Uma breve análise do uso do poder aéreo na Ucrânia

Por Santiago Rivas (*)

O conflito desencadeado pela invasão russa à Ucrânia está levantando algumas questões muito interessantes para discutir sobre a utilização do “vasto” poder aéreo russo e o “limitado” ucraniano”.

Tipos de emprego

Uma das primeiras coisas que chamam a atenção é que, desde o início, a Rússia fez uso limitado do seu poder aéreo. Embora realizem entre 200 e 300 missões por dia, geralmente são limitadas ao uso tático e muito pouco em nível estratégico.

No aspecto estratégico, foram realizados ataques com mísseis de cruzeiro, lançados pelos bombardeiros Tupolev Tu-22 e Tu-160, embora de forma limitada, enquanto aeronaves de ataque do tipo Su-30 e 34 lançaram mísseis guiados do tipo Kh-31 e outros, como os Kh-59, que são guiados por TV e antigos (produzidos principalmente na época da URSS), por isso tiveram baixa eficácia e na maioria dos casos erraram seus alvos.

Vê-se que a Força Aérea Russa (Voyenno-vozdushnye sily Rossii, VVS), realiza quase todos os seus lançamentos de armas do espaço aéreo russo ou sobre o Mar Negro, sem entrar no espaço aéreo ucraniano, indicando que ainda há um grande medo das defesas antiaéreas ucranianas.

A Ucrânia ainda mantém grande parte de seus sistemas S-300, que impedem a Rússia de entrar no espaço aéreo central e ocidental.

Sobre este último ponto, é claro que desde o início não houve nenhum esforço significativo para destruir a estrutura de comando e controle ucraniano, nem sua poderosa capacidade antiaérea. Os locais dessas defesas, como radares e sistemas de mísseis, foram atacados somente próximos à frente de batalha. Isso levou a sistemas de defesa aéreos praticamente intactos em todo o centro e oeste da Ucrânia, incluindo muitos sistemas S-300 de longo alcance.

A Força Aérea Ucraniana mantém alguma capacidade de interceptação, especialmente no leste do país, onde os caças russos também não penetram.

Consciência situacional

Os A-50 Beriev fornecem consciência situacional às aeronaves russas no campo de batalha.

A VKS opera regularmente aeronaves AEW&C Beriev A-50 (“Mainstay”, pelos códigos OTAN), com várias operando em território da Bielorrússia, que permite uma melhor consciência situacional do que a Ucrânia, no entanto, abrange apenas a frente de batalha e áreas adjacentes, mas não todo o território ucraniano.

A Ucrânia, por sua vez, carece de aeronaves de alerta aéreo e o uso de seus radares de vigilância é muito limitado, para evitar a destruição por mísseis anti-radar russos, porem a atividade constante dos aviões AEW&C da OTAN sobre a Polônia, na fronteira ucraniana sugere que eles estão fornecendo algum tipo de informação desse tipo aos ucranianos, o que se soma à ausência de aviões russos no oeste do país.

Em termos de armas, percebe-se uma escassez de armas guiadas pelos russos, que começaram a usar mísseis mais antigos e menos precisos, bem como um uso muito limitado de armas guiadas a laser e um uso indiscriminado de bombas não guiadas, mesmo de suas plataformas mais modernas, como o Su-34. Isso anula muitas das vantagens da aeronave para designação de alvos, tendo que operar em altitudes mais baixas em céu nublado, o que levou a um número relativamente alto de baixas (pelo menos 10% da frota russa de Su-34 nos primeiros 80 dias da guerra, todos por armas antiaéreas, como pode ser documentado com fotos e vídeos, embora a Ucrânia reivindique um número maior).

A aviação de ambos os lados provou ser muito vulnerável a armas antiaéreas de curto alcance.

Sem supremacia aérea

Percebe-se que a Rússia em nenhum momento planejou obter a supremacia aérea e nem mesmo superioridade sobre toda a Ucrânia, mas apenas superioridade sobre as diversas frentes de batalha. Isso pode ser devido à suposição de que a guerra seria muito curta e sem resistência significativa, de modo que o uso pesado do poder aéreo não seria necessário para destruir a capacidade inimiga. É por isso que não vimos nenhum tipo de campanha de bombardeio antes do lançamento dos ataques e ainda não vemos um esforço coordenado para destruir alvos estratégicos ucranianos, mas tudo parece indicar que os alvos escolhidos são atingidos de forma aleatória ou pelo menos pouco claro, como instalações civis ou outras de pouco valor militar.

O que parece ser mais uma improvisação no uso dos meios é apreciado quando se percebe que a guerra seria mais longa e mais difícil do que o esperado, mas também se vê que há uma falta significativa de estoques de armas guiadas que limitam a capacidade operacional de aeronaves russas.

Por outro lado, faltam sistemas de contramedidas e autoproteção, o que impede que aeronaves russas voem em áreas onde a Ucrânia ainda mantém capacidades antiaéreas de longo alcance.

É muito provável que a OTAN também da Polônia tenha fornecido alguma capacidade de guerra eletrônica, interferindo nos sistemas russos e dificultando suas operações, vendo a atividade incessante de aeronaves de guerra eletrônica naquela área, embora também estejam coletando informações de inteligência claramente. A OTAN também realiza operações com P-8 Poseidon sobre o Mar Negro (eles podem até ter ajudado no ataque ao cruzador Moskva) e UAVs Globalhawk.

Uso tático de baixo efeito

O uso tático de meios aéreos colidiu com vários aspectos: por um lado, as forças ucranianas estão bem entrincheiradas e protegidas, o que reduz o efeito do bombardeio; por outro, o medo dos pilotos russos de serem abatidos por sistemas antiaéreos, o que faz com que armas não guiadas sejam lançadas de grandes alturas ou tentem atingir o inimigo pelo menor tempo possível, reduzindo a precisão.

O uso em larga escala de sistemas antiaéreos portáteis (MANPADS) levou a que helicópteros de ambos os lados fossem vistos lançando foguetes balisticamente, apontando para cima, para evitar sobrevoar posições inimigas, com o efeito de baixa precisão. Isso pode ser devido às pesadas baixas sofridas pelos russos nos primeiros dias da guerra, quando os helicópteros atacaram diretamente, mas com muitos abates.

Helicópteros usam seus foguetes balisticamente, para evitar fogo antiaéreo, embora as perdas do Kamov Ka-52 sejam altas.

Em termos de tecnologia, várias deficiências podem ser observadas, além do uso de mísseis antiquados e falta de bombas de precisão, como foi visto no uso de sistemas GPS portáteis para uso civil e fabricação ocidental em aviões de combate Su-34, que além de mostrar a falta de meios para ter sistemas mais capazes, levanta a questão da confiança no sistema Glonass.

A falta de capacidade para operar à noite também é observada. Tanto os ataques aéreos quanto os ataques de helicópteros e aviões contra posições inimigas são quase todos realizados durante o dia e nenhuma grande operação noturna foi registrada além do lançamento de mísseis de longo alcance.

UAVs

Os drones, apesar de ganharem espaço há algumas décadas, voltaram a surpreender pela sua importância em todo o front. Do renomado Bayraktar TB-2 turco, com sua capacidade de ataque e destruindo principalmente sistemas antiaéreos de curto alcance, mas também barcos e outros veículos, a drones comerciais de pequeno porte, usados ​​tanto para guiar fogo de artilharia quanto para lançar granadas e pequenas bombas contra unidades russas, alcançando um efeito não apenas destrutivo, mas sobretudo desmoralizante sobre as forças russas, que sentem que podem ser atacadas a qualquer hora e lugar.

Os Bayraktar TB-2 se mostraram altamente eficazes, difíceis de detectar e neutralizar.

Uso limitado do poder aéreo

Em conclusão, pode-se dizer que a Rússia está usando o poder aéreo de uma forma que tem um impacto limitado no desenvolvimento do conflito, ao contrário do uso que a OTAN utiliza a partir da Guerra do Golfo, onde a supremacia aérea tem sido o primeiro passo para continuar com o uso estratégico do poder aéreo com o objetivo de destruir a capacidade do inimigo de guerrear, destruir suas defesas antiaéreas, sua capacidade de comando, controle e comunicação, suas reservas estratégicas e depois seguir suas tropas no front, antes de iniciar ações terrestres contra um inimigo com quase nenhuma capacidade de se defender.

A Rússia, por sua vez, pulou todas essas etapas e lançou uma invasão da Ucrânia contra um inimigo que mantinha quase todas as suas capacidades de defesa, e lançou ataques terrestres contra forças que ainda mantinham uma alta porcentagem de suas capacidades de defesa. Também pode ser visto que mais confiança foi colocada na artilharia do que na aviação para suavizar as defesas inimigas.

Ambos os lados operam regularmente em altitudes muito baixas, para evitar armas antiaéreas.

 

(*) Santiago Rivas é jornalista e fotógrafo argentino, especializado em defesa, editor da revista Pucará Defensa e colaborador de Tecnologia & Defesa na Argentina

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