O que a pesquisa espacial impacta na sua vida?

Opinião: Os benefícios das pesquisas espaciais para o cotidiano terrestre

Por Miriam Rezende Gonçalves (*)

Muito se escuta sobre o fato de que não deveriam gastar dinheiro com pesquisas espaciais, principalmente com argumentos utilizando “com tantas pessoas passando fome no planeta Terra”, todavia, isso ocorre devido a pouca informação sobre seus benefícios, que na verdade resolvem os problemas e as mazelas aqui no planeta.

Quando uma missão espacial gasta milhões para que um foguete atinja a estratosfera terrestre, esse dinheiro foi gasto com mão de obra especializada, tecnologia, pesquisas, ou seja, toda uma cadeia do setor espacial foi beneficiada ao gerar emprego e renda e, mais ainda, as inovações oriundas das pesquisas podem ser aplicadas em nosso cotidiano e resolver inúmeros de nossos problemas.

A exploração espacial está em plena expansão mundo afora e a estimativa é que todo investimento na cadeia produtiva do setor, traga um retorno considerável. Países que antes não investiam em “espaço”, como Inglaterra, Portugal e Nova Zelândia mudaram essa postura e na Índia, um país com problemas econômicos e sociais como o Brasil, criou-se um ministério do espaço, o Department of Space (DoS), como forma de priorizar o setor e todos os benefícios que ele pode trazer.

Aparentemente, parte a população brasileira ainda não se conscientizou da importância que as pesquisas espaciais exercem em nosso dia a dia, sendo responsável por diversas facilidades em nossas vidas. A partir do desenvolvimento de foguetes, por exemplo, surgem produtos que são utilizados em nosso cotidiano, gerando uma melhor qualidade de vida para a população, e destacaremos alguns deles para melhor compreensão:

Bomba cardíaca

A bomba cardíaca de assistência ventricular foi criada para ser utilizada em pacientes que sorem de insuficiência crônica e é capaz de garantir uma sobrevida, enquanto aguarda um transplante. Ela surgiu após pesquisas realizadas por engenheiros da Agência Espacial dos Estados Unidos (NASA), sobre o desenvolvimento de tecnologia aplicada as bombas de combustível do motor principal das naves do tipo Space Shuttle, para adaptar o fluxo de fluído aerodinâmico.

Monitor Cardíaco

Após a NASA utilizar sensores ligados aos astronautas em órbita, com o objetivo de enviar informações em tempo real sobre seus sinais vitais, o equipamento foi adotado em hospitais do mundo todo. O sistema foi aplicado pela primeira vez, em 1958, na primeira missão Apollo. Nos dias atuais, o equipamento permite aos médicos tomarem decisões mais acertadas sobre as condições do paciente, além de coleta e exibição dos sinais vitais.

Membros Artificiais

Com o intuito de facilitar a vida dos astronautas durante suas missões, a NASA  desenvolveu em seu departamento de robótica, membros artificiais que permitem controlar remotamente sua utilização em atividades extra veiculares de exploração especial. Posteriormente, o setor privado incorporou os moldes atualizados na produção de próteses, que facilmente se adaptam ao corpo humano, tornando-os cada vez mais dinâmicos e funcionais. A espuma temperada, também desenvolvida pela NASA e aplicada na peça, traz ainda mais conforto, ao evitar o atrito entre a pele e a prótese.

Implante Coclear

Quando uma pessoa perde a audição, ela perde justamente a capacidade de traduzir as ondas sonoras em sinais elétricos para o cérebro. O implante coclear ou “ouvido biônico” é um aparelho eletrônico digital de alta complexidade tecnológica capaz de realizar essa conversão acústica em sinais elétricos e foi criado nos anos 70 por Adam Kissiah, que utilizou sua experiência técnica adquirida quando trabalhou na NASA como engenheiro de instrumentação, para resolver um problema pessoal de perda de audição.

Exame de câncer de mama

Inspirados nos braços robóticos utilizados por meio da tecnologia derivada da Estação Espacial Internacional (“International Space Station” – ISS) , onde pesquisadores criaram o robô autônomo de imagem guiada que funciona dentro de um aparelho de ressonância magnética e possibilita maior acesso na identificação do tumor e além de outras funções, ainda pode ajudar médicos durante biópsias, facilitando os diagnósticos.

Nitinol

Trata-se de é uma liga metálica de níquel e titânio com uma propriedade chamada de superelasticidade, capaz de se expandir e voltar a sua forma original. Popularmente conhecida como “Memória de Forma”, a liga foi desenvolvida a partir de pesquisas por dispositivos para o lançamento de satélites. Sua flexibilidade, por meio do aquecimento, pode ajudar a estender os braços que seguram os painéis solares.

Aerogel

O aerogel é um material sintético sólido e poroso, derivado de uma combinação de polímeros, no qual o componente líquido do gel é substituído por gás, é considerado um dos melhores isolantes térmicos, resultando em um material sintético altamente resistente. Ele é tão eficaz, que a NASA utiliza em trajes de astronautas e em seus veículos conhecidos como “rovers” que estão indo em missão para Marte. Atualmente o interesse das indústrias neste material está crescendo e a tecnologia tem sido muito usada na construção civil, veículos automotivos, eletrodomésticos, equipamentos de refrigeração, materiais esportivos, entre outros.

O Aerogel é um exemplo muito claro dos benefícios das pesquisas espaciais em nosso cotidiano

Isolamento térmico

Desenvolvido para proteger astronautas no espaço, o material tem hoje inúmeras aplicações, desde proteger eletrônicos, cargas lançadas ao espaço, prédios, casas, atletas no final de maratonas até componentes de equipamentos de ressonância magnética.

Pneus duráveis

Por volta dos anos 70, a NASA criou o programa Viking, uma missão não tripulada para estudar o planeta Marte., composto por duas sondas. Cada uma delas composta por duas partes distintas: o orbitador (“orbiter”), para estudar o planeta a partir de sua órbita, e o aterrizador (“lander”) , para a superfície. A Goodyear e a NASA se uniram para criar um material fibroso, cinco vezes mais forte que o aço, que, após a missão, a tecnologia foi aplicada em pneus para aumentar sua resistência e durabilidade.

Termômetro Infravermelho

Comum em tempos de pandemia, o termômetro foi desenvolvido pelo Laboratório de Propulsão a Jato da NASA, para medir a temperatura de estrelas e planetas que emitiam radiação infravermelha. A partir de 1991, foi colocado no mercado equipamento similar para auferir as temperaturas sem contato direto com a pele dos pacientes.

Câmera do Celular

Famosas na realização de “selfs” ou “storys”, a câmera acoplada em celulares não existia até a ida do homem à Lua. Nos anos 90, a NASA precisou desenvolver câmeras leves, com alta definição para registrar os momentos históricos, e a criação do sensor de imagens CMOS (Complementary MetalOxide Semicondutor), uma espécie de “olho da câmera” ou pixels ativos.

Brocas Odontológicas

As temidas brocas odontológicas surgiram de pesquisas de exploração espacial e foram desenvolvidas por cientistas brasileiros, no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). Elas são remanescentes do desenvolvimento de novos materiais aplicados para abertura dos painéis solares dos satélites.

Purificador de Ar

Os purificadores de ar são “spin-offs” derivados da tecnologia IRC (ionização rádio catalítica), desenvolvida pela NASA com o intuito de proteger os ambientes confinados das estações espaciais. Inicialmente, a tecnologia foi criada para que os astronautas pudessem eliminar gases de etileno, produzido por plantas que aceleram a decomposição da comida, mas acabou tendo êxito na eliminação de todos os tipos de toxina.

Urna Eletrônica

O processo de informatização das eleições ocorreu no inicio da década de 1990, com o desenvolvimento de pesquisas nas áreas de meteorologia, sensoriamento remoto, observação da Terra, ciências espaciais e atmosféricas, que posteriormente, foi aplicado na urna eletrônica. A primeira urna foi usada nas eleições municipais de 1996, já a aplicação em todo território nacional veio a acontecer no ano de 2000.

Painel Solar

Os modernos painéis solares fotovoltaicos são utilizados para converter a luz do Sol em energia elétrica. A NASA usou pela primeira vez a energia solar para alimentar o satélite Vanguard 1 em órbita. Desde então, a tecnologia foi incorporada a diversos projetos e com isso, evoluíram de forma gradativa até chegar a uso doméstico. O uso dos painéis solares, com energia 100% renovável e limpa, minimiza os impactos ambientais, uma vez que não emitem poluentes, diminuindo os impactos ambientais.

A luz do Sol esta se tornando uma das principais matrizes energéticas da nossa sociedade, e é mais um sub-produto das pesquisas espaciais

GPS

O sistema de posicionamento global (“global positioning sistem” – GPS) foi criado e desenvolvido pelo Departamento de Defesa dos Estados Unidos com o objetivo de aprimorar o sistema de navegação das Forças Armadas Estadunidenses. O projeto conta com mais de 24 satélites em órbita, que emitem sinais de radio de forma precisa, simultânea e ininterrupta. Baseado em três segmentos: especial, de controle e de usuário.

Agricultura de Precisão

O produtor rural conta com uma ajuda que vem do céu: a tecnologia dos satélites. Através das imagens capturadas por satélites, é possível avaliar a saúde do solo e monitorar em tempo real as lavouras, isso possibilita uma tomada de decisão mais assertiva e aumento da produtividade. A mesma tecnologia permite, ainda, obter informações sobre condições meteorológicas, previsão de safras, irrigação, avaliação das áreas de cultivo, rastreamento de animais, comunicação e navegação nos pastos e lavouras.

Hidroponia

A hidroponia é uma forma de cultivo de plantas sem solo. As missões espaciais de longa duração precisavam garantir meios de sobrevivência aos astronautas através de plantas que forneçam alimento, oxigênio e água. A tecnologia utilizada no espaço avançou tanto, que trouxe inúmeros benefícios a produção agrícola e ao desenvolvimento humano aqui na Terra, com métodos de crescimento rápido, aumento da produtividade e recursos reduzidos. Além do crescimento sustentável, se ganha em qualidade, além de representar uma alternativa viável de produção para regiões áridas e desertas.

PBHL

Na busca por um melhor combustível para foguetes, descobriu-se a resina PBHL (polibutadieno líquido hidroxilado), hoje utilizada também na fabricação de sapatos, garantindo maior resistência às espumas e maior suporte de peso às palmilhas. Como por exemplo, o amortecedor do tênis, surgiu da bota desenvolvida para o astronauta pisar na Lua e diminuir o impacto causado pela falta de gravidade.

Aparelho de Televisão

Um dos principais eletrodomésticos do século XX, a televisão cumpre um papel importante na transmissão de informações. Em 1962, a troca de informações atingiu outro patamar ao cruzar continentes, ao utilizar o satélite artificial Telstar 1, desenvolvido por americanos, ingleses e franceses. No Brasil, a primeira transmissão via satélite ocorreu em 1970, durante a Copa do Mundo e o sistema evoluiu para televisão digital, com menos interferências e melhor qualidade.

Joystick

O manipulador eletrônico conhecido como Joystick foi aprimorado a partir da conquista espacial, mais precisamente, utilizado nas naves da Missão Apollo. Logo em seguida, a tecnologia foi usada em jogos de vídeo game, aeronaves, equipamentos cirúrgicos, drones, entre outros.

Ranhuras no asfalto

As ranhuras no asfalto foram desenvolvidas inicialmente para conter a aterrissagem de aeronaves e espaçonaves, mas, hoje são utilizadas em estradas para garantir uma maior segurança e estabilidade aos veículos. Elas proporcionam redução de escorregamento tração, diminui a hidroplanagem e a derrapagem.

Óculos de Sol

Praticamente todos os óculos de Sol, com proteção aqui da Terra, utilizam a tecnologia desenvolvida por encarregados de estudar as propriedades nocivas da luz no espaço, de um laboratório de Propulsão a Jato. Desde então, protetores oculares mais eficientes contra a radiação foram desenvolvidos e aplicados nos capacetes dos astronautas, assim como lentes ultravioletas (UV), que melhoraram a segurança em dias ensolarados e ainda aperfeiçoaram as cores absorvidas pelos olhos.

Maiô Olímpico

O efeito-arrasto partiu da premissa realizada com o objetivo de fazer as aeronaves voarem mais rápido, contudo, os pesquisadores começaram a testar diversos tecidos com menor resistência ä agua, quanto menos resistência, mais velocidade.

Asa Delta

Por volta dos anos 60, Francis Rogallo, engenheiro astronáutico da NASA, criou em asas flexíveis, que foram aperfeiçoadas e passaram a funcionar como uma espécie de paraquedas direcionável, com o objetivo de serem utilizadas na recuperação de espaçonaves quando retornavam à Terra, fornecendo um pouso mais seguro para os astronautas.

Aparelhos de exercícios

Com o objetivo de praticar exercícios e evitar doenças, os astronautas precisam se exercitar diariamente, entretanto, em um ambiente com gravidade zero, os exercícios não podem envolver peso. Pensando nisso, o engenheiro Paul Francis desenvolveu para a NASA, uma máquina de exercícios que utiliza tecnologia de resistência, formado por cabos e molas, facilmente encontradas em diversos aparelhos em academias.

Alimentos Liofilizados

A técnica chamada de Análise de Perigos e Controle de Pontos Críticos (“hazard analysis and critical control point” – HACCP), que foi desenvolvida para as missões espaciais, revolucionou a fiscalização sanitária no mundo, essencialmente na indústria de alimentos e bebidas, assegura que os produtos que consumimos não sejam prejudiciais à saúde humana ou que de alguma forma possam ser impróprios para o consumo. Foi estendida a vários países e oficialmente implantada no Brasil na década de 90, sendo utilizada até hoje por meio da norma ISO 22000.

Comidas para recém-nascidos

Umas das principais pesquisas espaciais, concentrou-se no uso de microalgas como fonte de alimento. Durante essa pesquisa, os cientistas descobriram muitas coisas sobre as microalgas, dentre elas, uma fonte natural para ácido graxo encontrado principalmente no leite materno e que desempenha um papel fundamental no desenvolvimento infantil. Desde então, o ingrediente foi adicionado a formulas infantis disponíveis no Mercado de mais de 65 países, e está ajudando bebês a desenvolver cérebros, olhos e corações mais saudáveis.

E a lista de criações, ou aperfeiçoamentos, é muito grande, como cobertor de emergência, espuma de memória, detector de fumaça, cirurgia de catarata, ressonância magnética, aparelhos móveis de Raios-X, sistema de rastreamento de voo, lentes resistentes, luz de LED, materiais para roupas de bombeiros, sistema de pagamentos de cartão de crédito e etc…, mostrando que a importância e o impacto dos produtos derivados das pesquisas espaciais são muito mais profundo do que podemos perceber.

A importância da pesquisa espacial esta muito alem da capacidade de construir, lançar e operar satélites. E o Brasil não pode abrir mão disso.

 

(*) Miriam Rezende Gonçalves é escritora e jornalista. Colunista da revista Tecnologia & Defesa. Autora do livro “Alcântara, a história inspirada na História”, uma obra de ficção científica, resultado de mais de 18 anos de pesquisa sobre o Programa Espacial Brasileiro.

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