Em função do inicio dos programas de aquisição de blindados sobre lagartas do Exército Brasileiro e do Corpo de Fuzileiros Navais da Marinha do Brasil, Tecnologia & Defesa trás esta entrevista com Håkan Näslund (*), diretor de Vendas para a América do Sul da BAE Systems Hägglunds, comentando um panorama mundial sobre a família CV90.
Tecnologia & Defesa – Como a BAE Systems organiza o suporte contínuo para operadores de CV90 em diferentes regiões do mundo?
Håkan Näslund – A BAE Systems oferece um amplo portfólio de suporte para o CV90, que vai desde o suporte básico até a gestão completa da frota. Isso significa que podemos oferecer a forma mais simples de suporte, com o fornecendo de peças de reposição mediante solicitação por meio de contratos de suporte, disponibilidade logística, disponibilidade de veículos, até a forma mais completa de otimização da frota. Isso é totalmente adaptável às necessidades individuais de cada cliente.
Em relação à disponibilidade de materiais e cadeia de suprimentos, prevemos um centro logístico nacional para manutenção e reparos de peças de reposição, como resultado de nosso plano de cooperação industrial para o Brasil.
Em geral, somos capazes de responder a todas as solicitações 24 horas por dia, 7 dias por semana, mesmo em zonas de combate. Temos décadas de experiência no apoio a tropas, desde o treinamento militar até o combate. Fazemos isso há muitos anos, em muitos países, e tudo isso também pode ser feito no Brasil, dependendo das necessidades e interesses do país, e também com uma cadeia de suprimentos nacional. Estamos prontos para apoiar o Brasil a atender às necessidades nacionais.
T&D – Quais são os principais desafios logísticos e técnicos para manter a frota operacional?
Håkan Näslund – Os principais fatores para manter um alto nível de disponibilidade são seguir os planos de manutenção – tanto corretiva, quanto preventiva – e treinar as equipes e os grupos de manutenção.
Há 30 anos prestamos suporte ao CV90, atualmente para 10 clientes diferentes. Portanto, o treinamento e a manutenção são fundamentais para manter a frota operando com o mais alto índice de disponibilidade e eficiência. Na BAE Systems, resolvemos essa questão com parceria, de acordo com as necessidades reais do cliente e dentro do contrato escolhido. Nossos contratos de suporte podem abranger muitos aspectos, incluindo suporte para treinamento de tropas e pessoal de manutenção, que são muito importantes para que o veículo seja utilizado em toda a sua capacidade.
T&D – Como funciona o programa de manutenção e atualização de sistemas para operadores que possuem o CV90 há vários anos?
Håkan Näslund – Existem dois mecanismos principais que apoiam a atualização e manutenção dos sistemas:
- Contratos de suporte em que a manutenção e elementos-chave, como gestão da obsolescência, configuração e legislação, são monitorados para garantir que a configuração atual seja compatível, segura e cumpra todas as legislações. Além disso, os contratos de suporte podem incluir serviços de engenharia em que melhorias, modificações e novos recursos são analisados, avaliados, testados e implementados tanto para o cliente quanto para a BAE Systems, elevando a experiência do cliente e a experiência coletiva da BAE Systems com todos os clientes, incluindo experiência em combate; e
- O “CV90 users club”, onde todos os usuários do CV90 compartilham experiências e discutem melhorias e aumentos de capacidade, bem como a forma mais eficaz de operar uma frota de CV90.
É importante observar que tudo o que foi mencionado acima também se aplica, além do veículo CV90, à documentação técnica, treinamento, equipamentos de treinamento, ferramentas especiais, métodos de manutenção e reparo, etc. Para garantir que o CV90 seja utilizado em toda a sua capacidade como um sistema e não apenas um veículo.
T&D – A BAE Systems possui programas de transferência de tecnologia vinculados à aquisição do CV90? Se sim, poderia dar exemplos?
Håkan Näslund – Sim. A cooperação industrial é a forma como a BAE Systems trabalha e é a parte do nosso DNA industrial; temos mais de 25 anos de transferência de tecnologia para parceiros industriais nacionais em diversas áreas do CV90.
Além do CV90, com o Brasil já temos uma parceria de longo prazo com as Forças Armadas em outros produtos que remonta a mais de 100 anos. O exemplo de uma parceria industrial já estabelecida no Brasil foi com o Exército Brasileiro para a modernização do M113 no 5º Parque Regional de Manutenção, em Curitiba, que também contou com o apoio de empresas locais. Outro exemplo muito recente foi que, em setembro de 2025, os governos do Brasil e do Reino Unido assinaram um acordo sobre a produção local do obuseiro L119 da BAE Systems durante a feira de defesa DSEI, em Londres.
Existe um processo estabelecido de como identificar, avaliar e certificar parceiros industriais, bem como de como transferir tecnologia, conhecimento e experiência. Tomando o Brasil como exemplo, com sua escolha do CV90, poderíamos ter:
- Treinamento de profissionais brasileiros na fábrica da BAE Systems;
- Profissionais da BAE Systems apoiando a indústria brasileira;
- Equipe dedicada para apoiar parceiros industriais no local e no “back office”;
- Planejamento e preparação conjuntos;
- Compartilhamento de ferramentas e procedimentos;
- Monitoramento e relatórios rigorosos; e
- Aderência à qualidade.
Exemplos incluem a Eslováquia e a República Tcheca, que, além de parcerias com a indústria local, também possuem a linha de montagem final do CV90. Exemplos de programas CV90 anteriores resultaram em:
- Países Baixos – 80 empresas nacionais envolvidas;
- Suíça – 128 empresas nacionais envolvidas; e
- Noruega – mais de 20 empresas envolvidas.
Os envolvidos tiveram um crescimento significativo e, devido à transferência de tecnologia e capacidade, experimentaram um crescimento sustentável e aplicável a outros clientes. Muitas empresas também passaram a fazer parte da cadeia de suprimentos global da BAE Systems, para além do CV90.

T&D – Como a empresa garante que parceiros internacionais possam operar, manter e, eventualmente, atualizar o CV90 de forma independente?
Håkan Näslund – Cada cliente tem uma configuração única, que inclui literalmente todas as peças e componentes do CV90 e do seu sistema de apoio logístico.
Isso significa que cada cliente pode fazer alterações e atualizações independente uns dos outros, mas ainda assim manter a configuração, a avaliação de segurança, o desempenho e a capacidade de suporte.
É claro que a plataforma CV90, mesmo com versões diferentes, tem uma base de materiais e componentes muito semelhante. Mas, mesmo assim, cada cliente pode ter uma configuração exclusiva que pode atualizar ou modificar, e nós monitoramos a configuração e a segurança, além de verificar se outros clientes estão fazendo a mesma modificação ou atualização, para que possamos reutilizar a tecnologia a partir disso também.
T&D – Quantas fábricas de produção de CV90 existem atualmente, dentro e fora da Suécia, e quantas estão planejadas?
Håkan Näslund – São oito, contando com a Suécia. São eles:
- Suécia;
- Noruega;
- Suíça;
- Finlândia;
- Países Baixos;
- Dinamarca;
- República Tcheca; e
- Eslováquia.
Cada país cliente teve ou ainda tem uma fábrica local de produção do CV90 operada pela indústria local responsável pela cadeia de abastecimento, fabricação, montagem, inspeção final e entrega. A fábrica e as cadeias de abastecimento também atuam na manutenção e no fornecimento de peças de reposição durante a vida útil do CV90.
Para novos clientes em potencial, buscamos uma estrutura de produção nacional e cooperação industrial, tanto para o programa CV90 dos países, quanto para garantir a capacidade total de produção e a segurança do abastecimento.
A cooperação industrial não se resume apenas à entrega de veículos. É uma parceria de longo prazo. A vida útil de uma frota CV90 é de 30 a 40 anos, ou até mais. Isso significa que, durante essa vida útil, a frota precisa de manutenção, peças de reposição, atualizações e melhorias. Portanto, é um acordo de longo prazo com a indústria nacional, não apenas para a entrega de veículos por alguns anos.
Quando pensamos no Brasil, gostaríamos de trabalhar com essa estrutura. Existe a possibilidade de fazer a montagem final no país. Mas esses detalhes dependerão de variáveis contratuais, como volume de pedidos, cadência, longevidade e até mesmo a possibilidade de o país se tornar um exportador na América Latina. É um compromisso de longo prazo para poder fornecer esse tipo de serviço.
O Brasil e a Suécia já têm uma relação muito boa na área de defesa, e um acordo sobre o CV90 pode se basear nisso.
T&D – Quais níveis de localização de componentes são permitidos para produção fora da Suécia? E fora da Europa?
Håkan Näslund – Alguns componentes são adquiridos junto ao fabricante original e fornecidos às instalações de produção, independentemente da sua localização. Existe a possibilidade de produção licenciada de alguns desses itens, quando o fabricante original autoriza a produção em outro local, o que representa uma grande oportunidade em um projeto de cooperação industrial.
No que diz respeito aos componentes para os quais a BAE Systems possui os códigos e projetos de engenharia, é perfeitamente possível compartilhá-los com fornecedores locais para produção no país operador. Outros componentes abertos são comuns no mercado e podem ser adquiridos em qualquer lugar.
Esta é uma abordagem muito importante e natural para nós, pois permite o fornecimento local de peças de reposição e a capacidade de manutenção, reparos e desenvolvimento futuro dentro da indústria nacional, apoiando a frota ao longo de sua vida útil. É isso que temos feito nos últimos 25 anos, por meio de nossa parceria com os clientes e seu compromisso de longo prazo, auxiliando também no desenvolvimento de atividades de pesquisa, indústria e tecnologia nesses países.
T&D – A mídia internacional tem mencionou sobre a possível produção do CV90 na República Tcheca, Eslováquia e Holanda. Qual é o status atual dessas negociações? Quando está previsto o início da produção?
Håkan Näslund – Temos um compromisso de longo prazo com nossos clientes e estamos alinhados em nossos passos. A produção na República Tcheca e na Eslováquia já começou e nós divulgamos recentemente as informações, que você pode conferir aqui: BAE Systems lança o mais novo veículo de combate para o Exército Tcheco

T&D – Existem diferenças de configuração ou personalização nos CV90 produzidos nesses locais para atender aos requisitos específicos dos operadores locais, e como a empresa gerencia esses desenvolvimentos?
Håkan Näslund – Cada cliente tem uma configuração única, com adaptações nacionais, onde literalmente todas as peças e componentes do CV90 e do sistema de suporte estão incluídos.
Isso significa que cada cliente pode fazer alterações e atualizações independentemente um do outro, mas ainda mantendo a configuração, a avaliação de segurança, o desempenho e a capacidade de suporte.
T&D – Há interesse em estabelecer uma linha de produção no Brasil? Em caso afirmativo, quais são os requisitos para que isso aconteça e, do ponto de vista das Forças Armadas Brasileiras, quais vantagens isso traria?
Håkan Näslund – A cooperação industrial com indústrias nacionais é parte natural do nosso modelo de trabalho e, sim, estamos muito interessados. A BAE Systems já está em conversas com a indústria de defesa brasileira para identificar capacidades e recursos, e essas negociações estão progredindo. Vemos que, se selecionado, o CV90 seria produzido no Brasil pela indústria brasileira para o Exército Brasileiro.
Detalhes disso, como o nível de produção e a existência ou não de uma linha de montagem final, dependerão de variáveis contratuais, como em qualquer programa militar, considerando o volume de pedidos, a cadência, a longevidade e até mesmo a possibilidade de o país se tornar um exportador para a América Latina.
Para estabelecer uma cooperação industrial frutífera, esse compromisso significativo é necessário, e é isso que queremos reforçar com o Brasil.
Como nossa história demonstra, os parceiros industriais cresceram significativamente como resultado direto da cooperação do CV90. Isso poderia impulsionar significativamente a indústria de defesa brasileira por meio de atividades como:
- Pesquisa e desenvolvimento conjunto com a academia e empresas de engenharia brasileiras;
- Transferência de tecnologia – gerando conhecimento;
- Cooperação industrial – gerando empregos e mão de obra qualificada;
- Acordos de longo prazo para a vida útil da frota de CV90 – gerando sustentabilidade; e
- Potencial de exportação para fora do Brasil.
T&D – Qual é a experiência da empresa em oferecer suporte ao CV90 na Ucrânia? São utilizados componentes produzidos na Ucrânia?
Håkan Näslund – Mesmo antes do conflito na Ucrânia, já tínhamos vasta experiência e dados sobre o uso do CV90, já que o produto registrou mais de 70.000 dias de combate no Afeganistão e na Libéria. As informações sobre o veículo na Ucrânia estão sendo coletadas e analisadas para garantir o uso mais eficaz da plataforma CV90 em qualquer cenário.
É importante observar que o acordo com a Ucrânia foi firmado entre os governos que doaram os CV90. Para mais informações sobre isso, você pode consultar os representantes dos governos ucraniano ou sueco no Brasil.
A Ucrânia é um país observador do grupo de usuários do CV90 afim de compartilhar sua experiência. Caso compre o CV90 no futuro, o país poderá optar por se tornar um membro pleno.
T&D – Existem programas de compartilhamento de experiências entre os operadores do CV90?
Håkan Näslund – Existe um clube de usuários do CV90 muito ativo, impulsionado e operado pelos próprios usuários com apoio da BAE Systems. O clube compartilha experiências, melhores práticas e discute melhorias e aumentos de capacidade.
Recentemente, vimos exemplos de membros experientes no clube de usuários do CV90 que compartilharam experiências de implantação do veículo, incluindo o treinamento de soldados e pessoal de manutenção para novos membros antes de eles receberem os seus CV90.
Essa troca entre países é excelente para novos operadores, pois eles obtêm muito mais informações e aprendem uns com os outros, o que reduz significativamente o tempo de implantação dos veículos quando os recebem inicialmente. O Brasil pode se beneficiar desse grupo, tornando-se um cliente e aprendendo muito com os anos de experiência de outros países, especialmente no que diz respeito à implantação da nova capacidade de Veículo de Combate de Infantaria no Exército Brasileiro, utilizando o potencial máximo do produto dentro de suas próprias necessidades.
T&D – Como a BAE Systems vê o retorno de veículos de combate mais leves e o conceito de uma família derivada de uma única plataforma?
Håkan Näslund – O CV90 é o veículo mais leve de sua classe. O peso é muito importante para nós, pois é um fator chave para a mobilidade, tanto estratégica quanto tática, e esse baixo peso corresponde a custos operacionais mais baixos. Há um equilíbrio entre proteção e peso, com o CV90 liderando a mobilidade da classe, com sensores e sistemas de alerta eficazes e o utilizando sistemas de proteção destrutiva e não destrutiva (“hard kill” e “soft kill”), alcançando um alto nível de proteção com outros meios que vão além do peso das placas blindadas.
O CV90120 é um exemplo importante, onde o desempenho de um “Main Battle Tank”, normalmente pesando mais de 60 toneladas, é oferecido em um peso de combate inferior a 38 toneladas.

T&D – Há planos para uma versão futura além do MkVI?
Håkan Näslund – A BAE Systems investe em pesquisa e desenvolvimento contínuos para aprimorar as versões existentes e futuras do CV90. Estamos sempre evoluindo e aprimorando nossas ofertas aos clientes, inspirados também pelas necessidades futuras e pelo feedback do grupo de usuários. Hoje, o MkIV é a versão mais atualizada, resultado de nossos constantes processos de desenvolvimento e inovação.

(*) Håkan Näslund trabalha há mais de 30 anos na indústria de defesa, principalmente na BAE Systems Hägglunds, em funções que abrangem engenharia, liderança de projetos internacionais e desenvolvimento de negócios internacionais. Iniciou sua carreira como engenheiro especializado em software e eletrônica e, posteriormente, ocupou diversos cargos importantes, incluindo chefe de integração de sistemas, gerente técnico de projetos, gerente de capacidades de projetos e gerente de programas. Atualmente, Håkan atua como diretor de vendas para novos clientes, com foco específico em mercados como o Brasil, e como diretor de negócios para relações exteriores, onde atua ativamente na política de defesa da União Europeia. Ele também é o presidente eleito do setor terrestre da Associação das Indústrias Aeroespaciais e de Defesa da Europa (ASD).