Por Paulo Roberto Bastos Jr e Helio Higuchi
Recentemente, chegou ao Brasil um lote de viaturas blindadas, destinado a reforçar as 5ª Brigada de Cavalaria Blindada (5ª Bda C Bld) e 6º Brigada de Infantaria Blindada (6ª Bda Inf Bld), ambas subordinadas ao Comando Militar do Sul (CMS).
Este artigo visa apresentar um histórico dessa aquisição e suas perspectivas de utilização.
A história
Dentro das prioridades definidas no Programa Estratégico do Exército (Prg EE) Obtenção de Capacidade Operacional Plena (OCOP), o Exército Brasileiro (EB) já vinha tratando, há alguns anos, diretamente com o Departamento de Defesa dos Estados Unidos (DoD), a aquisição de uma quantidade considerável de blindados de seus estoques excedentes, classificados lá como EDA (“Excess Defence Articles”), visando atender algumas necessidades imediatas para as demandas de equipamentos e adestramento.
O objetivo inicial era a melhoria nos blindados de transporte de tropas (VBTP) M113 e de Artilharia autopropulsada M108, que foram adquiridos em diversos lotes a partir dos anos de 1970 e que já haviam passado por uma grande modernização na década seguinte, mas que já ressentiam o peso dos anos e, no caso dos M108, já estavam obsoletos para a guerra moderna. A solução encontrada foi adquirir kits de modernização para os M113B (nome dado à versão modernizada pela empresa Motopeças S/A, nos anos de 1980) e blindados autopropulsados M109, que também deveriam ser modernizados, fazendo-se uso do programa FMS (“Foreign Military Sales”) do DoD.
M113
Em 2010, o EB acertou, via FMS, a modernização, através de kits, de 208 M113B que culminou no primeiro contrato com a BAE Systems, em 2011, para um primeiro lote de 150 carros para o padrão M113A2 Mk1, nomeados no Brasil como M113BR, no valor de US$ 41,9 milhões, sendo que os trabalhos seriam realizados no Parque Regional de Manutenção/5 (PqRMnt/5), de Curitiba (PR), fase concluída em dezembro de 2015.
Nesse mesmo período foi assinado com a Engemotors Veículos e Peças Ltda a recuperação de 208 M113B, que não seriam elevados ao padrão M113BR, mas que sairiam como novos de fábrica. Porém, com a falência da empresa, e com apenas um protótipo para avaliação concluído, os planos foram remanejados, tornando necessário modernizar um número adicional de M113B pelo PqRMnt/5.
Em meados de 2015, um novo contrato foi assinado com a BAE Systems, no valor de US$ 54,66 milhões, para a modernização de mais 236 veículos para o padrão BR, e existe uma expectativa para que o restante da frota de M113B (198 carros) também passem pelo mesmo processo. O custo unitário de cada veículo modernizado, com a instalação do kit e sua recuperação total, é de aproximadamente R$ 740 mil.
Além dos kits A2 Mk1, que englobam, além do motor e da transmissão, uma série de melhorias e reforços estruturais, também foram adquiridos alguns componentes visando missões especiais, à parte do contrato de modernização, a destacar:
- Sistema de tração para blindados sobre lagartas, Rubber Band Tracks, desenvolvido pela empresa canadense Soucy Defense, que compreende lagartas inteiriças de borracha, polias motoras e tensoras emborrachadas e braços tensores, que melhoram muito o desempenho em ambiente urbano, diminuindo o nível de ruído e vibração. É destinada prioritariamente para o ambiente de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), nos 7º, 13º, 20º e 29º Batalhões de Infantaria Blindados (BIB), os quais estão em processo de entrega de sete veículos com esses sistemas, adicionais aos sistemas metálicos comuns, para substituição quando houver conveniência.
- Visor QT M17 Day / Thermal Periscope, da norte-americana Optex Systems. Trata-se de um visor para guiagem do veículo em qualquer tempo, com uma câmera de alta definição, com 10mp, para o dia, e um visor termal para a noite. Um equipamento moderno que já esta em operação nos 20º e 29º BIBs, 13 sistemas em cada, além do Centro de Instrução de Blindados e no próprio PqRMnt/5, com 2 e 3 sistemas, respectivamente.
Ambos são equipamentos que podem ser rapidamente colocados e retirados, garantindo grande flexibilidade de operação às unidades que o utilizam, e esperam-se novas aquisições, assim que recursos sejam liberados.
O cronograma de modernização e entregas às unidades já foi definido e se encontra totalmente dentro do prazo, conforme tabela abaixo:
OM | Previsão | Recebidos (out/2016) |
7º BIB | 72 | 26 |
13º BIB | 72 | 39 |
20º BIB | 72 | 39 |
29º BIB | 72 | 39 |
1º RCC | 12 | 0 |
2º RCC | 12 | 0 |
3º RCC | 12 | 0 |
4º RCC | 12 | 0 |
CIBld | 2 | 2 |
AMAN | 3 | 0 |
EsSLog | 2 | 0 |
PqRMnt/5 | 1 | 1 |
3º GAC Ap | 6 | 0 |
5º GAC Ap | 6 | 0 |
4º Blog | 4 | 0 |
5º BLog | 4 | 0 |
3º Cia Com Bld | 4 | 0 |
5º Cia Com Bld | 4 | 0 |
5º BE Bld | 3 | 0 |
12º BE Bld | 3 | 0 |
Esqd Cmdo da 5ª Bda C Bld | 4 | 0 |
Cia Cmdo da 6ª Bda Inf Bld | 4 | 0 |
Total (150+ 236) | 386 | 146 |
M109
Em 2014 o EB recebeu, por doação do DoD, 40 obuseiros autopropulsados de 155 mm M109A5 e, no mesmo ano, foi assinado um contrato, via FMS, no valor de US$ 54 milhões, com a BAE Systems, para a aquisição de kits de modernização e equipamentos associados, peças, treinamento e apoio logístico para modernizar 32 deles para o padrão M109A5+ BR, nos Estados Unidos.
Os veículos modernizados serão enviados para os 3º e 5º Grupos de Artilharia de Campanha Autopropulsados (GAC AP, 16 cada), em Santa Maria (RS) e Curitiba (PR), respectivamente, e, dos oito exemplares restantes, seis serão utilizados como repositório de peças e dois vão servir para treinamento das guarnições dos GAC AP, sendo que esses chegaram junto com 50 doados também pelo DoD (ver abaixo).
Esses veículos, cujo novo padrão utilizará muito dos melhoramentos e componentes encontrados na versão M109A6 Paladin, transformando-os em uma das melhores peças de Artilharia do continente, juntando-se aos 37 M109A3 adquiridos em 2000, e representarão um importante reforço à Arma de Artilharia do EB.
Já existem estudos para modernizar os M109A3, bem como adquirir mais alguns exemplares dos Estados Unidos, para poder substituir totalmente os antigos obuseiros autopropulsados de 105 mm M108B, adquiridos no inicio dos anos de 1970 e modernizados nos anos de 1980, que ainda equipam alguns GAC AP. Uma novidade interessante é o projeto para a transformação dos M108B em veículos para transporte de munição, o que pode ser um grande incremento à operacionalidade dos M109. Um protótipo já está em fase de conversão, com o canhão sendo retirado e a torre esvaziada para poder comportar a munição.
Chegam mais veículos
Ainda dentro dos acordos entre o EB e o DoD, em outubro de 2015, foi efetivada a doação de 50 veículos blindados diversos, que serão utilizados para complementar a Força Terrestre brasileira. Esse lote é composto por 34 veículos tipo posto de comando M577A2, que também podem ser utilizados como VBTP, ambulância blindada e transporte em geral; 12 VBTP M113A2; 4 veículos de socorro pesado M88A1, que são peças fundamentais para a operação dos M109 e dos carros de combate M60A3 TTS que dotam o 20º RCB, em Campo Grande (MS), não somente pela capacidade de suportar o peso destes, mas também pela mecânica que é similar.
Os veículos escolhidos estavam em dois depósitos do US Army, no Anniston Army Depot, no Alabama, e o Sierra Army Depot, na California, e foram selecionados por uma equipe de militares e engenheiros do EB, sempre levando em conta o estado de cada um, sendo escolhidos os veículos que poderiam ser empregados imediatamente, ou seja, que se encontravam em condições de apronto.
Foi contratada a norte-americana Tigers Global Logistics para transportá-los para o Brasil, através no navio cargueiro SLNC Corsica. Os carros chegaram em 19 de setembro de 2016, desembarcando no porto de Paranaguá (PR), de onde foram imediatamente transportados para o PqRMnt/5, por carretas, onde foi feito o check-list de recebimento. Junto aos 50 veículos, vieram ainda dois M109A5 destinados a treinamento das equipes de manutenção dos novos M109A5+ BR.
Segundo Ralf Milbradt, engenheiro do PqRMnt/5 e que fez parte da equipe que esteve nos Estados Unidos para a seleção, foram disponibilizados para o EB quase 600 veículos para serem vistoriados. Assim, durante três exaustivos dias sob o sol escaldante do deserto, os 34 M577A2 e 12 M113A2 foram selecionados. Apesar de externamente aparentarem um desgaste, devido à exposição por longo tempo ao relento num ambiente árido, os veículos estão em excelente estado de conservação e, conforme o engenheiro Ralf, “foi selecionado o filé mignon, mas a picanha ainda permaneceu disponível no depósito”, indicando que ainda existe a possibilidade de, caso seja interesse do EB, que sejam incorporados mais veículos.
Tecnologia & Defesa pôde comprovar de perto tal declaração em uma visita ao PqRMnt/5, com a equipe integrada por Paulo Bastos, Hélio Higuchi e Gino Marcomini, em 11 de outubro último. Todos os veículos recebidos estavam lá armazenados. Ao se adentrar em vários M577A2, pôde-se constatar que o odômetro registrava de 7 a 54 milhas de rodagem, e seus horímetros (instrumento de medida que indica a quantidade de horas que estiveram em funcionamento) registrando apenas de 45 a 300 horas. No caso dos M88A1 não foi diferente; o veiculo visitado contava com incríveis 40 milhas de rodagem consumidas em apenas 244 horas de uso!
Todos os veículos estão funcionando, andando e operando seus equipamentos. Aqueles que a equipe de reportagem solicitou para que entrassem em movimento deram partida de imediato, na primeira tentativa. O único senão é que nem todos os M577A2 estavam com os geradores de energia elétrica, necessários para operar com equipamentos de comunicação complexos, e nos que vieram, os motores funcionam com gasolina, sendo que o diesel é o combustível operacional, o que pode ser facilmente resolvido, incluindo a utilização de alguns componentes nacionais. Passarão por uma manutenção básica quando serão revisados e pintados no PqRMnt/5, sendo que um M88A1 e quatro M577A2 já estão prontos, e os demais sendo recuperados conforme a disponibilidade de mão de obra e espaço, já ocupados com a modernização e recuperação dos M113. Deve-se destacar que o esforço para integrá-los rapidamente à Força deve-se ao enorme profissionalismo e capacidade técnica dos integrantes dessa Organização Militar.
O M88A1 já está em testes no PqRMnt/5 e os quatro M577A2 foram encaminhados para o 20º BIB para Experimentação Doutrinária (ED), integrando temporariamente essa unidade. O primeiro emprego efetivo dos M577A2 ocorre durante a Operação Aço, entre 7 e 12 de novembro, da 5ª Bda Cav Bld, compondo o Posto de Comando Tático do 20º BIB, em um contexto de manobras ofensivas, para serem avaliados dentro de um quadro de ED quanto à forma de emprego, possibilidades e limitações. Depois, os veículos se juntarão aos demais e ficarão à disposição do Comando Logístico (COLOG) e CMS para os estudos visando a sua melhor distribuição.
O M577A2 faz parte da família de blindados derivada do M113 e tem como finalidade ser utilizado como viatura de comando nas unidades blindadas do EB. Porém, cabe assinalar que, devido à sua versatilidade, pode ser adaptado para outras funções tais como ambulância, central de tiro e comunicações. É anfíbio, dotado de motor Detroit Diesel 6V53, com 212 HP, e compatível com os mais diversos tipos de materiais optrônicos, inclusive os de visão noturna.
Como características externas, possui um toldo extensível à retaguarda que, combinado com a configuração e ao dimensionamento interno, proporciona um ambiente de trabalho adequado às necessidades do combate. Possui 2,70 metros de altura e de largura, e aproximadamente 4,9 metros de comprimento, com um peso aproximado de 12 toneladas. Atinge uma velocidade máxima em torno de 60 km/h, com o tanque de 454 litros garantindo uma autonomia de cerca de 480 quilômetros.
Mesmo sendo equipamentos usados e que já foram desativados em sua origem, não deixam de ser um significativo reforço para o EB, comprovando suas qualidades de utilizar, de forma sensata e inteligente, os parcos recursos atualmente disponíveis.
Agradecimentos
Tecnologia & Defesa registra seus agradecimentos ao Centro de Comunicação Social do Exército; a todos os integrantes do PqRMnt/5, pela disponibilização de informações; ao seu comandante, tenente-coronel Vinicíus Correa Damaso; major Wendell Rufino Abdo; ao engenheiro Ralf Milbradt; e ao major André Kron, da Comunicação Social da 5ª Região Militar.