Processo de tomada de decisão em incidente crítico – Parte 3

Ferramentas atuais: protocolos e procedimentos

Por Valmor Saraiva Racorti e Wellington Reis*

No intuito de padronizar as formas de ações, facilitar o processo de tomada de decisão e, também, justificar suas ações perante terceiros, as instituições buscam a criação de protocolos e procedimentos padrões delimitando COA e buscando predizer os resultados do incidente em que o seu respondedor/tomador de decisão atuará.

A padronização de procedimentos sempre foi vista como algo correto e benéfico, o que na prática realmente é. Contudo, não pode ser entendido como uma tábua de salvação e aplicável para todos os incidentes. Os protocolos e padronizações são eficientes para situações corriqueiras e ordinárias e servem para também como orientação os funcionários e operadores mais novos, entretanto, não podem excluir a possibilidade de serem adaptados em incidentes críticos, após a instauração de uma crise.

Outro ponto negativo em relação aos protocolos e procedimentos refere-se ao uso de tais documentos para punição e não para aprendizado, sendo rápidos em encontrar desvios e falhas ao “agir contra o procedimento” (HEAL, 2020), no lugar de entender o ocorrido e buscar corrigir as ações do operador ou mesmo do documento, pois muitas vezes os procedimentos e protocolos podem estar ultrapassados. Ao falhar em agir dessa forma, a instituição criará um clima de aversão ao risco, agindo sem criatividade e, por consequência, sem uma resposta adequada quando houver um incidente crítico mais complexo.

Uma das características mais acentuadas da crise, ou do incidente crítico, é a incerteza (HEAL, 2020) e cabe ao respondedor/tomador de decisão no momento do caos responder de forma rápida e correta ao incidente. Como já vimos, a resposta não se dará através de acesso a informações precisas e detalhadas, mas sim de forma rápida e com as informações existentes, sendo responsabilidade do Sistema 1 a entrega da informação que permitirá resolver o incidente apresentado e exigirá a adaptação e a criatividade para modificar o repertório existente conforme o incidente se modifica. Não há procedimento que seja capaz de prever todas as ações em um incidente crítico, e o respondedor/tomador de decisão será obrigado a usar seu julgamento (KLEIN, 2009).

No momento decisivo, quando há uma ameaça iminente à vida, o cérebro não lembrará de 1.000 páginas de procedimentos, mas sim do que aprendeu até aquele momento e executará a ação de forma automática. Ser julgado após a ação com base nesses procedimentos torna-se uma injustiça àquele que precisou decidir em segundos o que outros poderão julgar por anos.

Entendendo o momento do caos e a formação das decisões naquele instante, uma organização madura, voltada para princípios de justiça e que busque as melhores soluções para incidentes críticos complexos, deve estar pronta para entender e não punir os erros honestos dos seus subordinados e prevenir os erros inaceitáveis, encorajando-os a utilizar a criatividade e adaptabilidade para adquirir experiências (HEAL, 2020) aumentando seu repertório, criando condições para que cada vez mais resolvam os problemas apresentados da melhor forma possível.

Outra falha que pode ser encontrada nos procedimentos e protocolos fixos é a erosão da expertise na organização e nos seus operadores, pois pode ocorrer um desencorajamento em desenvolver novas habilidades, em buscar novos conhecimentos, uma vez que tudo o que precisam saber ou utilizar são os procedimentos padrões, tornando a instituição inapta a lidar com grandes incidentes (KLEIN, 2009).

Por fim, não se trata de uma negação ou incentivo ao estabelecimento de procedimentos padrões, mas sim de entender que em determinados momentos tais procedimentos não serão possíveis de serem utilizados. Dessa forma, o treinamento do operador, na linha de frente, é condição indispensável para um resultado positivo. A habilidade de tomar decisão em um momento do caos, em um momento decisivo, deve ser ensinada e treinada, em seus diversos níveis.

Mudanças e perspectivas futuras para tomada de decisão

Conhecendo a forma como ocorre o processo decisório em um momento limite, percebe-se que a necessidade de experiência e criação de um repertório para tais situações é fator preponderante para o sucesso. Logo, não há caminho fácil para preparação de um respondedor/tomador de decisão para incidentes críticos. A experiência profissional é imprescindível, a questão que se apresenta é: como desenvolver essa experiência em respondedores que não tem o tempo profissional que trará, naturalmente, esse repertório?

A resposta é simples, mas não tão fácil de aplicar. Trata-se da realização de treinamento e educação para os respondedores/tomadores de decisão, sendo dividido em níveis operacionais e táticos/estratégicos.

Para os níveis operacionais são essenciais os exercícios contínuos e com ações próximas à realidade, com confrontação direta e desafios que necessitem de adaptação e correção para sua resolução (HEAL, 2020) assim como nos confrontos que se aproximem da realidade com o uso de equipamentos e materiais que simulem o risco à vida (que nunca será como uma ação real, mas pode criar o repertório para uso em um incidente) tal como o uso de equipamentos como Simunition® ou ainda mais simples, como airsoft ou paintball (GROSSMAN e CHRISTENSEN, 2007).

Para os níveis táticos/estratégicos, o treinamento com exercícios de mesa e debriefing de incidentes são mais efetivos (HEAL, 2020), conhecendo os detalhes e analisando as decisões tomadas, assim como, nos exercícios de mesa, tomar as decisões para atuação e, posterior, analisar o que poderia ter ocorrido.

A análise de casos anteriores, conhecidos como Estudos de Caso, ou After Action Review, é essencial para desenvolver a capacidade de tomada de decisão em incidentes críticos, criando um repertório de ações anteriores, mesmo que sua participação não tenha ocorrido. Isso se aplica em todos os níveis, operacionais e táticos/estratégico. O segredo para tal estudo é manter a mente aberta para um modo de aprendizado e não de julgamento – “Remember, a judging mind is not a learning mind” (LIEBE, 2017).

A frase do General Al Gray citada por Heal (2014) define bem a questão do estudo para o profissional, ele diz, em tradução livre, que “os mais formidáveis guerreiros são estudantes de sua profissão”.

A educação é a forma mais simples de se conseguir um repertório suficiente para agir durante um incidente. As outras opções são: o tempo profissional para acumular esse repertório ou a participação em incidentes críticos em grande quantidade, em um período curto.

O conhecimento adquirido pela educação será comprovado quando o incidente sobrevier. Naquele instante, as habilidades de julgamento e a capacidade de decisão serão aplicadas. Nesse sentido, Kahneman e Klein (2009) dizem que para desenvolver o julgamento intuitivo, duas condições devem estar presentes: um ambiente de alta validade e uma adequada oportunidade de prática, ou seja, a educação é essencial para criar o repertório, mas a prática é essencial para que o Sistema 1 atue de forma primordial

Assim, é possível entender que apenas o estudo, mas sem sua aplicação prática, não permitirá o desenvolvimento do julgamento intuitivo. Dessa forma, apenas aqueles que trabalham e operam em um incidente crítico atingirão a completa capacidade de tomada de decisão rápida. Os estudiosos e acadêmicos poderão ter a noção disso, mas jamais sua completa compreensão.

No final, as palavras de Heal são importantes:

Apenas aqueles que possuem conhecimento e experiência e entendem os fatores e influências em jogo serão totalmente capazes de lidar com o escopo de possibilidades e a profundidade das consequências, porque quando a crise chega, uma solução perfeita requer uma espera infinita. (tradução nossa) (2014)

Parte 1 do artigo

Processo de tomada de decisão em incidente crítico – Parte 1

Parte 2 do artigo

Processo de tomada de decisão em incidente crítico – Parte 2

(*) Os autores

Valmor Saraiva Racorti, tenente-coronel da PMESP, realizou o Curso Preparatório de Formação de Oficiais em 1990-1991. Graduado em Direito pela UNISUL, é bacharel em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública e possui mestrados em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública e Ciências Policiais e Segurança Pública pelo Centro de Altos Estudos de Segurança “Cel PM Nelson Freire Terra”. Foi comandante de Pelotão ROTA no 1º BPChq de 1994 a 2006, Chefe Operações do COPOM em 2006, Oficial de Segurança e Ajudante de Ordens do Governador do Estado de 2007 a 2014, Comandante de Companhia ROTA no 1º BPChq de 2014 a 2016 e Comandante do GATE de 2016 a 2019. Com atuação em mais de 500 incidentes críticos, atualmente comanda o Batalhão de Operações Especiais, que compreende o GATE e o COE.

Wellington Reis é capitão da Polícia Militar do Estado de São Paulo (PMESP), atuou nas rebeliões ocorridas em 2006 no Estado de São Paulo, pelo 3º Batalhão de Polícia de Choque, atuou no Grupo de Ações Táticas Especiais (G.A.T.E.) em ações de retomada de reféns e contrabombas e, atualmente, lotado no Centro de Material Bélico da PMESP. Bacharel em direito e pós graduado em Administração pelo Insper. Pesquisador acerca de gerenciamento de incidentes, ações táticas especiais e armamento e tiro.

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