Os desafios políticos e econômicos enfrentados pelo Brasil em 2015 não abalaram a confiança da indústria aeroespacial e de defesa francesa com relação ao potencial do mercado brasileiro. Embora em ritmo mais lento, as atividades relacionadas aos três principais projetos desenvolvidos atualmente em parceria entre os dois países continuam avançando.
A França, segundo o diretor do Departamento de Produtos de Defesa (DEPROD), do Ministério da Defesa (MD), brigadeiro-do-ar José Augusto Crepaldi Affonso, sempre foi um parceiro histórico do Brasil na área de defesa, não só por sua proximidade cultural mas também por ser um país com tradição e independência tecnológica, garantindo transferência de tecnologia sem restrições.
“Esta fase ruim da economia logicamente afeta os contratos públicos, que sofrem os efeitos da redução de investimentos. Todos os projetos estão adequando seus cronogramas contratuais à realidade orçamentária atual”, explicou o brigadeiro. Os atrasos na execução dos contratos, segundo ele, é uma realidade, mas o MD e as Forças Armadas têm procurado manter as atividades, para não perder o time responsável pela absorção tecnológica dos programas.
Helibras e o HX-BR
Os desafios do orçamento, na visão do presidente da Helibras, Eduardo Marson Ferreira, empresa controlada pelo grupo Airbus Helicopters, têm gerado impactos sobre a carga de trabalho da empresa, mas a busca por novos mercados tem sido a estratégia para manter a capacitação e os investimentos que foram realizados nos últimos seis anos.
Para se adaptar ao novo cenário, a Helibras precisou fazer ajustes e alterar seu plano de contar com mil funcionários, reduzindo essa meta para 700 profissionais. A empresa investiu R$ 430 milhões na construção da linha de produção dos helicópteros H225M para as Forças Armadas brasileiras. Outros R$ 80 milhões foram investidos este ano nas instalações do centro de treinamento e simuladores (CTS) da empresa no Rio de Janeiro.
“Esse novo investimento marca mais uma etapa do contrato H-XBR para fornecimento de 50 helicópteros, transferência de tecnologia e produção de diversos itens pela indústria nacional”, ressaltou Marson Ferreira.
Apesar das dificuldades, o acionista controlador da Helibras tem mantido seus planos de investimentos de longo prazo no Brasil, o que permitiu que a empresa brasileira fosse reconhecida como referência número um em capacidade de engenharia entre todas as 30 filiais do grupo no mundo. “Estamos capacitados a desenvolver projetos de alta complexidade como o do helicóptero 100% nacional, embora este projeto tenha sido adiado em alguns anos devido à conjuntura atual”, afirmou o CEO da Helibras.
A Helibras está no Brasil há 38 anos, onde produziu mais de 800 aeronaves e cumpriu a missão designada pelo governo brasileiro de construir no país a única indústria de aeronaves rotativas da América Latina.
Thales e o SGDC
A importância do mercado brasileiro também é destacada pela francesa Thales. “O Brasil é um mercado chave para a companhia, pois faz parte de nossa estratégia global de crescimento sustentável focado nos mercados emergentes”, ressaltou o vice-presidente da Thales para América Latina, Ruben Lazo. Mais de 70% dos radares de tráfego aéreo instalados hoje no País foram fornecidos pela Thales, que está no Brasil há quase 50 anos. Por meio da Thales Alenia Space, o grupo francês investiu R$ 15 milhões este ano na instalação de um centro tecnológico espacial no Parque Tecnológico de São José dos Campos.
O local, segundo o executivo, permite uma interação maior da empresa com suas parceiras em atividades espaciais, como a Visiona (joint-venture entre a Embraer e a Telebrás), e o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). A Thales Alenia Space foi contratada pela Visiona para fornecer o Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicações (SGDC).
Desde o início do projeto, em 2013, o programa do SGDC recebeu R$ 1,4 bilhão. Para este ano, segundo a Telebras, estão previstos mais R$ 700 milhões para o projeto. O lançamento desse satélite, o primeiro a ser totalmente controlado pelo governo brasileiro, está previsto para o segundo semestre de 2016.
“Além de atender ao Plano Nacional de Banda Larga do governo brasileiro, levando comunicação digital para as zonas mais remotas do país, como programa de Estado o satélite geoestacionário vai garantir mais segurança às comunicações estratégicas do país”, afirmou o diretor de política espacial e investimentos estratégicos da Agência Espacial Brasileira (AEB), Petrônio Noronha de Souza.
Em meados de setembro a Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP) e a AEB lançaram um edital no valor de R$ 53 milhões para incentivar projetos de transferência de tecnologia voltado para as empresas nacionais interessadas em absorver novas tecnologias na área de satélites.
O processo de transferência de tecnologia espacial faz parte do acordo firmado entre a AEB e a Thales Alenia Space no âmbito do projeto do satélite SGDC. Até o momento, apenas a empresa brasileira Cenic participa do projeto, com o desenvolvimento de dois painéis do satélite. A empresa também se qualificará para se tornar um fornecedor de nível mundial da Thales.
Cerca de 40 engenheiros do INPE, Visiona, AEB, Telebras e das Forças Armadas também já estão sendo treinados nas instalações da Thales Alenia Space, em Cannes, na França, desde o início deste ano. O objetivo do treinamento é capacitá-los na operação das estações de controle do SGDC e no desenvolvimento de componentes de satélites.
DCNS e o PROSUB
A transferência de tecnologia para o Programa de Desenvolvimento de Submarinos (PROSUB), coordenado pela Marinha do Brasil, tornará o país independente para projetar e construir submarinos, além de fomentar a indústria de defesa para atividades de manutenção e exportação na área de equipamentos navais, garante o presidente da Odebrecht Defesa e Tecnologia (ODT), André Amaro.
Em parceria com a francesa DCNS, a ODT comanda as atividades da Itaguaí Construções Navais (ICN), empresa designada para a execução das obras do PROSUB. A DCNS, responsável pela parte de transferência de tecnologia, possui 41% das ações da ICN, enquanto a ODT tem 59%. A Marinha detém a chamada golden share (ação especial com direito a voto), por meio da sua empresa ENGEPRON.
O processo de nacionalização de vários equipamentos e sistemas dos submarinos convencionais e com propulsão nuclear do PROSUB, segundo a Marinha, também elevará o patamar tecnológico das empresas brasileiras, capacitando-as para se tornar fornecedoras independentes para futuros projetos da Força Naval.
Mais de 60% das obras do PROSUB relacionadas à construção de dois estaleiros e uma base naval foram concluídos. A construção da base naval, porém, segundo a Marinha, está praticamente parada. Já o estaleiro de manutenção não tem previsão de conclusão por falta de recursos orçamentários.
O PROSUB tem um investimento total estimado de R$ 31,8 bilhões, sendo que R$ 13,34 bilhões já foram gastos até o momento, de acordo com a Marinha. O programa sofreu um corte orçamentário de aproximadamente 41%.
“O ritmo das obras de construção dos estaleiros e da base naval em Itaguaí foram reduzidos em 50%. Estamos priorizando as áreas que causariam impacto no processo de construção dos submarinos, de forma a minimizar os atrasos”, declarou o diretor do Centro de Comunicação Social da Marinha, contra-almirante Flávio Augusto Viana.
Segundo informações do contra-almirante, ainda não é possível mensurar o nível de atraso no projeto, uma vez que as atividades dependem dos orçamentos de 2015 e também dos próximos anos. A Marinha informou que para este ano foram alocados recursos da ordem de R$ 1,05 bilhão para o projeto, que possuem como limite o pagamento de R$ 872 milhões. Em 2016 a Lei Orçamentária prevê R$ 1,15 bilhão como limite máximo de empenho para o PROSUB.
Ivan Plavetz
Fonte: Valor Econômico