A introdução em serviço do Gripen na Força Aérea Brasileira

Em 19 de dezembro de 2022, a FAB colocou em serviço os quatro primeiros F-39E Gripen no 1º Grupo de Defesa Aérea (1º GDA), na Base Aérea de Anápolis, na região central do país.
Com mais de 50 anos de existência, o esquadrão foi criado no início da década de 1970 para operar os então modernos caças Dassault Mirage IIIE/D fazendo a defesa aérea do planalto central do Brasil. Em 2006, a unidade fez a transição para o Mirage 2000C/B e, em 2016, para o Northrop F-5EM.

Foto: João Paulo Moralez

Ao anunciar o Gripen E (monoposto) e o Gripen F (biposto) vencedores do programa F-X2 em 18 de dezembro de 2013, a FAB determinou que os caças equipariam o 1º GDA.
A unidade tem tradição na implantação de vetores que trouxeram conhecimentos disruptivos e que transformaram a aviação de caça no país. Com o Mirage III, trabalhou o conceito da moderna defesa aérea brasileira, numa operação em conjunto com uma extensa rede de radares de solo cobrindo o território brasileiro, modelo que permanece dessa forma até os dias de hoje no Sistema de Defesa Aeroespacial Brasileiro (SISDABRA). Com o Mirage 200C/B, trouxe a doutrina de combate além do alcance visual (BVR).
“Com o Gripen, nós compramos uma plataforma com a possibilidade de transferência de tecnologia. Isso foi um dos grandes diferenciais no processo de seleção no F-X2. Nós realizamos um levantamento de onde havia a possibilidade de fazer essa transferência com empresas brasileiras sempre associado à Embraer, que é a maior empresa de aviação na América Latina. Começamos a preparação dessas empresas enquanto ocorria o desenvolvimento e a produção do Gripen. Hoje, a FAB iniciou a operação deste caça antes da Suécia e até o final de 2023 teremos oito aeronaves voando no Brasil”, comentou o Major-Brigadeiro do Ar Antonio Luiz Godoy Soares Mioni Rodrigues, presidente da Comissão Coordenadora do Programa Aeronave de Combate (COPAC).

A implantação

Uma vez em serviço, a FAB tem se dedicado intensamente à implantação deste caça, que é dividida em quatro fases.
“A Fase 1 é composta de instruções teóricas e missões de simulador, com vistas ao aprendizado das partes técnicas e do sistema de aviônicos da aeronave, de maneira que os pilotos tenham uma visão bastante abrangente da aeronave, dos seus sistemas embarcados e armamentos. Já a Fase 2 é composta por missões de simulador e missões de voo propriamente ditas, focando principalmente na operação básica da aeronave e voos em formatura de duas aeronaves, no período diurno e noturno. Antes de cada voo, o piloto faz uma missão exatamente igual no simulador, a fim de melhor assimilar as manobras e os exercícios que serão realizados durante o voo real. Na Fase 3, os pilotos serão adaptados aos sistemas operacionais da aeronave, com foco maior nos sensores e armamentos ar-ar. Por fim, a Fase 4 corresponde ao uso avançado desses sistemas em cenários táticos de maior complexidade, tais como em contexto de missões aéreas compostas e/ou com ameaças de grande complexidade, tais como baterias antiaéreas e simulação de cenários com interferência eletromagnética.
De uma maneira geral, pode-se dizer que as Fases 1 e 2 são referentes à operação inicial básica da aeronave; já as Fases 3 e 4 são relativas à introdução doutrinária e ao desenvolvimento do emprego operacional desse vetor na FAB”, explicou o Tenente-Coronel Gustavo de Oliveira Pascotto, comandante do 1º GDA.

Curso e conversão operacional

No contrato inicial, 12 pilotos foram escolhidos para fazer o curso do Gripen C/D na Suécia, sendo que oito já concluíram essa etapa. Além desses, o próprio Tenente-Coronel Gustavo e o Tenente-Coronel Ramon Lincoln Santos Forneas já tinham o mesmo curso, feito em 2014 logo após a escolha deste caça para o F-X2. Ambos passaram pela conversão para o Gripen E em 2022 na Suécia.
“O time de 12 pilotos selecionados pelo Comando de Preparo (COMPREP) para compor o grupo de implantação operacional do F-39 na FAB é composto por 10 pilotos oriundos da aeronave F-5M com vasta experiência em missões de defesa aérea e por dois pilotos oriundos da aeronave A-1M, com grande experiência principalmente em ações ar-solo, incluindo ataque e reconhecimento, missões precípuas desse vetor”, comentou o Tenente-Coronel Gustavo.
O tempo de duração do curso é de aproximadamente seis meses, dividido em duas fases: o Conversion Training e o Combat Readiness Training.
“O Conversion Training é a fase inicial de adaptação dos pilotos à operação básica da aeronave em situações de voo diurno e noturno, com voos isolados e voos em formação. Fizemos pousos em diversos aeródromos na Suécia usando diferentes tipos de procedimentos e também realizamos manobras e acrobacias.
Já o Combat Readiness Training é dedicado às capacidades operacionais, com foco no treinamento ar-ar do Gripen C/D, de maneira que os pilotos tenham uma boa base de conhecimento não só da operação da aeronave em si, mas da sua filosofia de HMI (interface homem-máquina). Simulamos o uso de armamentos, do radar, do datalink, dos sistemas de guerra eletrônica e fizemos o combate 1×1, 2×1 e combate BVR 2×2. No total, voamos em torno de 50 horas e fomos declarados operacionais no Gripen C/D”, explicou o Major Braga, que compôs a segunda turma de pilotos que fizeram o curso na Suécia.
Com o curso, os pilotos têm condições de vislumbrar algumas possíveis táticas de emprego e de alta relevância no cenário operacional brasileiro e que, logicamente, na plataforma Gripen E, ganharão uma nova dimensão e alcance operacional.
De volta ao Brasil, esses pilotos passam pelo Delta Conversion Training dividido entre o curso teórico, uma parte prática em simulador com instrutores brasileiros e suecos, e o voo solo no Gripen E.
Um aliado no processo de conversão operacional são os dois Mission Trainer System que estão em funcionamento no prédio do 1º GDA desde o final de 2022, antes da entrada em serviço dos Gripen na FAB.
Os simuladores de voo são usados em duas etapas. Na fase inicial, contribui no treinamento para ambientar os pilotos na operação básica da aeronave, como parte do processo de implantação, incluindo a realização de procedimentos normais como decolagens, pousos, operação dos sistemas básicos do avião com o display panorâmico (Wide Area Display), voo por instrumentos, navegação e outros, tanto em ambiente diurno quanto noturno. Também estão incluídos os procedimentos de emergência.
Em um segundo momento, são usados em tarefas ainda mais estratégicas no treinamento operacional de alto nível, em cenários e situações de alta complexidade que exigem o manuseio do datalink; de armamentos ar-ar, ar-solo e sensores; do radar; do IRST e outros.
Os simuladores também são usados para reproduzir no ambiente virtual uma missão que será realizada horas depois na aeronave, sendo que a FAB foi capacitada para desenvolver cenários 3D, incluindo paisagens e elementos do seu interesse, para aumentar o realismo e o preparo de uma missão.

 

Desenvolvendo capacidades

Foto: João Paulo Moralez

Ao mesmo tempo em que as tripulações avançam na implantação do Gripen, outras áreas são desenvolvidas.
“A própria aquisição prevê etapas a serem cumpridas. Nós já iniciamos a campanha de desenvolvimento das capacidades ar-ar de forma que até meados do ano que vem nós tenhamos essa fase concluída com os mísseis MBDA Meteor e Diehl Iris-T que fazem a diferença do contexto operacional. Depois vamos passar para a campanha ar-solo. Tudo isso foi planejado lá atrás, quando compramos o avião, para que pudéssemos participar do desenvolvimento e da integração de armamentos de forma que esse conhecimento fosse compartilhado. Nós participamos com pilotos de prova fazendo a integração do armamento e lançando esse armamento para reter esse aprendizado ao longo de todo o processo. Nesse sentido, a empresa tem cumprido todos os seus compromissos, incluindo de transferência de tecnologia, conforme o combinado. Obviamente pode haver algum gargalo, pois se trata de um desenvolvimento, mas estamos bem satisfeitos com o que temos hoje”, explicou o Major-Brigadeiro Soares.
Segundo o oficial-general, os ensaios dos sistemas táticos ar-ar e ar- solo avança junto com a certificação do avião, de maneira concomitante. A certificação é feita por duas autoridades: o FLYGI, que é responsável pela homologação de sistemas militares de aviação na Suécia, e o Instituto de Fomento e Coordenação Industrial (IFI), que tem a mesma responsabilidade no lado brasileiro.

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Comentários

14 respostas

    1. A aviação de caça é fantástica, quando eu morava em Goiânia todo ano na comemoração da semana da asa deslocava até a Base Aérea de Anápolis, só para ver na época os caças Mirrage III , agora estou morando mais longe de Anápolis, mas certamente um dia irei ver os caças Gripen.

    1. Oi Silvio,

      Ainda não. Estamos na Fase 1 e 2 da implantação. Em breve, na Fase 3, poderemos começar a cumprir os alertas e missões operacionais.
      Esse passo a passo, degrau a degrau, acontece com qualquer equipamento novo introduzido na Força. É preciso aprender e desenvolver a doutrina, isso é um dos aspectos da implantação.

      1. Moralez, hoje a nossa Força área possui aproximadamente quantos pilotos por aeronave? Havendo somente dois simuladores haverá um vácuo temporal entre a Fase 1 e a 3 pelo número reduzido de aeronaves de F-39 e a desativação dos F-5M e o AMX, como acontece com Marinha Brasileira, onde temos Capital Humano sem estar devidamente lotado em seus devidos meios de formação?

    2. parabéns a nossa FAB, parabéns aos homens que dedicam sua vida no aperfeiçoamento para pilotar estas máquinas espetaculares.

  1. Sobre o AMX tiveram comentários de comandantes de países vizinhos, que seria o diferencial em favor do Brasil ter esse equipamento, principalmente pelo poder de penetração a baixa altura e armamento, sendo também seu substituto, o Gripen poderia manter esse dogma?

    1. Consegue sim, Sérgio. O Gripen é um caça que trará oportunidades operacionais que ainda em certos aspectos, devem superar o que já é esperado pelo Brasil e pela Suécia. São tantas possibilidades e capacidades que somente em operação vamos descobrir a real profundidade disso, que deve ir além do que os esperado. Mas falando sobre o aspecto do AMX, o Gripen com o seu sistema de controle de voo permitirão voos à baixíssima altura na profundidade do território inimigo (o alcance do Gripen E também é um destaque nesse sentido). Deve-se levar em conta os avançados sistemas de guerra eletrônica que proporcionará a sua atuação mesmo em espaço aéreo negado pelo inimigo.

  2. Excelente matéria João Paulo, sem dúvida uma aprendizagem sobre nossa moderna aviação de caça baseada no Gripen. Assim como o Tomcat quer ver a participação do caça em exercícios internacionais (e eu também, acredito que todos nós!) eu também gostaria de vê-los em operação com as novas fragatas Tamandaré, o submarino Riachuelo (se é possível esse tipo de interação de plataformas totalmente distintas em termos de velocidade) e claro o Atlântico. Ou seja, estou me referindo da interoperacionalidade dos mais importantes meios do nosso arsenal.

    Em relação ao segundo parágrafo, João Paulo, ao tratar da operação dos Mirage III junto com seu apoio em solo me veio imediatamente a operação em que esse mesmo sistema (caças+controladores) interditou um avião cubano provocado pela crise das ilhas Falkland (não Malvinas já que aquelas ilhas não pertencem aos argentinos). Tive conhecimento desse fato pelo Caiafa em seu canal. Se os Mirage mostraram presença do Estado Brasileiro naquele episódio de forma tão impositiva como não seria a interferência do Gripen na ousadia daquele avião. Enfim, novo caça nova doutrina.

  3. com relação a materia , pilotos oriundos e experientes em F5 e AMX foram selecionados,
    como ficará a seleção futura já que serão retirados de serviço. Haverá necessidade de um treinador a reação( pergunta)

    1. Olá Gilson,

      Hoje entende-se que não, pois os pilotos de AMX e F-5 são oriundos do Super Tucano e não passam por um treinador a jato.

      Abraços.

  4. O legado delta continua nas asas do grifon (lembrei. dos chancheman, nossa entreguei a idade KKK), se com os miragem tínhamos os Dijon boys, agora temos os vikings boys. E com esses simuladores em Anápolis realmente o gripem biposto poderá ser usado como plataforma de ataque tático e aí sim concordo que lift não é nescessário. porém concordo com uma plataforma low, no caso o FA-50 por ter canhão interno que libera os cabides externos seria o melhor. me desculpe o M-346 vc é joia mas como lift.

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