A Guerra contra o coronavírus e a Mobilização Nacional

Márcio Santiago Higashi Couto é Coronel da Reserva da Polícia Militar do Estado de São Paulo, aluno do mestrado em Segurança Internacional e Defesa pela Escola Superior de Guerra (ESG) e pós-graduado em Política e Estratégia pela USP.

 

Estamos em guerra. Esta expressão é cada vez mais empregada ao redor do mundo, pela mídia, por especialistas nas mais diversas áreas, pelos governantes e por pessoas comuns.

Certamente, a situação da pandemia de COVID-19, causada pelo novo coronavírus, está bem próxima do caos de um ambiente volátil, incerto, complexo e ambíguo de uma guerra, e isso exige uma Mobilização Nacional dos meios humanos e materiais para enfrentá-la.

Estamos em guerra e temos um inimigo. Impiedoso, rápido e muito eficiente. Um inimigo invisível, pior ainda, um inimigo que pode se infiltrar silenciosamente entre nossa população, aguardando para atacar.

O ataque desse inimigo, embora atinja quase todas as pessoas, pode não ter efeitos físicos ou efeitos bem leves. Apenas uma parcela da população será morta. Mas teremos milhões de convalescentes em nossos hospitais, e como em toda guerra, o sistema de saúde entra em colapso. Vai faltar tudo.

No Brasil, a Mobilização Nacional, na Constituição Federal de 1988, está prevista como competência privativa da União, no artigo 22, inciso XXVIII, sendo a sua decretação de competência privativa do Presidente da República, de acordo com o artigo 84, inciso XIX. Trata-se de um instrumento legal que tem como objetivo, manter o país preparado para fazer frente a uma eventual agressão estrangeira.

A Mobilização Nacional é um conjunto de atividades planejadas, orientadas e empreendidas pelo Estado para providenciar o rápido aumento de recursos humanos e materiais, disponíveis para a Defesa.

Na ocorrência de um conflito, a Mobilização Nacional canaliza todos os recursos do país, sejam eles humanos, financeiros ou materiais, implementando esforços contra a agressão estrangeira.

O processo consiste em duas fases: O preparo, em que são realizadas atividades estratégicas de modo contínuo, metódico e permanente, e a execução, que compreende um conjunto de iniciativas tomadas pelo Estado, para, de modo acelerado e compulsório, providenciar e transferir os meios existentes para atender as necessidades.

Em situação de normalidade, o Governo e a Sociedade devem fazer uma preparação constante para a Mobilização Nacional. O Ministério da Defesa, através da Escola Superior de Guerra (ESG), ministra, desde 1958, o Curso de Logística e Mobilização Nacional (CLMN), e até 2018 havia formado 452 militares e 279 civis, evidenciando a importante participação da sociedade civil na Mobilização Nacional.

Através da Lei nº 11631/2007 e do Decreto 6.592/2008 foi criado o Sistema de Mobilização Nacional (SINAMOB), para preparar e executar ações estratégicas relativas à Mobilização Nacional, formado por um conjunto de órgãos atuando de forma integrada e ordenada para planejar e realizar todas as fases da mobilização e desmobilização nacionais em caso de agressão externa e desastres naturais.

O SINAMOB tem como órgão central o Ministério da Defesa, e é formado também pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública; Ministério das Relações Exteriores; Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão; Ministério da Ciência e Tecnologia; Ministério da Fazenda; Ministério da Integração Nacional; Casa Civil da Presidência da República; Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República; e Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República.

O SINAMOB atua nas áreas política, econômica, social, psicológica, segurança e inteligência, defesa civil, científica, tecnológica e militar. Ao ser decretada a Mobilização Nacional pelo Presidente da República, será delimitado o espaço geográfico, dentro do território nacional, onde ela irá ocorrer, além das medidas necessárias à sua execução.

Dentre estas missões, destacamos: a convocação dos entes federados para integrar os esforços de Mobilização Nacional; a reorientação da produção, da comercialização, da distribuição e consumo de bens e da utilização de serviços; a intervenção nos fatores de produção públicos e privados; a requisição e ocupação de bens e serviços e a convocação de civis e militares.

Como embasamento teórico e doutrinário sobre Mobilização Nacional, temos o MD41-M-01, Manual de Doutrina de Mobilização, do Ministério da Defesa, de 2015.

A Lei federal Nº 13.979 de 6 de fevereiro de 2020, “dispõe sobre o enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019”. Entre as disposições da lei, destacamos o inciso VII do artigo 3º, que autoriza a requisição de bens e serviços de pessoas naturais e jurídicas, prevendo indenização posterior e justa.

O Decreto Legislativo nº6/2020, aprovado pelo Congresso Nacional em 20 de março de 2020, o Estado de Calamidade Pública no Brasil, causado pela pandemia do coronavírus, de acordo com pedido feito pelo Presidente da República. Entretanto o direcionamento deste decreto é com relação á autorização para que o executivo gaste além da previsão orçamentária por causa da pandemia.

As medidas até agora adotadas, além do emprego das Forças armadas na construção de hospitais de campanha e auxilio na desinfecção de locais públicos, embora estejam relacionadas a atividades de mobilização, não se constituem na Mobilização Nacional propriamente dita.

A falta da Mobilização Nacional neste momento de crise causa situações onde um governador de estado, utilizando como pretexto o artigo 3º da lei nº 13.979, confiscou em 27 de março, 500 mil máscaras de proteção para serem usadas pelos profissionais de saúde do seu estado. Até aí, um ato nobre, mas essa empresa estava produzindo máscaras que atenderiam também outros estados da federação.

Esta atitude também trouxe uma consequência geopolítica grave. A empresa pertence a uma multinacional americana, e em 4 de abril, o presidente americano proibiu que a empresa vendesse máscaras para outros países. A Mobilização Nacional permite a correta coleta e distribuição de meios humanos e materiais, onde forem necessários, dentro do Brasil.

Vemos atitudes louváveis, como o Instituto Militar de Engenharia produzindo viseiras para profissionais de saúde, através de maquinas de impressão em 3D e laboratórios químicos do Exército Brasileiro, produzindo remédios como a cloroquina além de muitos outros projetos sendo desenvolvidos pelas forças armadas.

Estabelecimentos de ensino como a USP, pesquisando, projetando e construindo respiradores artificiais, de baixo custo e rápida construção. O SENAI, colocando seus professores e alunos para consertarem respiradores artificiais da rede pública que estão quebrados. O SENAI estima que pode reparar até 3.000 respiradores, salvando milhares de vidas.

Outras universidades e estabelecimentos de pesquisa, como o Instituto Butantã, trabalhando noite e dia para descobrirem novos remédios ou vacinas, ou para produzirem testes para a detecção de coronavírus. Institutos de Tecnologia, trabalhando com Inteligência Artificial (IA), produzindo programas e sistemas para analisar como vírus se comporta.

A iniciativa privada também, de forma voluntária e as vezes isolada, tentando ajudar, como empresas que fabricam cervejas e vinho, adaptando suas máquinas para produzirem álcool em gel, para auxiliar no atendimento á demanda.

O Ministério da Saúde, a partir do início de abril, passou a recomendar para que todas as pessoas que precisarem sair as ruas, utilizem máscaras de proteção, incentivando que as pessoas fizessem essas máscaras em casa. Muitas costureiras começaram a produzir as máscaras para vender e, em alguns casos, doar para pessoas necessitadas.

Mas todas essas ações valorosas precisam ser centralizadas e controladas por um órgão federal, afim de direcionar recursos e esforços, estabelecendo prioridades e objetivos. Já temos um sistema próprio e preparado para isso. Precisamos colocá-lo em funcionamento.

Infelizmente estas atitudes inovadoras, e as vezes improvisadas, serão cada vez mais importantes, porque muitos materiais de que precisamos, vão ter que ser produzidos aqui no Brasil, pois grandes fornecedores, como China e Estados Unidos, por questões políticas, financeiras, e até de necessidade, estão cancelando pedidos de equipamentos essenciais como máscaras de proteção e respiradores artificiais.

Qualquer país que conseguir produzir uma vacina ou remédio eficaz contra o coronavírus, logicamente irá priorizar sua própria população e seus aliados mais próximos. Por isso, apesar da cooperação internacional ser uma atitude muito louvável, não podemos depender exclusivamente da ajuda dos outros.

O brasileiro é um povo trabalhador e dedicado. Mas precisa muito de orientação, motivação e principalmente ser conduzido na direção correta. Estamos em guerra contra o contra o coronavirus e o Brasil precisa urgentemente acionar seu sistema de Mobilização Nacional.

 

 

 

 

 

 

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