente negócio, para os chucrutes… muito obrigado mas podem enfiar esses blindados onde quiserem.
O EB estava sentindo falta da sucata. O sonho de uma Arma de Cavalaria moderna era só o sonho mesmo.
Observe que a matéria se trata de uma OFERTA realizada pelos alemães. Sendo que até agora não existe nenhuma decisão por parte do exército ou Ministério da Defesa.