Desde Moscou (Rússia) – A plataforma universal “Armata“ representa a nova geração de veículos pesados de combate da Rússia, concebida para atender os requisitos de um tanque principal de batalha (MBT), um veículo de combate de infantaria pesado (HIFV), um veículo de combate engenharia (CEV), um veículo blindado de transporte de tropas pesado (HAPC), um veículo blindado de suporte em combate (TSCV), e diferentes modelos de obuseiros de artilharia autopropulsados (SPG), todos baseados em um mesmo chassi.
Essa nova arma está sendo desenvolvida pela Uralvagonzavod (Ural Design Bureau of Transport Machine-Building), na localidade de Nizhny Tagil, e sua primeira aparição oficial, desfilando na Praça Vermelha durante a 70ª Parada da Vitória na Grande Guerra Patriótica (como os russos chamam a 2ª Guerra Mundial), e as aparições durante os treinos para esse evento, a cada dia mostrando um pouco mais de seus sistemas, causou um verdadeiro frisson entre os especialistas ocidentais.
Depois de uma inusitada campanha de marketing, que fazia alusão a uma “quase arma secreta“, e que mobilizou as atenções nas redes sociais e fóruns de debates da internet, foi possível ver a suposta configuração inicial de produção do MBT T-14 “Armata“, bem como alguns componentes de sua família.
Trata-se de um genuíno “Game Changer“ no setor de blindados, ao reunir conceitos modernos como torre remota sem tripulantes, tendo como armamento principal o novo canhão 2A82-1M, de 125 mm e 48 calibres, que promete, no mínimo, uma energia equivalente aos canhões ocidentais mais modernos, com remuniciamento automático (32 tiros prontos para uso), novas munições e um míssil antitanque guiado a laser, lançado pelo tubo, com alcance entre 7 a 14 Km, sistemas defensivos passivos inteligentes integrados com radares AESA e contramedidas reativas automáticas antitanque e antimísseis (ARENA e AFGHANIT), ampla automatização de sistemas (controle de tiro e comunicações digitalizados) e tripulação reduzida para apenas três integrantes (motorista, atirador e comandante do carro). Todos acomodados na parte frontal do chassi e envoltos em uma “banheira” de proteção blindada convencional e reativa do tipo ERA (Explosive Reactive Armor, ou blindagem explosiva reativa), inclusive para a função antiminas e IED’s (Improvised explosive device, ou artefato explosivo improvisado).
Essas e outras capacidades estão integradas em um MBT de “apenas” 48-50 tonelada. Em termos de redução do peso final, o T-14 é mais leve que seus competidores ocidentais diretos, o estadunidense M1A2D Abrams (69,5 ton), o germânico Leopard 2A6 (62 ton), o francês Le Clerc (56,5 ton), o britânico Challenger 2 (62,2 ton) e o israelense Merkava 4 (65 ton). Isso significa maior mobilidade estratégica em aeronaves de transporte pesadas, e menor restrição de peso no cruzamento de pontes e viadutos ou no embarque em composições ferroviárias, além do evidente ganho em agilidade e velocidade durante o combate.
Esse desempenho é garantido por um novo impulsor diesel, o ChTZ 12Н360 (A-85-3A), cuja potência de 1,500 h.p está eletronicamente limitada a 1,200 h.p em condições normais de operação. Esse motor está acoplado a uma transmissão automática eletrônica de oito velocidades, permitindo ao T-14 alcançar até 80 km por hora em estradas. O design em forma de duplo X resulta em menor peso (1550 kg) e área do casco ocupada pelo propulsor, e maior facilidade de acesso a manutenção, especialmente em operação.
O T-14 destaca-se fortemente no quesito defesas ativas. Além do arranjo convencional de detectores de emissões lasers, jameadores infravermelhos e detectores de emissões radar (sistemas passivos), o Armata apresenta um sofisticado sistema de proteção ativa DAS (APS), fruto da evolução de sistemas anteriores com o Drozd, operacional nos anos 80.
Denominado Arena, este é muito mais sofisticado. Radares instalados na torre realizam a vigilância de 360º, detectando qualquer munição inimiga caracterizada como ameaça (disparos que não vão atingir o veículo, estilhaços de artilharia e tiros de armas pequenas são ignorados). No momento adequado é acionada automaticamente uma munição defensiva localizadas em caixas no entorno da torre, a detonação ocorrendo a uma distância considerada segura. Uma chuva de fragmentos atinge a ameaça, destruindo-a ou mudando a sua trajetória (hard kill).
O Arena protege os setores frontal e laterais do carro, e foi demonstrado nos protótipos do T-80M2 e T-90MS. O Afghanit complementa o Arena com a capacidade hard kill contra disparos de munições balísticas de outros carros de combate, uma grande avanço defensivo. Os computadores do sistema de tiro, ao receberem a informação dos radares e sensores do APS DAS, automaticamente giram a torre na direção da ameaça, e cargas explosivas instaladas em lançadores na base da torre, compostas por milhares de balins acelerados a uma grande velocidade, atingem munições do tipo APFSDS (Armour-piercing fin-stabilized discarding-sabot) ou flecha a questão de metros do impacto contra o carro.
Trata-se de um sistema com requerimentos severos, pois a velocidade de um projétil disparado por outro carro de combate é imensamente maior que a de um míssil ou foguete, o que torna a automatização do Afghanit fundamental, pois seu tempo de resposta tem de ser muito curto. Esse requerimento justifica a torre do T-14 possuir controle remoto e não abrigar tripulantes. O menor peso, perfil e agilidade advindos de atuadores elétricos poderosos permitem violentos giros instantâneos, automaticamente, na direção da ameaça. O sistema tem inteligência artificial suficiente para tomar decisões em milésimos de segundos, inclusive tendo prioridade sobre comandos humanos durante a fase de engajamento contra disparos inimigos.
Segundo o Ministério da Defesa da Rússia, o T-14 Armata substituirá todas as gerações de blindados remanescentes da Guerra Fria no Exército Russo, estimando-se uma produção inicial de pelo menos 2.500 a 3.000 exemplares. As versões mais modernas do T-90 ainda deverão operar lado a lado com o Armata por mais 10 anos pelo menos.
Opinião do Especialista
Ainda existem muitos pontos “obscuros” referentes ao T-14 Armata. A capacidade ofensiva e, principalmente, defensiva, demanda uma complexa integração de todos os seus sistemas, muitos deles ainda em fase de desenvolvimento.
A inusitada posição do sistema Afghanit (na parte de baixo e frontal da torre) vai exigir um tempo de resposta e giro extremamente elevado, levando a suspeita que essa posição ainda poderá ser modificada. Outro fato que causa perplexidade entre os especialistas é o elevado preço desse blindado (algumas fontes informam algo em torno de sete milhões de euros), bem como a complexidade e alto custo de sua manutenção, o que indica uma mudança de paradigma do Exército Russo (se aproximando mais do ocidental, no que tange a alinhar menos veículos, porem mais eficientes), bem como é possível imaginar a dificuldade de se fabricar os números de blindados anunciados.
Uma provável consequência do chamado “Efeito Armata” é que, tratando-se do primeiro modelo de uma nova geração de carros de combate, e caso suas novas tecnologias se mostrem realmente eficientes, sendo um diferencial em relação a atual geração (apesar de estudos nessa linha estarem sendo feitos há muitos anos), muitas indústrias bélicas, seja nos Estados Unidos, seja na Europa, serão obrigadas a projetar uma nova geração de carros de combate em seus respectivos países. Só o futuro mostrará com clareza se o desenvolvimento desses veículos vai seguir esse caminho.
Roberto Caiafa e Paulo Roberto Bastos Jr.
Imagens: Plínio Lins