Processo de tomada de decisão em incidente crítico – Parte 2

A formação do processo decisório no momento do caos

Por Valmor Saraiva Racorti e Wellington Reis*

Entender a formação do processo mental torna mais fácil a compreensão da formação do processo decisório no momento do caos, no instante exato em que uma crise se instaura.

O momento do caos pode ser definido como os momentos iniciais de uma crise, após a ocorrência de vários incidentes, nos quais há uma incerteza nas informações e uma demanda grande de decisões para a sua resolução ou mitigação. Nesse caso, os elementos para o uso de ferramentas de tomadas de decisões tradicionais não funcionam, pois não estão presentes os elementos de tempo disponível e informações sobre o que acontece.

As decisões têm de ser tomadas, mesmo com risco de falha, pois o risco é inerente às ações policiais. Nesse primeiro momento, a velocidade de decisão é mais importante que a sua precisão (HEAL, 2014), uma vez que para a precisão, todas as alternativas devem ser levadas em conta, através de ferramentas do processo decisório, o que não é possível.

O atraso em uma decisão nos momentos iniciais pode fazer com essa decisão tomada seja ineficaz, pois o incidente muda constantemente. Assim, a melhor decisão é aquela mais adequada levada a efeito naquele momento, não uma decisão perfeita que só poderia ser implementada com um lapso temporal grande (HEAL, 2014).

Nesse sentido, o processo de tomada de decisão passa a ser dominado pelo Sistema 1, ou seja, decisões rápidas, baseadas nas informações disponíveis e na experiência do tomador de decisão do momento.

A experiência não deve ser entendida apenas como o tempo em uma instituição – embora isso possa ajudar, ou de acordo com o posto mais alto que ocupa. A experiência, nesse ponto, trata-se de participação em incidentes críticos no passado ou estudos sobre o tema, pois dessa forma será possível desenvolver modelos mentais para serem utilizados no próximo incidente crítico, desenvolvendo uma capacidade de antecipação aos problemas julgando-os de forma rápida (LIPSHITZ, KLEIN, et al., 2001).

Diante de um incidente crítico (crise) e a necessidade de tomada de decisão rápida, o que ocorre é um acesso rápido ao Sistema 1 descrito pelo Dr. Kahneman, que atuará identificando uma situação e resgatando uma informação armazenada em sua memória, atuando como uma “intuição”, que na realidade, nada mais é que um reconhecimento de ações ou situações passadas (KAHNEMAN, 2012).

Essa intuição ou julgamentos intuitivos são produzidos pelo Sistema 1 de forma automática, involuntária e quase sem esforço. Os dados que aparecem na mente tendem a ser mais precisos quando advindos de análise e julgamento de informações (pistas) encontradas no incidente, relacionadas a reconhecimentos passados do que aqueles que surgiram de heurística simplificada (KAHNEMAN e KLEIN, 2009).

Charles Sid Heal descreve a mesma formação de pensamento e tomada de decisão dizendo que os especialistas, por inúmeras vezes, decidem com base na sua intuição, ou como chama no artigo, gut instinct, no qual aqueles que decidiam em um incidente crítico reconheciam dados (pistas) que passariam despercebidas por pessoal menos experiente. Essa intuição, na realidade é baseada em experiências e eventos passados que são trazidas à tona com a ocorrência de eventos fora do comum, como incidentes críticos, fazendo com que o inconsciente alerte o consciente, provocando reação e tomada de decisão, sendo chamado de “Teoria do Pensamento Inconsciente” (HEAL, 2018).

Percebe-se, novamente, a atuação dos sistemas descritos pelo Dr. Kahneman ou, na visão dada por Heal, acerca das ações do neocórtex e da amígdala.

Notadamente, para as decisões no momento do caos, a experiência e o acesso aos sistemas do cérebro relacionados às emoções e sobrevivência são essenciais. A noção de que é possível acessar informações detalhadas e pensar em diversos cursos de ações – do original em inglês course of action (COA) – mostra-se incorreta.

Gary Klein, citado por Bruce Liebe (2017) demonstra que as decisões são tomadas de forma instintiva e intuitiva, através de criação de protótipos do incidente ocorrido, baseados em eventos e padrões passados.

Dessa forma, ao decidir os COA para o incidente que está lidando, o respondedor/tomador de decisão encontra as características similares aos eventos passados e responde de acordo com eles, adaptando para o incidente corrente, não observando diversos COA, mas sim descartando aqueles que não devem ser utilizados e focando em um para atuação.

O respondedor/tomador de decisão, no momento do caos, não procura diversos COA, mas apenas um baseado no repertório adquirido na sua experiência profissional através de ações reais ou estudos (virtuais), identificando um COA plausível e o utilizando primeiro, adaptando ou modificando conforme a necessidade. Se a mudança for impossível, ele automaticamente já passa para o próximo COA plausível. Esse padrão é chamado de Recognition – Primed Decision Making (RPDM) (KAHNEMAN e KLEIN, 2009).

O cérebro límbico, ou a amígdala, atuam como centros de sobrevivência, pois ao perceberem uma situação incomum, a reação emocional assume o controle e coloca o respondedor ao incidente crítico em um estado de alerta, tomando para si o processo de tomada de decisões. Embora sejam decisões mais simples, visando a sobrevivência a curto tempo, são mais rápidas que as decisões complexas e elaboradas do cérebro lógico, do neocórtex (HEAL, 2018).

O cérebro humano, após milênios de evolução, trabalha ainda com um único objetivo: sobreviver. Então ele busca ferramentas favoráveis e formas de decidir rápido. No final, é a sobrevivência sobre o entendimento (HEAL, 2018). Ele utiliza os padrões aprendidos no passado para construir saídas e encontrar o melhor COA sem perder tempo procurando as melhores soluções. Na realidade, ele apenas encontra aquela que mais se aplica ao incidente apresentado e concentra seus esforços para sua solução ou mitigação. Isso só é possível graças a criação desse repertório, ao qual o Sistema 1 recorrerá nos momentos de crise.

A criação de um repertório é essencial para a correta tomada de decisão nos momentos de crises, esse repertório pode ser criado através de experiências próprias ou através de estudos e práticas simuladas (virtuais). Com base nesse repertório, o Sistema 1 pode atuar de forma automática e rápida, fornecendo o julgamento intuitivo correto no menor tempo possível. Ou seja, a experiência nos incidentes críticos é essencial para um resultado favorável para todos os envolvidos.

Parte 1 do artigo

Processo de tomada de decisão em incidente crítico – Parte 1

(*) Os autores

Valmor Saraiva Racorti, tenente-coronel da PMESP, realizou o Curso Preparatório de Formação de Oficiais em 1990-1991. Graduado em Direito pela UNISUL, é bacharel em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública e possui mestrados em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública e Ciências Policiais e Segurança Pública pelo Centro de Altos Estudos de Segurança “Cel PM Nelson Freire Terra”. Foi comandante de Pelotão ROTA no 1º BPChq de 1994 a 2006, Chefe Operações do COPOM em 2006, Oficial de Segurança e Ajudante de Ordens do Governador do Estado de 2007 a 2014, Comandante de Companhia ROTA no 1º BPChq de 2014 a 2016 e Comandante do GATE de 2016 a 2019. Com atuação em mais de 500 incidentes críticos, atualmente comanda o Batalhão de Operações Especiais, que compreende o GATE e o COE.

Wellington Reis é capitão da Polícia Militar do Estado de São Paulo (PMESP), atuou nas rebeliões ocorridas em 2006 no Estado de São Paulo, pelo 3º Batalhão de Polícia de Choque, atuou no Grupo de Ações Táticas Especiais (G.A.T.E.) em ações de retomada de reféns e contrabombas e, atualmente, lotado no Centro de Material Bélico da PMESP. Bacharel em direito e pós graduado em Administração pelo Insper. Pesquisador acerca de gerenciamento de incidentes, ações táticas especiais e armamento e tiro.

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Respostas de 4

  1. Li um livro americano chamado Blink – tomadas de decisões em um piscar de olhos, onde narra ocorrências policiais que foram um sucesso e outras vidas foram perdidas por não terem tempo suficiente para se tomar uma decisão mais correta e clara. Para se evitar esta segunda situação foi concluído que precisa-se de muito treinamento para que o cérebro seja treinado para se ter uma decisão correta em frações de segundos.

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