Um ano do voo do Gripen no Brasil: retrospectiva e futuro

Há um ano, do Aeroporto Internacional de Navegantes (SC), numa tarde de sol entre nuvens e temperatura amena de aproximadamente 24ºC, o primeiro caça F-39E Gripen do Brasil ganhava o céu do país em seu voo inaugural.

Com camuflagem em dois tons de cinza e a bandeira brasileira estampada no estabilizador vertical, o piloto de teste chefe da Saab, Marcus Wandt, conduziu a aeronave num voo de aproximadamente uma hora de duração até a unidade da Embraer em gavião Peixoto, interior do estado de São Paulo, escoltado pelo F-5EM FAB 4844 e pelo F-5FM FAB 4807, ambos do 1º/14º GAV “Esquadrão Pampa”.

O F-39 Gripen decolando de Navegantes, com o pós combustor acionado. Foto: João Paulo Moralez

No espaço de um ano a aeronave já atingiu importantes marcos na continuação do desenvolvimento do programa, enquanto agora a FAB espera receber os quatro primeiros exemplares para operação no 1º Grupo de Defesa Aérea, em Anápolis (GO).

 

Translado

O caça que vai guarnecer a defesa do espaço aéreo brasileiro pelas próximas décadas chegou totalmente montado a bordo do navio de cargas Elke AG, de bandeira de Antígua e Barbuda, apenas sem as rodas do trem de pouso principal e o assento ejetável, um procedimento normal adotado pela empresa em várias outras ocasiões num transporte deste tipo.

Navio de carga Elke, em Navegantes, trazendo o Gripen do Brasil. Foto: Sgt Bianca/FAB

Depois de ter sido preparado no próprio porto, na madrugada do dia 22 de setembro o Gripen foi transportado sob forte escolta de militares do Grupo de Segurança e Defesa da Força Aérea Brasileira (FAB) composto por efetivos de Florianópolis (SC), Canoas e Santa Maria (RS), entrando no aeroporto por um acesso próximo à cabeceira 07 da pista.

Nos dois dias seguintes, o Gripen E de registro 4100 (c/n 39-6001) passou por uma série de testes e preparação para a decolagem, incluindo o acionamento do motor e o táxi da aeronave.

GFTC – seu primeiro lar

Considerado ainda um exemplar de desenvolvimento para a campanha de ensaios em voo e certificação do programa do Gripen E/F, Gripen E 4100 será entregue daqui a alguns anos para a FAB, quando completar os testes e depois de passar por um processo de padronização com os demais caças em operação da frota.

Até que esteja operacional numa unidade de caça, a sua base de operações é em Gavião Peixoto, no Gripen Flight Test Centre (GFTC), um local que possui uma estrutura de pilotos e engenheiros de ensaios em voo, mecânicos, peças sobressalentes para manutenção da aeronave e escritórios com profissionais que apoiam na execução da campanha de ensaios em voo.

No local estão brasileiros – da Embraer e da FAB, e suecos da Saab. Apesar de serem civis e militares, de nacionalidades distintas, todos atuam de forma integrada, como um time, sendo a interação natural ao longo das tarefas diárias.

O GFTC é um dos muitos pontos de transferência de tecnologia da Saab para o Brasil no âmbito do programa do Gripen e o seu início de operação aconteceu em novembro de 2020. A partir de então o local foi conectado de forma virtual com a estrutura da Saab na Suécia, de forma que todos possam acompanhar cada passo da campanha de ensaios em voo, incluindo as preparações de cada missão de teste, o voo em tempo real, os dados obtidos via telemetria, as análises etc.

Por se tratar de um programa conjunto, Brasil e Suécia dividem as tarefas da campanha, ou seja, o que é feito num país não é repetido no outro.

O Gripen está ensaiando no Brasil tanto os itens que são específicos da variante da FAB, como o pilone da ponta das asas que possui formato diferente da versão sueca e os armamentos a serem adotados pela FAB, quanto segmentos que irão atender aos dois países.

O piloto de teste chefe da Saab, Marcus Wandt. Foto: João Paulo Moralez

Em 2021, duas campanhas conduzidas pelo GFTC servem de exemplos. Na primeira foram os voos em regime supersônico para ensaiar os pilones de ponta de asa.

Já na segunda, pelo fato de Gavião Peixoto ser um aeródromo de uso exclusivo da Embraer, sem dividir as atividades com um aeroporto civil, a Saab realizou o teste de spray de água. Num local específico da pista, a Embraer alagou uma área com determinada lâmina de água. O Gripen passou por ela, várias vezes, em diferentes velocidades checando a quantidade de água que atingia a parte de baixo da aeronave e, principalmente, as entradas de ar do motor

Assim, esse teste serviu tanto para os exemplares brasileiros quanto para os suecos e os futuros operadores do Gripen.

Antes de cada missão real, os pilotos realizam no simulador de voo de engenharia (S-Rig), instalado no Gripen Design and Development Network (GDDN, Centro de Projetos e Desenvolvimento do Gripen) o teste que será feito posteriormente com a aeronave.

Como em qualquer campanha de testes, os voos dependem de alguns fatores para serem realizados, como a própria meteorologia em si.

Atualmente, com o suporte de cálculos em computador e avançados modelos de simulação, a equipe do GFTC consegue prever o comportamento da aeronave em cada missão. Entretanto, campanhas dessa natureza podem atrasar caso ocorra algum fator imponderável, como incidentes, por exemplo, ou se os resultados obtidos em determinadas etapas exigirem alguma modificação na aeronave, seja estrutural, de hardware ou software, com a necessidade de novos voos para concluir a validação.

No GFTC, o Gripen é voado por suecos da Saab e brasileiros da FAB e da Embraer e a campanha no Brasil deve abranger, aproximadamente, 900 voos de ensaios.

Giro pelo Brasil

Depois do seu primeiro voo, o Gripen já passou por algumas cidades brasileiras. Em missões de aproveitamento para a campanha de ensaios em voo, a aeronave fez, em 23 de outubro de 2020, a sua primeira aparição pública, no Dia do Aviador, na Base Aérea de Brasília.

Em dezembro, a aeronave sobrevoou os principais pontos do Rio de Janeiro e finalmente, em abril de 2021, participou do Simpósio das Aviações, organizado pelo Comando de Preparo (COMPREP), voltado para os cadetes do 4° ano da Academia da Força Aérea, em Pirassununga (SP), com o objetivo de suprir os futuros Oficiais da FAB de informações sobre as Unidades Aéreas Operacionais.

É possível que a aeronave voe para outras localidades do Brasil, como na região norte, para ensaios em ambientes muito quentes e úmidos.

Exemplares operacionais

Na fábrica da Saab em Linköping, na Suécia, os dois primeiros exemplares operacionais do Gripen da FAB estão prontos e devem ser embarcados para o translado em navio em novembro próximo.

Com a pintura em dois tons de cinza e as marcações da FAB, incluindo as estrelas na fuselagem e a designação brasileira F-39 no estabilizador vertical, a previsão é que os aviões cheguem em janeiro de 2021 e sigam para o GFTC, onde continuarão a campanha de ensaios em voo como o objetivo de certificar militarmente o caça. No primeiro semestre de 2022, mais dois aviões serão embarcados para o Brasil.

A Aviação de Caça da FAB entrará numa nova era, com aeronaves equipadas com o que existe de mais moderno para o segmento hoje no mundo. Além de avançados sensores de guerra eletrônica, capacidade de voo supersônico sem utilizar pós combustor (economizando combustível e aumentando o raio de ação), tem a capacidade de utilizar armamentos muito avançados como o míssil ar-ar MBDA Meteor, radar de varredura eletrônica ativa Raven ES-05, sensor de busca de alvos por infravermelho Skyward-G, cockpit equipado com head-up display de grandes dimensões, capacete com mira montada (HMD) e painel com display único.

O primeiro exemplar operacional, fotografado em Linköping, na fábrica da Saab, em agosto de 2021. Foto: Saab

A possibilidade de pousos em pistas curtas e a baixa necessidade de infraestrutura de solo coloca à disposição da FAB uma série de aeródromos na faixa de fronteira com os demais países da América Latina, criando um efeito dissuasório sem precedentes.

O primeiro contrato do Brasil com a Saab inclui 28 Gripen E, de um assento, e oito Gripen F, com dois assentos sendo o Brasil o único operador dessa variante no momento.

Com a proximidade da desativação dos caças Northrop F-5EM/FM e Embraer AMX e um território de dimensões continentais, fica clara a necessidade de mais lotes do Gripen para o Brasil. Previsões anteriores estimavam em torno de 100 exemplares, mas o planejamento baseado em capacidades da FAB deverá determinar, com maior precisão, essa quantidade.

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Comentários

6 respostas

  1. Alguém tem a informação de quando pretende-se atingir o IOC? Chuto que somente em 2024 tendo que ainda terá uma campanha de ensaios em vôo.

  2. Excelente! A chegada e primeiro voo do Gripen foi um momento emocionante. Essa aeronave vai revolucionar os céus de toda a América Latina, valeu a espera! Ansioso para a chegada e incorporação à Força das próximas unidades!

    Agora, algo que me deixou curioso: a que se deve a diferença do formato dos pilones de ponta na versão brasileira? Lembro de um vídeo promocional que mostrava que o mesmo comportava sistemas e sensores, teria algo a ver?

    1. Porém o 4100 e idêntico ao Sueco pode ate notar nos voos na Suécia entre os dois, Então acredito que o Gripen da foto ainda não esteja totalmente completo.

  3. Realmente fantástico! É muito bom saber que o programa Gripen esteja em eficazmente em pleno desenvolvimento.
    Acredito que a principal diferença dos pilones nas extremidades das asas são oriundas dos diferentes mísseis operados pelas duas forças aéreas. No caso dos Python, por exemplo, ocorpo é relativamente longo e as interfaces mecânicas certamente diferentes do armamento previsto pelos suecos para suas aeronaves. De qualquer forma tamnbém tenho curiosidade em saber melhor desta solução, uma vez que nos demais pontos duros é necessário que os vetores da FAB sejam compatíveis com os Meteor, Gungnir etc. Entendo que os pilones de ponta de asa possam até ser substituíveis tornando possível utilizar uma maior gama de misseis.

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