Breve análise do Rafale para a Colômbia

Na manhã de 20 de dezembro de 2022, o mercado de defesa foi surpreendido pelo anúncio da escolha do Dassault Rafale para substituir a frota de caças IAI Kfir em operação na Fuerza Aérea Colombiana (FAC).

O país vem há anos buscando uma solução para substituir esses modelos que, apesar de estarem equipados com tecnologias e armamentos modernos, tem aproximadamente 40 anos de uso e sofrem com o alto custo de operação pelo fato da Colômbia ser o único país a tê-lo em serviço. Como resultado, os aviões têm baixa disponibilidade pela grande quantidade de panes em sistemas que já estão com fadiga, como os hidráulicos e motopropulsor (motor), impactando na baixa confiança para o cumprimento de missões operacionais de defesa aérea. Em questão de aproximadamente um ano, a frota deve ser totalmente retirada de serviço deixando o seu espaço aéreo totalmente desguarnecido.

Ao longo dos últimos anos, várias opções foram analisadas pela Força Aérea para suprir essa demanda, como a compra do Lockheed Martin F-16V Block 70 (preferido pela FAC); do Saab Gripen E (preferido pelo Ministério da Defesa da Colômbia); do Eurofighter Typhoon e do Dassault Rafale. Outras ações incluíram a possibilidade de compra de F-16 MLU usados da Dinamarca, como uma solução temporária.

A Colômbia, surpreendentemente, optou por um dos projetos mais caros da concorrência. Além do preço de aquisição por unidade, é sem dúvidas um dos mais caros ao longo do ciclo de vida em serviço, comparado ao F-16V e o Gripen E que competem na concorrência. Ao longo de décadas de operação, as rotinas de manutenção se mostrarão mais demoradas e os custos, nas grandes revisões, cada vez mais altos. Na linha de voo, a despachabilidade entre as missões também podem ser mais demoradas.

O anúncio do Rafale, ainda, não representa a vitória do tipo francês cujo projeto remonta meados dos anos 1980 e até o momento foi escolhido por oito países (incluindo a França) situados na Europa, Ásia, África e Oriente Médio. A Colômbia, se assinar o contrato, será o primeiro operador nas Américas, com uma frota prevista de 16 exemplares.

Do total de operadores, a Croácia e a Grécia compraram aeronaves usadas dos estoques da França.

O Catar, a Croácia e a Índia operam com a variante F3R, enquanto o Egito deverá passar a frota para esse mesmo padrão. Os Emirados Árabes Unidos optaram pela variante F4, ainda em desenvolvimento, assim como é provável que a Indonésia também fez a escolha por esse mesmo padrão.

No caso colombiano, ao que tudo indica, a opção será pela variante F3R que é integrada com os mísseis MBDA Meteor, o radar de varredura eletrônica ativa (AESA) RBE2, novos sistemas de comunicação, de guerra eletrônica entre outros. Também possui o infra red search and track (IRST), um sensor passivo que faz a busca de alvos por meio da assinatura de infravermelha (calor).

Uma das exigências da FAC é que o novo caça utilize os mesmos armamentos guiados que hoje fazem parte do seu arsenal e que são usados nos Kfir.

Esses incluem os mísseis Rafael Python 5 (infravermelho de “curto” alcance), Rafael Derby (além do alcance visual) e as bombas guiadas Rafael Spice 1000. Nenhum desses armamentos faz parte do leque de opções do Rafale e terão que ser compatibilizados para atender as demandas da Colômbia.

A integração de sistemas exige campanhas específicas de ensaios em voo que são muito custosas e geralmente são pagas pelo operador, trabalho esse que deverá ser feito pela FAC, se a fabricante ceder os códigos para esse tipo de intervenção, ou em parceria com a Dassault, que é o mais provável de acontecer.

Essa condição impõe um desafio. Não tendo qualquer míssil compatível com o Rafale no seu inventário, a solução para a FAC seria investir em um pacote de armamentos franceses para dar condições de combate para esses caças numa fase inicial de operação, caso sejam adquiridos, ou ficar sem armamentos até que as aeronaves sejam recebidas e integradas com o arsenal disponível na FAC, o que levaria mais algum tempo.

Na primeira opção, será necessário treinar mecânicos para fazer a operação e manutenção dos novos armamentos, além da aquisição de bancadas de teste, ferramentais e suprimentos específicos para os novos armamentos adquiridos, o que requer mais investimentos. Diante da urgência em ter os caças operacionais, esse deverá ser um ponto crucial nos planejamentos e negociações.

No segundo cenário, caso os aviões fiquem sem mísseis numa primeira etapa até que seja feita a integração, a FAC esbarra em um outro problema. Atualmente, a Venezuela é a principal ameaça externa colombiana, com vários pequenos atritos tendo ocorrido entre os países nos últimos anos.

Apesar das condições precárias e da baixa disponibilidade da frota de caças Sukhoi Su-30 da Venezuela, além da operacionalidade dos seus pilotos que também é reduzida, os aviões contam com sistemas avançados de mísseis de curto e longo alcance, não dando margem para que o país deixe o seu espaço aéreo desguarnecido.

O prazo de entrega é outro ponto de extremo interesse da Colômbia.

Com os Kfir próximos ao fim da sua vida útil, as entregas terão que ser feitas de forma expressa e, olhando para os calendários de entrega de outros países para os quais a Dassault já forneceu o Rafale, este ponto se coloca como um outro desafio.

A Grécia, que comprou uma frota mista de 12 aviões usados e 12 novos, começou a receber os primeiros caças usados um ano após a assinatura do contrato e os novos em aproximadamente 30 meses depois. A Croácia, que comprou exemplares com 14 anos de idade e em torno de 3 mil horas de voo de vida restantes, vai esperar dois anos para ter os primeiros aviões.

Dos países que adquiriram exemplares novos de fábrica, como parece ser a opção da Colômbia neste caso, o Egito levou apenas quatro meses da assinatura para o recebimento dos três primeiros aviões. Mas essa foi uma exceção. A Índia levou quase quatro anos para começar a receber os seus aviões, seguido pelo Catar, cujo prazo foi de aproximadamente 14 meses. Assim, a Colômbia teria que entrar nessa fila ou passar na frente usando “slots” da Força Aérea da França. Aparentemente, porém, essa opção ainda não existe dado que a França vai encomendar, em 2023, 42 exemplares do Rafale para recompor as vendas dos 24 exemplares feitas para Croácia e a Grécia, além de repor perdas operacionais. Esses aviões, entretanto, somente serão entregues a partir de 2027. Dessa forma, caso não tenha como suprir a demanda com tipos novos de fábrica para o ano que vem, é possível que a Colômbia tenha que aceitar exemplares usados.

A Indonésia e os Emirados Árabes Unidos, por sua vez, somente irão operar os seus caças em 2026 e 2027, respectivamente, já que optaram pela variante F4 que ainda está em desenvolvimento.

Por fim, há que se destacar qual será o comprometimento com a transferência de tecnologia. Para a Índia, esse tema é controverso. O país comprou 36 aviões num contrato que incluía 50% de offset, mas sequer recebeu qualquer contrapartida. Para uma demanda de 16 aviões, qual seria a quantidade de offset que a França estaria disposta a ceder?

Em breve, novidades deverão emergir sobre esse tema.

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Comentários

13 respostas

  1. Bicho, até mesmo os indianos não ficaram tão satisfeitos assim. Sei não. Essa escolha do Rafale está muito estranha. Tudo bem comprá-lo só que a grande questão é se a Colômbia terá recursos o suficiente para manter esse bicho. “Ah, mas só são 16 caças. Dá para manter sim.” Aham. Tá bom Cláudia, senta lá.

  2. não sei eles falaram mal do f39ng gripem eles falaram que o gripem é ruim que ele tem motor fraco e que não tem nenhum mísseis cadastrado no caça será que eles tão certo ou não o que vcs diz?

  3. Bom dia a todos e Boas Festas
    concordo plenamente com as observações acima sobre a estranheza do negócio, assim como a Airbus a Dassault por vezes utiliza do velho ICV (incentivo ao comprador moderno) nas suas vendas apoiados por seu Presidente Estranho. E de absurdo contra senso tal operação por quase todos aspectos A NAO SER que a brevidade extrema de entrega, dada a situação local, seja motivo primário. Cotado quase ao preço de F35A o Rafale e além do preço, e caríssimo de operar, armar e pilotar. Gente tem gato na tuba…

  4. Essa história está estranha hein, posso estar muito errado mas, ao meu ver me parece muito uma manobra política para tentar fazer os EUA a abaixar ao menos um pouco as exigências e condições contratuais para vender os F-16 para a Colômbia.

  5. Oi?! Desculpa, mas como se sabe dessas preferências da FAC, pelo F-16V (que seria até compreensível, mas também se sabe que precisaria de mudanças no reabastecedor B767 deles, já que não possuem fly boom), assim como se sabe que o MD colombiano preferia pelo Gripen E (que não há nenhum indicativo público disso e, se levarmos em consideração que o presidente colombiano indicou o ministro da defesa, porque ele trabalhava contra o próprio chefe?!).
    Desculpa a sinceridade, mas conhecendo como a imprensa especializada está toda sendo patrocinada pela SAAB, não me admiraria que esse texto seria um produto, também, bancado por eles. Aliás, é engraçado que apesar de tudo mostrar que o projeto Gripen E está com vários problemas de finalização (a própria Flygvapnet só vai receber os seus em 2025), sendo eliminado em tudo que concorreu, só aqui no Brasil é esse oba-oba sem questionamentos. Está faltando um pouco mais de senso crítico na imprensa especializada brasileira.

  6. Dado as condições geográficas e imperativos geopolíticos, não fez sentido algum o Brasil ter optado por uma caça como o Gripen. Até que ponto o agregamento de valor à indústria Brasileira valerá a pena para ter um caça menos robusto e menor qualificado que seus concorrentes?

    Se de fato a Colômbia concretizar esta compra, esses Rafaele tornar-se-ão os mais fortes do subcontinente, restará ao Brasil se contrapor a isto com quantidade ou em médio/longo prazo inserir em um esquadrão, um caça mais robusto complementar aos “operarios” Gripen.

  7. Ninguém tira da minha cabeça que o EUA, altos oficiais das FA colombianas e a esquerda daquele pais não estavam engolindo a ideia de colocar força no parque industrial brasileiro para a produção de caça de quarta geração e criar uma dependência com um país que no futuro pode entrar em conflito militar com eles.
    A Colômbia é um proxy natural contra o Brasil em eventuais disputas internacionais, como na questão ambiental, por exemplo.

    Portanto, para mim, a decisão foi estratégica e política. A SAAB perdeu porque não teria como se explicar aqui sobre uma produção de Gripen que não envolvesse a indústria brasileira. A explicação por si só já seria um problema: a Colômbia não vai comprar caça que envolva a produção/manutenção no Brasil mesmo que parcial. Porque ela não quer, e porque o pai dela (o EUA) também não quer.

    Esse papo do Brasil ser um amigo da Colômbia é apenas papo. Amigos somos até da Coreia do Norte. O fato é que Brasil e Colômbia podem sim ter um problema militar futuramente e comprar um caça que tenha alguma dependência do Brasil ou que coloque força em uma indústria de defesa aqui, não faz sentido e não agrada algumas forças (EUA e França)

    Ou seja, dessa vez não foi apenas o tradicional pagamento de comissão do governo francês através de doações das multinacionais francesas para o partido político da situação. Ouve um motivo maior

  8. ainda bem que a FA não escolheu o jato francês, porque ao meu ver estaríamos em uma situação semelhante a da Índia e com um custo operacional alto.ahh!E ainda ter que ouvir aquelas merdas do Macron sobre a Amazônia.

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