Para que outros possam viver – Esquadra 751

Orgulho da Força Aérea Portuguesa

Tecnologia & Defesa foi a Portugal acompanhar as operações de uma das mais importantes Unidades de Busca e Salvamento do mundo.

                                                                                                                                         Por Kaiser Konrad

A Base Aérea nº6 está sediada no Concelho de Montijo, junto ao Rio Tejo e próxima à cidade de Lisboa. Vocacionada às tarefas de transporte aéreo logístico, de dignitários, vigilância marítima e busca e salvamento, é uma das mais importantes bases da Força Aérea Portuguesa e sedia as Esquadras 501, 502, 504 e 751, Unidades Aéreas que operam aeronaves C-130H, C-295M, Falcon 50, e EH-101, além dos Lynx Mk95, que cumprem sua a missão embarcados nas fragatas da Marinha de Guerra. Desde sua criação, na década de 50, a Base Aérea do Montijo tem focado sua missão no emprego de meios aeronavais, sendo ponta de lança para operações marítimas e de fundamental importância para o apoio às bases militares e na defesa civil nos distantes Arquipélagos dos Açores e da Madeira.

Esquadra 751

Como escreveu o maior poeta Luso, Luís Vaz de Camões, “onde a terra se acaba e o mar começa”, Portugal foi um dos pioneiros no descobrimento e exploração de rotas marítimas, e atualmente suas águas jurisdicionais e zonas de responsabilidade são atravessadas por importantes rotas comerciais com intenso tráfego marítimo de embarcações que partem ou tem destino aos grandes portos europeus, da África, Mediterrâneo e das Américas. Essa imensa região também está entre as mais perigosas do mundo. Sendo a última esperança de vida de tripulações de navios mercantes, pescadores ou mesmo de navegadores solitários em perigo, graças ao trabalho realizado ao longo dos seus quarenta anos de história, a Esquadra 751 tornou-se uma das mais importantes e internacionalmente reconhecidas Unidades da Força Aérea Portuguesa, sendo referência mundial em atividades de Busca e Salvamento (SAR) marítimo a longa distância. Foi criada em 28 de abril de 1978 e tem como responsabilidade principal a execução de missões (SAR) nas áreas sob responsabilidade do país, no âmbito dos seus compromissos internacionais. A estrutura militar de controle operacional SAR portuguesa é composta por dois Centros de Coordenação de Regaste, em Lisboa e Lajes – Açores; dois Centros de Coordenação de Resgate Marítimo, em Lisboa e Ponta Delgada – Açores; e um Subcentro de Resgate Marítimo localizado no Funchal – Madeira. Cabe destacar que juntas, as Regiões de Informação de Voo (FIR) de Lisboa e Santa Maria – no extremo oeste dos Açores – representam a maior área de responsabilidade SAR da Europa, com mais de cinco milhões de quilômetros quadrados.

Além da Busca e Salvamento, a Esquadra 751 executa outras missões, no âmbito estritamente militar, o assalto aeromóvel, transporte, reconhecimento e apoio táticos, Busca e Resgate em combate (C-SAR), além de missões de interesse público, como evacuação aeromédica e de vigilância e fiscalização marítimas. Em 2005 a Esquadra 751 recebeu o moderno helicóptero Agusta Westland EH-101 Merlin que veio substituir o consagrado SA-330 Puma. Este foi um marco extremamente significativo, pois permitiu à Esquadra ficar dotada de tecnologia de ponta e também aumentar a sua capacidade de operação. Este aumento de capacidades, com a quase duplicação do raio de ação, operação All-Weather, que permitiu operar em condições meteorológicas extremas, assim como realizar missões noturnas com maior segurança, vem traduzindo-se em centenas de vidas salvas. Após a introdução do EH-101 Merlin existiu uma reestruturação do dispositivo SAR nacional e assim os cerca de 100 militares que compõem a Esquadra 751 trabalham para que a mesma tenha, 24 horas por dia, 365 dias por ano, uma tripulação de alerta permanente na Base Aérea N.º 6, Montijo, uma tripulação e aeronave no Aeródromo de Manobra n°3, em Porto Santo, na Madeira, e duas tripulações e duas aeronaves na Base Aérea N.º 4, em Lajes, nos Açores. Para cumprir a missão, atualmente a Unidade Aérea conta com 11 tripulações completas.

Mago dos Mares

O EH-101 Merlin é um helicóptero de transporte médio, equipado com três motores Rolls-Royce RTM 322-MK 250, com trem de aterrissagem tipo triciclo, semi-retrátil, com rodas duplas em cada unidade e rotor principal de 5 pás. Atinge uma velocidade de cruzeiro de 240 km/h e possui um raio de ação de 400 milhas náuticas, podendo voar por mais de 8 horas sem reabastecimento. A FAP adquiriu 12 EH-101 em três versões distintas para missões especializadas. A frota consiste em 6 aeronaves na versão SAR (Busca e Salvamento), 2 na versão SIFICAP (Sistema de Fiscalização e Controle das Atividades de Pesca) e 4 na versão C-SAR (Busca e Resgate em Combate).

O EH-101 Merlin português possui flutuadores de emergência, transporta 2 botes internos com capacidade para 14 pessoas cada, 1 guincho primário  hidráulico, com capacidade de 272kg, e um guincho secundário elétrico, farol de busca, alto-falantes externos e sensor eletro-óptico. É equipado com um radar de busca da SELEX com capacidade de identificar e monitorar simultaneamente 32 alvos de superfície. Todas as aeronaves são totalmente compatíveis com a operação com óculos de visão noturna. O Merlin pode transportar até 35 soldados equipados ou 16 macas. A variante C-SAR está equipada com uma suíte de autoproteção, incluindo Sistema de Alerta de Radar (RWR), Sistema de contramedidas eletrônicas (CMDS), Sistema de Alerta de Mísseis Guiados (MWS) e Capacidade de reabastecimento em voo (AAR). A versão SIFICAP tem sido bastante utilizada para fiscalização da atividade pesqueira dentro da Zona Econômica Exclusiva portuguesa.

Operações

As três tripulações com as respetivas aeronaves da Esquadra 751 estão em alerta de 30 minutos durante o dia e outra de 45 minutos à noite. Se uma aeronave declarar emergência em voo, o alerta pode ser reduzido para 15, 10 ou 5 minutos. O Centro de Coordenação de Resgate de Lisboa, vinculado ao Comando da Força Aérea é o órgão responsável por ativar uma missão de SAR a partir do Montijo. O RCC contata a seção de Operações da Base Aérea e informa a situação, que pode ser tanto o resgate num penhasco no litoral até uma complexa missão de Busca e Salvamento a longa distância. O tempo de trinta minutos para decolagem é necessário para reunião da equipe e planejamento da missão. No caso do objetivo estar a longa distância o tempo de alerta estabelecido terá que ser ligeiramente alargado, pois é necessária uma reconfiguração da aeronave para que ela possa reduzir peso para carregar mais combustível.

Todas as vezes que um pedido de socorro é declarado a uma distância superior a 120 milhas da base, é acionada simultaneamente uma aeronave C-295M da Esquadra 502. Ela será responsável por fazer a busca e localizar o objetivo e se possível fazer contato via-rádio para atualização situacional. Essas informações e as coordenadas exatas são enviadas para o helicóptero, assim como direção, velocidade do vento em vários níveis de altitude e condições atmosféricas na área do resgate, ajudando no planejamento da missão do EH-101, reduzindo o consumo de combustível e aumentando a eficiência da aeronave enquanto que diminui o tempo de chegada e permanência na área de operações. Se necessário o avião também pode lançar botes salva-vidas para ajudar os náufragos enquanto aguardam a chegada do resgate. Existem locais que são tão distantes, como próximo ao limite com Cabo Verde, que é necessário lançar um P-3C da Esquadra 601 ou um C-130H da Esquadra 501.

Futuramente, o KC-390 da FAP deverá ser empregado em missões de busca, reduzindo pela metade o tempo de chegada à área de operações e consequentemente na localização dos náufragos. Quando empregada, a aeronave de asa-fixa é a última a deixar o local, e no caso de um acidente com a aeronave de resgate, cabe ao avião plotar a posição e ficar voando em círculo até que outro helicóptero de resgate chegue. Para poupar combustível e conseguir realizar missões com segurança, no caso do EH-101, até 370 milhas náuticas do ponto de reabastecimento, tendo ainda 30 minutos “on station”, ou seja, voando na área de operações, a tripulação desliga o motor número 3 durante o voo de cruzeiro, voando bimotor e somente religam o terceiro quando chegam para efetuar o resgate, desligando novamente no caminho de volta. A FAP é a única operadora de EH-101 Merlin no mundo que voa com apenas dois motores sobre o mar.

Resgatando

Os tipos de resgate mais comuns realizados pela Esquadra 751 são de pessoas presas num penhasco, náufragos no mar, tripulantes de um navio à deriva, velejadores solitários, marinheiros feridos ou doentes que precisam ser evacuados para um hospital. Um dos cenários mais complexos é quando se tem um homem sozinho numa embarcação ou num bote salva-vidas. Frequentemente a equipe de resgate não vai conseguir ter comunicação com ele e normalmente a situação fica dificultada pelas condições meteorológicas muito adversas, com vento forte e grandes ondas. Nesse caso se realiza uma aproximação chamada de Circuito de Boia. Se for durante o dia o circuito é visual, com o helicóptero se aproximando a 200 pés e oitenta nós. Ele passa na vertical da pessoa a ser resgatada para ser feita a marcação do ponto. Neste momento é mais seguro utilizar o piloto automático do helicóptero (modos TD1 e TD2). No segundo circuito o helicóptero faz a aproximação automaticamente, fazendo voo pairado a apenas 100 pés na posição que havia sido marcada.

Os pilotos mais experientes fazem uma entrada direta para alcançar o objetivo e ao chegar sobre ele, a 100 pés, o Piloto Comandante e o Operador de Sistemas (OPS) já o tem em condição visual. Neste momento a porta é aberta e o guincho é colocado para fora. Na altitude de 60 pés, o Recuperador Salvador (Homem Rã) começa a descer. Esta é uma altitude de segurança e confiança, pois se algum problema no guincho acontecer e o Recuperador Salvador cair na água, nessa altitude ele tem chance de não sofrer fraturas e se salvar. Essa também é a altitude limite que permite a aeronave sair voando sem bater na água se algo de errado acontecer, como por exemplo, uma pane de motor. Nesse momento o Operador de Sistemas (OPS), no controle do guincho passa a dar as informações para o piloto – três para direita, dois para esquerda, trinta em frente, o alinhamento está bom -. O OPS fala tão rápido que mais parece um locutor esportivo! Se necessário próximo à porta está um joystick que o OPS pode usar para “controlar” a aeronave e fazer uma espécie de “ajuste fino” da posição para o resgate, um recurso muito interessante disponível no Merlin. Quando o OPS avisar que está à vertical, o piloto vai saber que está no ponto certo, embora não tenha mais condição visual. O Recuperador Salvador não salta como eternizado nos filmes, ele desce com o guincho e dependendo da situação leva o horse collar, que é a cinta padrão para rápido resgate, lança a cesta ou leva uma maca de resgate marítimo, mas isso tudo depende da condição das pessoas a serem resgatadas.

O resgate noturno é ainda mais complexo, pois a única referência que a tripulação tem é a embarcação, e ao redor dela somente a escuridão absoluta. O cuidado para evitar choques com mastros, antenas, ou mesmo com ondas é fundamental, pois isso compromete profundamente a segurança. Por isso se faz necessário possuir modernos sistemas eletro-ópticos que possibilitem aos pilotos enxergar a noite e desta forma ampliar a consciência situacional. Quando o tempo está muito ruim, com ondas que ultrapassam os dez metros, o Piloto Comandante necessita fazer uma média da ondulação da embarcação embaixo. Desta forma o helicóptero fica estabilizado numa altitude segura que possibilita realizar o resgate.

Decisões difíceis

O resgate no mar muitas vezes impõe ao Comandante ter que tomar decisões rápidas e difíceis, que podem impactar diretamente no sucesso da missão, não raro colocando em risco a vida da própria tripulação. Em 2015 a Esquadra 751 realizou uma das mais complexas e perigosas missões da sua história. No dia 5 de maio o veleiro norueguês Kolibri, com quatro pessoas a bordo, navegava a 350 milhas a sudoeste dos Açores quando bateu de frente com a tempestade perfeita. Ventos de 90 km/h e ondas de 10 metros partiram o mastro principal e a navegação se tornou impossível. Durante a noite o veleiro virou duas vezes, foi então que às 08:45 a tripulação decidiu fazer um pedido de SOS.  O sinal foi recebido pelo Centro de Coordenação de Busca e Salvamento Marítimo dos Açores, que imediatamente lançou uma aeronave C-295M da Esquadra 502, que conseguiu localizar a embarcação duas horas depois. Uma segunda aeronave do mesmo modelo chegou ao local por volta das 12h para substituir a primeira que já se encontrava no limite do combustível.  O avião acompanhou a embarcação a deriva por quatro horas mantendo contato com seus tripulantes, que não estavam feridos, mas se encontravam muito nervosos. Eles haviam perdido o bote salva-vidas. Os militares da 502 tranquilizaram os velejadores e avisaram que o resgate estava a caminho. Com o combustível do C-295 também chegando ao limite, foi então que chegou um C-130 da Guarda Costeira dos EUA, que estava nos Açores para um exercício internacional de salvamento e passou a acompanhar o veleiro. Foram os americanos que vetoraram o EH-101 Merlin até o local, situado há 356 milhas da ilha das Flores, quase na metade do Atlântico, no limite máximo da autonomia do helicóptero. Quando chegaram na área de operações os militares portugueses tiveram a real ideia da complexidade que seria aquele resgate. Com a ondulação, era muito perigoso se aproximar da embarcação. Os dois primeiros tripulantes se jogaram ao mar para serem resgatados pelo Recuperador Salvador. Um terceiro já havia deixado à embarcação e se encontrava a quase 500 metros dela quando o Piloto Comandante teve que tomar uma decisão difícil. Naquele exato momento o helicóptero havia ultrapassado o Bingo, expressão que define o combustível necessário para regressar a terra firme. “A sorte está lançada”, esta foi decisão do comandante da aeronave. Se deixasse o náufrago no mar ele provavelmente morreria. Contra todas as probabilidades ele continuou o resgate, pois naquela missão ninguém seria deixado para trás. Todos os quatro náufragos foram tirados do mar. No caminho de volta estavam todos nervosos. O vento mudou, a aeronave estava mais pesada e eles ainda tiveram que mudar o curso para Horta, na ilha do Faial, uma viagem de regresso mais longa do que a planejada. Mas eles conseguiram, a sorte estava com eles, pois ela sempre acompanha os audazes. Este resgate tornou-se a missão mais longa e com maior distância coberta que se tem registo na Força Aérea Portuguesa.

Orgulho de Portugal

No dia 11 de setembro de 2017 a Esquadra 751 em reconhecimento por seu trabalho recebeu do Presidente da República a mais alta distinção do país, a Ordem Militar da Torre e Espada, Do Valor, Lealdade e Mérito. Importante destacar também o reconhecimento feito pela Helicopter Asssociation International, que conferiu o Sikorsky Humanitarian Service Award, pela excelência nas operações. Ao longo dos quase 40 anos de história, realizando a mais nobre missão da aviação de asas-rotativas, a Esquadra 751 já realizou 57 mil horas de voo, destes mais de 24 mil horas com a aeronave EH-101 Merlin e salvou mais de 3678 vidas, numero este que cresce a cada semana. Os militares da Esquadra 751 que arriscam a vida no mar sabem que cada missão é um desafio com final incerto. Eles carregam consigo o espírito e o mesmo ideal desbravador e destemido dos grandes navegadores portugueses. Esses bravos pilotos portugueses representam a última esperança de quem precisa, e dedicam seu trabalho,  vida e a própria razão de ser da Unidade, ”para que outros possam viver”.

Anjos da Guarda: Quem é quem no EH-101 Merlin da Esquadra 751    

Piloto Comandante: Dirigir, executar e planejar ações diretamente relacionadas com o voo, seja sua execução ou planejamento. Como comandante da aeronave é o responsável máximo pelas tomadas de decisão que vão influenciar na condução e nos resultados da missão.

Copiloto: Substituir o Piloto Comandante sempre que necessário. Assistir o Piloto Comandante na gestão da missão. Dirigir, executar e planejar ações diretamente relacionadas ao voo, seja a sua execução, planejamento, gestão de sistemas e comunicações.

Operador de Sistemas: Desempenhar a função de operador de guincho, observador e prestar apoio às equipes médicas e aos passageiros. Responsável pela coordenação de todos os aspectos relacionados com a cabine. Responsável pela execução de atividades de manutenção de primeiro escalão.

Recuperador Salvador: É o elemento mais exposto de toda a tripulação, tem por missão a recolhimento do náufrago/evacuado seja do mar, embarcação ou terra. Presta apoio às equipes médicas e aos passageiros sob coordenação do Operador de Sistemas.

Enfermeiro: É responsável pelo atendimento e cuidados básicos de suporte de vida aos doentes, náufragos ou acidentados que venham a ser embarcados. É o interlocutor primário com as equipes médicas fornecendo o apoio necessário.

 

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