O início da década de 1970 ficou marcado como um período de transformação da defesa aérea e do controle do espaço aéreo do Brasil.
Por meio de um modelo de operação designado Sistema de Defesa Aérea e Controle de Tráfego Aéreo (SISDACTA), uma complexa rede de radares e de centros de comando e controle passou a atuar em conjunto, principalmente, com os então recém-adquiridos 12 caças Dassault Mirage IIIE e quatro Mirage IIID da antiga 1ª Ala de Defesa Aérea (depois 1º Grupo de Defesa Aérea), orientando essas aeronaves para interceptarem tráfegos aéreos desconhecidos ou hostis, além dessa mesma estrutura fazer o controle do tráfego aéreo nas 24 horas do dia, durante todo o ano.
Exceto pelos caças, os equipamentos e tecnologia de vigilância, controle e monitoramento foram fornecidos pela antiga Thomson-CSF, que em 6 de dezembro de 2001 transformou-se no Grupo Thales.
O estabelecimento do SISDACTA, além de colocar o Brasil como uma referência em gerenciamento do espaço aéreo (ATM) no mundo, proporcionou a capacitação técnica de engenheiros brasileiros nessa área, tornando o país independente e autônomo nesse setor sendo hoje produtor e exportador de produtos e serviços.
A partir de então, essa parceria expandiu para as demais Forças Armadas e, principalmente, para o segmento civil em atividades que não estão ligadas à Defesa. Hoje, o Brasil é um dos mais importantes mercados do mundo para a Thales.
Presença estratégica
Diversas empresas multinacionais ou estrangeiras estão inseridas no segmento de Defesa no Brasil, participando ativamente do desenvolvimento de programas estratégicos ou estando presentes na rotina operacional das Forças Armadas Brasileiras. Poucas, porém, transbordam essa atuação para demais áreas da sociedade. A francesa Thales é uma delas.
O grupo multinacional tem mais de 80 mil pessoas trabalhando em 68 países com faturamento na ordem de 19 bilhões de euros.
No Brasil são em torno de 1.200 pessoas em sete unidades sendo três fábricas e quatro escritórios.
As áreas de atuação são aeroespaço (radares, aviônicos, entretenimento de voo, simulações etc), espaço (satélite), defesa e segurança, transporte sobre trilhos (inteligência) e segurança e mercado digital.
“No Brasil nós temos referências fortes em todos os mercados. Aqui somos uma ‘mini-Thales’ por representarmos várias áreas de negócios da empresa. Estamos presentes no Brasil, na rotina das pessoas, de forma massificada. Dos cartões magnéticos (crédito/débito/alimentação/refeição), passando pelo chip dos celulares até as famosas maquininhas portáteis de pagamento por cartão. Mais de 90% das transações bancárias no Brasil são garantidas com as nossas soluções”, conta Luciano Macaferri Rodrigues diretor geral da Thales no Brasil.
É provável que o chip de telefonia do seu celular e o cartão magnético que está na sua carteira neste momento tenha a marca da Thales.
A importância do mercado nacional é tamanha que nos últimos cinco anos foram investidos 6 milhões de euros pela Thales no Brasil. A empresa está presente com quatro escritórios sendo um em São Paulo; um em São José dos Campos, reconhecido como Centro Tecnológico Espacial; um escritório e apoio a clientes no Rio de Janeiro; e um escritório comercial em Brasília.
Há ainda as unidades industriais. Em São Bernardo do Campo (SP) está a sede da Thales do Brasil com 200 funcionários e da sua subsidiária Omnisys. O local, reconhecido como Centro Tecnológico da empresa, recebeu investimentos de aproximadamente R$ 15 milhões para expandir em 1.400m2 aumentando a capacidade de produção para os mercados de radar, sistemas de defesa e entretenimento a bordo.
A unidade é referência mundial do Grupo no segmento de radar, exportando tipos para o Controle de Tráfego Aéreo. Possui um centro de competência em engenharia, desenvolvimento de sistemas críticos para os mercados de defesa, espaço e aeronáutico. Há ainda um centro de serviços para radares, sonares, sistemas de comunicação naval, aviônicos e entretenimento de bordo.
Em dezembro de 2019, o grupo inaugurou o Design Center – São Bernardo do Campo, o primeiro na América Latina que utiliza o método de ação criativa do Design Thinking, integrando diferentes habilidades na busca de soluções coletivas, colaborativas e centradas nas pessoas.
O parque em Pinhais (PR) atende aos mercados do Brasil e Cone Sul da América Latina. Com mais de 400 pessoas, são produzidos smartcards para todas as linhas de negócios no Brasil. “A fábrica é capaz de produzir documentos eletrônicos de policarbonato de ponta para governos, SIM Cards para operadoras, MVNOs (operadora de rede móvel virtual), terminais POS (ponto de vendas e serviços), pagamentos EMV (cartões com chips) ou cartões bancários e cartões inteligentes Enterprise para clientes brasileiros e muitos outros ao redor do mundo, suportando pelo menos 80 clientes ativos” conta Rodrigues.
A instalação industrial de Barueri (SP) atende ao mercado brasileiro. Dispondo de 350 funcionários, no local é feita a personalização dos cartões de pagamento EMV.
Na Universidade Federal de Itajubá a Thales inaugurou, em março de 2020, a Sala de Metodologias Ativas e Laboratório de Pesquisas, reproduzindo o ambiente dinâmico de negócios da empresa para o ambiente de conhecimento e tecnologia do acadêmico.
Omnisys
Estando para completar os seus 25 anos de existência em 2022, a Omnisys, subsidiária do Grupo Thales desde 2005, foi fundada em 1997 por um grupo de engenheiros brasileiros para atuar nas áreas de aplicações civis e militares agregando alta tecnologia.
Os seus mercados incluem o de vigilância e controle do espaço aéreo, defesa aérea, guerra eletrônica, sistemas de rastreio, aviônicos, eletrônica de mísseis e entretenimento a bordo.
A Omnisys é reconhecida como Empresa Brasileira de Defesa e integra a Base Industrial de Defesa com mais de 42 produtos e serviços certificados como Produtos Estratégicos de Defesa no Brasil.
“De 2016 até hoje, a Omnisys cresceu três vezes. Ela está presente em programas estratégicos como o do satélite CBERS (China Brasil Earth Resources Satellite), com 17 equipamentos a bordo. Há ainda outros seis no satélite Amazônia, além do Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicações Estratégicas que é da Thales.
Em Alcântara estão os nossos sistemas de rastreio, telemedida, rastreio óptico, monitoramento de sinais eletromagnéticos e outros. Também temos participação na Plataforma Multi-Missão do Instituto de Pesquisas Espaciais”, explica Rodrigues.
Além da sua sede em São Bernardo do Campo, a empresa também possui uma filial no Parque Tecnológico de São José dos Campos em parceria com a Thales Alenia Space, estando presente também em Brasília e no Rio de Janeiro.
Nos programas brasileiros
Há muito tempo a FAB fechou de vez o cerco contra aeronaves que tentam utilizar o espaço aéreo brasileiro de forma ilegal para transportar materiais ilícitos como drogas, armas, fazer o contrabando dos mais variados itens ou que agem em prol do garimpo ilegal. A fronteira oeste é um dos pontos críticos desses voos que fazem incursões a baixíssima altura tentando se esquivar dos radares de defesa aérea.
Para reforçar a sua presença na região, principalmente no Mato Grosso do Sul que faz fronteira com o Paraguai e com a Bolívia e que registra o maior volume nessas tentativas e ações, três radares Omnisys LP23SST-NG (primário) e RSM970S (secundário) foram instalados em Corumbá (agosto de 2020), Porto Murtinho (março de 2021) e Ponta Porã (junho de 2021).
“Em 2018, o Ministério da Defesa e o Ministério da Justiça e Segurança Pública fizeram uma análise e identificaram os corredores com a maior presença de tráfego aéreo ilícito. Então, em dezembro daquele ano, assinaram conosco um contrato para três radares, seguido por um contrato de um quatro radar em dezembro de 2019. A ideia é ampliar a quantidade de radares na região da fronteira oeste, aumentando a saturação e cobrindo qualquer espaço. O quarto radar vai para Forte Príncipe da Beira (RO, o primeiro na região norte), que está em processo de instalação.
Esses radares tem a novidade de serem equipados com uma tecnologia desenvolvida pela Omnisys em conjunto com a Thales, que é a altimetria. Normalmente, as informações radar obtidas são do ponto onde a aeronave está, mas sem saber qual é a sua altitude. Esse último dado não é conhecido quando se trata de aviões que não são colaborativos, sem plano de voo”, explica Rodrigues.
Os LP23SST-NG e RSM970S tem alcance de 450km e por estarem instalados na fronteira podem detectar as aeronaves em rota para o Brasil antes mesmo de entrar no espaço aéreo nacional.
A Omnisys, além de fornecer a tecnologia, provê toda a manutenção, suporte e apoio logístico. No futuro, outros radares dessa categoria devem ser instalados.
“A Thales é uma líder no segmento de ATM. Dois a cada três aviões que pousam e decolam no mundo fazem isso utilizando a nossa tecnologia, tanto embarcada ou em solo. A nossa presença nesse mercado é enorme. No Brasil são mais de 130 radares em operação e mais de 180 equipamentos de auxílio à navegação”.
O radar é produzido exclusivamente no Brasil e exportado para o mundo. Mais de 70 estão em operação, sendo 30 no país. Cingapura, Catar, China, Bulgária e França são exemplos de usuários mundiais e Chile, Colômbia, México e a Bolívia em termos regionais.
A Bolívia assinou com a Thales, em 2018, um programa chamado Sistema Integrado de Defensa y Control de Tránsito Aéreo (SIDACTA), avaliado em 200 milhões de dólares para instalar 13 radares e a estrutura completa para monitoramento, vigilância, defesa aérea e controle do tráfego aéreo no país, semelhante ao que é feito no Brasil desde a década de 1970, ou seja, um único sistema com duas aplicações, civil e militar.
“A Omnysis é o centro de serviços para toda a região da América Latina, sendo responsável pela sua instalação e a manutenção”, completa Rodrigues.
Outra novidade está na inauguração no Brasil de um Centro de Serviços Aviônicos que vai agregar a capacidade de manutenção desses sistemas no país.
Outras Forças
Além dos segmentos de ATM, de guerra eletrônica, espacial e aviônicos, a Omnisys e a Thales do Brasil fornecem produtos e serviços que atendem as demais forças.
“A Omnisys nasceu por causa da Marinha do Brasil para produzir as Medidas de Apoio à Guerra Eletrônica (MAGE) e hoje faz o buscador do alvo que equipa o míssil antinavio MANSUP. Para a Corveta Clase Tamandaré vai fornecer o MAGE de terceira geração e o radar de direção de tiro STIR 1.2 e a antena TACAN SRN-15 para auxiliar o pouso a bordo dos helicópteros. Nos PROSUB, a Thales participa com toda a suíte do sistema de comunicação, sonar e guerra eletrônica”, conta Rodrigues.
Por fim, no Exército Brasileiro, a Thales participa fornecendo os rádios SOTAS para os blindados M113 e Guarani.