CV90120 MkIV, pequeno e mortal

A BAE Systems apresenta o CV90120 MkIV, o carro de combate que alia alta mobilidade de uma plataforma leve à letalidade de um veículo pesado

Desde a estreia na Primeira Guerra Mundial, em setembro de 1916, durante a Batalha de Flers-Courcelette, na França, os carros de combate (CC), ou “tanks”, mudaram completamente a forma como os conflitos eram travados, transformando todas as táticas no campo de batalha dali em diante.

Foi também a solução que acabou com o impasse da chamada guerra de trincheiras, que, devido aos avanços tecnológicos do século XX, ceifava um número inaceitável de vidas dos lados envolvidos.

À medida que os veículos se tornavam cada vez mais vitais, novas armas foram criadas para se contrapor aos “tanks”, obrigando a uma contínua evolução nos modelos, mas sempre levando em conta um conceito básico: o frágil equilíbrio entre poder de fogo, proteção blindada e mobilidade. Quando um desses aspectos era priorizado, os demais ficavam em detrimento, e a combinação dessas características tornou-se um fator chave na sua classificação após o conflito e até os dias de hoje.

Já na Segunda Guerra Mundial, com os CC atingindo a maturidade operacional, passaram a ser classificados em basicamente três categorias. Os leves preconizavam a função de reconhecimento e priorizavam a mobilidade, com menor blindagem e poder de fogo. Com raras exceções, não superavam um canhão de pequeno calibre. Os médios focavam no armamento em primeiro lugar e na mobilidade em segundo, pois sua função era combater outros blindados, incluindo os de maior peso. E os pesados, que privilegiavam a proteção blindada, pois sua função era dar apoio à Infantaria no rompimento de linhas de defesa inimigas, a chamada “ação de choque”. A mobilidade era mais baixa, pois necessariamente tinham que acompanhar a velocidade da tropa a pé, mas sua couraça deveria ser suficiente para resistir ao poder de fogo do adversário.

A evolução continuou e, nos anos 1950, surgiu o conceito dos “main battle tank” (MBT), ou “tanque principal de batalha”, em uma tradução literal. Este uniu os carros de combate médios e pesados sobre lagartas, sendo que os leves, em sua maioria, passaram a ser sobre rodas.

Essa nova classificação continuou sendo aperfeiçoada, seguindo quase sempre a mesma direção, ou seja, aumentar, por meio do calibre, o poder de fogo e a couraça para ampliar a proteção diante das ameaças. Neste caso, a tonelagem sempre foi impactada, chegando aos dias de hoje com alguns verdadeiros “monstros de aço”, com peso de combate superando as 70 toneladas.

Essa tendência de mais proteção e mais peso começou a criar sérios problemas logísticos. Além dos custos de aquisição e operação cada vez mais elevados, o transporte passou a ser um empecilho cada vez mais difícil para deslocar as viaturas, exigindo muitas vezes meios tão custosos ou até mais caros que os próprios CC, os quais estavam perdendo cada vez mais em mobilidade, um dos pilares de sua origem.

Contemporaneamente, nações com interesses geopolíticos globais ou vastos territórios (como o Brasil) necessitam deslocar suas forças militares para locais distantes e de forma cada vez mais rápida. Para esses países, veículos mais leves oferecem melhor custo-benefício e são naturalmente mais atraentes.

CV90105 ATV na Eurosatory de 1994


CONCEITO REPAGINADO

Quase ao mesmo tempo da criação dos MBT, um novo tipo de blindado surgiu no campo de batalha moderno: o “infantry fighting vehicle” (IFV), ou, como é denominado no Brasil, “viatura blindada de combate de fuzileiros” (VBC Fuz).

Trata-se de uma evolução das viaturas blindadas de transporte de pessoal, mas com capacidade real para o apoio de fogo direto à tropa, acompanhando os CC nas “ações de choque”. O primeiro expoente dessa categoria foi o soviético BMP, seguido do alemão Marder.

Da mesma forma que acontecera antes, logo seu peso e poder de fogo foram aumentando gradativamente, geração após geração, chegando ao ponto de se equiparar ao de alguns CC médios utilizados no último conflito mundial.

Ao mesmo tempo, alguns poucos carros de combate leves continuavam no mercado, como o francês AMX-13 e o austríaco SK-105 Kürassier, desenvolvidos para atender a demandas de teatros de operação muito específicos, como tropas anfíbias, paraquedistas ou de montanha, mas que acabaram chamando a atenção de países com menos recursos e sendo bastante exportados. Estes, porém, possuíam grandes desvantagens em um enfrentamento contra os CC da época, atuando apenas na função de emboscada, como os antigos caça-tanques da Segunda Guerra Mundial.

Na virada dos anos 2000, quando ficou claro que o peso dos carros de combate estava realmente limitando sua utilização em determinadas operações, a ideia de tanques mais leves foi reavivada, e a maturidade dos IFV, já então difundidos nos principais exércitos do mundo, pareceu ser a solução mais lógica para servir de base. Considerando o peso, era possível utilizar um armamento mais potente, com o bônus de poder empregar a mesma plataforma para todas as viaturas da força-tarefa blindada. Existia, no entanto, um problema: como garantir uma proteção adequada?

A resposta veio com novas tecnologias de blindagens modulares, que utilizavam materiais compostos mais leves, à base de polímeros de alto desempenho, mas com capacidade de deter munições anticarro cinéticas, como as perfurantes do tipo “armor-piercing fin-stabilized discarding sabot” (APFSDS), e químicas, com carga oca (HEAT), ou deformáveis (HESH). Já os avançados sistemas de proteção ativa (APS) mostram-se cada vez mais eficientes na defesa contra mísseis, granadas autopropelidas (RPG), “loitering munitions” e drones.

A apresentação do CV90120 ocorreu na Eurosatory de 1998


O CC DA FAMÍLIA

O CV90, ou “Combat Vehicle 90”, é uma família de veículos de combate blindados suecos projetados pela Försvarets Materielverk (FMV), administração de materiais de defesa da Suécia, em conjunto com as empresas Hägglunds e Bofors, em meados dos anos 1980. O tipo entrou em serviço naquele país em meados da década seguinte com o nome de Stridsfordon 90, especialmente para atuar em terreno acidentado e com clima desafiador no extremo norte do país. Na época, já era o projeto mais maduro dentre os apresentados (ver T&D nº 172).

Essa família, cujo projeto hoje pertence à BAE Systems Hägglunds, encontra-se em sua 5ª geração, com cerca de 1.300 unidades entregues em 17 variantes. Está em serviço ativo na Dinamarca, Estônia, Finlândia, Holanda, Noruega, Suécia, Suíça e Ucrânia, sendo quase todos membros da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN).

A República Tcheca e a Eslováquia são os mais recentes a encomendar o CV90, enquanto a Dinamarca, a Noruega, a Suécia e a Ucrânia – que têm usado o veículo extensivamente, e com sucesso, no conflito com a Rússia – estão adquirindo novos lotes para modernização e ampliação de suas frotas com variantes mais modernas. A carteira de pedidos possui aproximadamente 600 unidades a serem entregues nos próximos cinco anos, e a demanda só aumenta, fazendo com que esse número cresça ainda mais por meio de potenciais novos clientes, como a Romênia e o Brasil, que compõem o grupo de países que estão avaliando o CV90.

A primeira versão foi apresentada ao público durante a Eurosatory de 1994, com o nome de CV90105 ATV (“Anti-Tank Vehicle”), e estava equipada com uma torre francesa GIAT TML armada com um canhão de 105mm CN105 G2, de baixo recuo e padrão OTAN. A torre havia sido originalmente projetada para o blindado francês GIAT Vextra 8X8 e era operada por três tripulantes.

Já em 1998, também durante a Eurosatory, foi apresentada a versão conhecida até hoje como CV90120. O tipo foi equipado com o novo canhão CTG (“Compact Tank Gun”), de 120mm e 50 calibres, desenvolvido pela suíça RUAG em 1988 como um sistema de armas leve e de alta pressão, totalmente compatível com as munições da OTAN. O conceito do projeto visava fornecer grande poder de fogo a veículos nas classes de peso leve e médio. Apesar de muito promissor, não obteve sucesso comercial. Na mesma mostra, mas em 2014, outra variante foi apresentada: o CV90105 XC-8 105 hp, com uma proposta de torre muito interessante — a belga John Cockerill XC-8 — que permitia a intercambialidade dos canhões de 105 mm e 120 mm de alta pressão. Todavia, assim como o projeto da Ruag, não avançou.

CV90120 com torre XC-8

Contudo, mesmo com o problema relacionado ao armamento, o projeto do CV90120 seguiu adiante, e o demonstrador (baseado na versão MkIII de 4ª geração, com peso de combate da ordem de 36 toneladas) participou de diversos testes e avaliações, realizando mais de mil disparos. Foi considerado, até então, uma das melhores propostas para o conceito MMBT, principalmente devido à sua baixa silhueta. Nesses últimos dez anos, passou por diversas evoluções tecnológicas, sendo hoje considerado da versão MkIIIb.

No início desta década, a BAE Systems apresentou a versão MkIV da família CV90, com diversas melhorias, incluindo maior proteção balística e um novo conjunto de potência (“powertrain”), equipado com um motor de 1.000 HP e a transmissão X300, elevando a relação peso-potência para 18,0 kW/t, o que aumentou significativamente sua capacidade e mobilidade. Também dispõe de sistemas de proteção “hard kill” e “soft kill”.

Com arquitetura eletrônica completamente nova, de 4ª geração, foi projetado para permitir a implementação de aperfeiçoamentos e de tecnologias de realidade aumentada no conceito “iFighting”. Esse sistema combina dados de diferentes fontes, faz a fusão dessas informações e prioriza aquelas mais críticas, permitindo uma tomada de decisão mais rápida e assertiva. Essa variante foi o primeiro VBC Fuz da OTAN com um sistema de proteção ativa certificado pela aliança, e já está sendo adotada pelos exércitos da República Tcheca e Eslováquia, além de ter sido encomendado por Lituânia, Finlândia, Noruega e Suécia.

A fim de incorporar os avanços tecnológicos dessa versão ao seu MMBT, no início deste ano foi apresentado o CV90120 MkIV, cujo protótipo tem previsão de estar pronto em 2027, equipado com o novo canhão alemão Rheinmetall L44A1, de alta pressão, mas conservando as dimensões reduzidas.

Com desempenho significativamente superior ao dos L44 que equipam os CC Leopard 2 até os 2A5, esse canhão poderá disparar as mais recentes munições do arsenal da OTAN, bem como as futuras (“NEO”), incluindo as programáveis. Seu desempenho rivaliza com os L55 dos Leopard 2A8, mas com tubo mais curto e freio de boca.

CV90120 ‘Ghost’ com o sistema de camuflagem multiespectral ADAPTIV System


PARA O BRASIL

De acordo com a BAE Systems, estão ocorrendo diversas discussões com empresas brasileiras visando identificar possíveis parceiros na cadeia de suprimentos, fabricação e montagem, caso a viatura seja escolhida nos projetos da Nova Família de Blindados do Exército Brasileiro e como substituto do SK-105 do Corpo de Fuzileiros Navais da Marinha do Brasil (MB). A ideia é incluir a Base Industrial de Defesa e Segurança (BIDS) na cadeia logística mundial do CV90.

A Suécia já é um parceiro estratégico e de longa data do Brasil. Além de fornecer uma série de soluções para o EB e a MB, o país protagoniza um dos maiores acordos de transferência de tecnologia já realizados na história da Força Aérea Brasileira (FAB), por meio da aquisição dos 36 caças Gripen E/F, que incluiu o treinamento de mais de 350 brasileiros em programas de até dois anos de duração e o estabelecimento de infraestrutura crítica em solo nacional, como a fábrica de aeroestruturas, a linha de montagem final e o centro de desenvolvimento e testes de engenharia.

Para a empresa, são várias as vantagens para o Brasil ao optar pelo CV90, pois se trata de uma plataforma madura, comprovada em combate e altamente moderna, já que incorpora tecnologia de ponta e apresenta um significativo potencial de crescimento para futuras atualizações. Além disso, é parte de uma família de veículos capaz de atender às necessidades presentes e futuras.

“Todos os programas CV90 têm cadeia de suprimentos, fabricação e montagem no país comprador, e esse tem sido o princípio de sucesso há mais de 20 anos. Pode haver integração profunda de equipamentos específicos do Brasil, como, por exemplo, sistemas de gerenciamento de campo de batalha, de comunicação e sensores. Também pode contar com desenvolvimento, adaptações, cadeia de suprimentos, montagem e fabricação durante a fase de entrega e operação com base no Brasil, além de serviços, suporte, peças de reposição, logística, atualizações e treinamento”, relata a empresa.

Um dos pontos de atenção do EB no programa do VBC Fuz diz respeito à utilização de componentes sob o controle da “International Traffic in Arms Regulations” (ITAR), do governo dos Estados Unidos, que poderia restringir sua capacidade operacional. Segundo a empresa: “A BAE Systems Hägglunds está exportando o CV90 para muitos países e está acostumada a gerenciar todas as aprovações de exportação necessárias. Há uma estratégia definida para reduzirmos as dependências do controle de exportação e, à luz da situação geopolítica, estamos aumentando nosso esforço para tornar o CV90 isento de ITAR devido às exigências do mercado europeu”. No cenário brasileiro, “todas as permissões estão em vigor para o CV90 no Brasil, caso o veículo seja escolhido”.

CV9120 MkIIIb sendo apresentado ao Corpo de Fuzileiros Navais


Em relação ao esperado lançamento do “request for information” (RFI) por parte da MB para um substituto do SK-105, a BAE Systems comentou que “um dos benefícios da família do CV90 é a sua ampla gama de variantes para atender a diferentes necessidades dos clientes, o que proporciona uniformidade logística com custos operacionais reduzidos, por exemplo, em treinamento, manutenção e peças de reposição. Há possíveis benefícios de os Fuzileiros Navais usarem uma configuração muito semelhante à do Exército. Entretanto, os requisitos da RFI precisam ser analisados”.

Por meio de sua modularidade, o CV90 pode ser configurado para uma variedade de funções, incluindo IFV, tanque médio de 120mm, transporte de tropas, apoio de fogo e reconhecimento, permitindo que se adapte às demandas dinâmicas do campo de batalha. Outro aspecto muito interessante do CV90 é a rede de colaboração entre as nações operadoras. Por meio do “CV90 Users Club”, grupo formado pelos atuais países usuários, são compartilhadas informações sobre peças de reposição, táticas, treinamento, manutenção, emprego e futuras atualizações planejadas, reduzindo custos e abrindo caminho para que o CV90 se mantenha sempre na vanguarda da tecnologia militar.

Por fim, a BAE Systems não se considera apenas uma fornecedora para as Forças Armadas brasileiras, mas sim uma parceira estratégica de longa data (há mais de 100 anos) em terra, mar e ar. A empresa forneceu suporte técnico e industrial para a modernização da frota de M113 do Exército, um projeto significativo para a atualização desses blindados, que envolveu o treinamento de mecânicos brasileiros em manutenção, tecnologia de soldagem, montagem e recuperação de componentes. O trabalho foi realizado no Parque Regional de Manutenção da 5ª Região Militar (Pq R Mnt/5), em Curitiba (PR), trazendo novos conhecimentos e materiais e permitindo a realização de atividades semelhantes no futuro. Com esse histórico, bem como devido às inegáveis características operacionais, o CV90 se destaca como uma opção de escolha para integrar a espinha dorsal da futura força blindada brasileira.







Artigo publicado na edição 179 da revista Tecnologia & Defesa

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