Os Jaguares do planalto central

A mudança da capital federal do Rio de Janeiro para Brasília, no Distrito Federal, em 21 de abril de 1960, data da inauguração da cidade que foi totalmente planejada para levar maior desenvolvimento para o interior do Brasil, praticamente no centro do território nacional, impactou diversos setores e segmentos da Nação. A Força Aérea Brasileira (FAB) foi uma delas.

Com uma estrutura de unidades e bases aéreas concentradas na faixa litorânea, utilizando parte da infraestrutura já existente e herdada das antigas Aviação Militar (do Exército Brasileiro) e da Aviação Naval (da Marinha do Brasil), a FAB previa a necessidade de se modernizar em termos de equipamentos, doutrinas e de articulação nacional.

Ao longo de uma década, vários estudos e planejamentos foram feitos, culminando numa série de mudanças. A Aviação de Caça foi profundamente impactada e a transformação foi tão grande que representou um importante divisor de águas, cujo legado se reflete até os dias de hoje, quase 50 anos depois.

A mudança da capital federal para o planalto central, onde estava situado o centro do poder da República, exigia que a FAB criasse meios adequados e de pronta resposta para fazer a sua defesa. O resultado foi a construção de uma base, a aquisição de um avião e o estabelecimento de um sistema de controle de defesa aérea que colocaram o Brasil como protagonista no cenário geopolítico regional.

Uma lenda chamada Anápolis

Em 12 de maio de 1970, levando-se em conta razões técnicas e políticas, 12 Dassault Mirage IIIE e quatro Mirage IIID foram adquiridos, novos de fábrica, da França. O Mirage estava em alta na agenda de defesa mundial, depois de ser um dos vetores de combate que colaboraram para a impressionante e esmagadora vitória de Israel na Guerra dos Seis Dias, quando a pequena nação, sozinha, subjugou no primeiro dia de conflito as Forças Aéreas do Egito, da Síria, da Jordânia e do Iraque. A variante brasileira já era mais moderna do que a usada por Israel, uma preocupação de dotar a Força Aérea com um vetor, realmente, no estado da arte.

Os Dijon Boys, primeiros pilotos da FAB treinados na França para voar o Mirage IIIE/D. Foto: FAB

Numa ação coordenada, a FAB escolheu a sede que abrigaria os míticos aviões de caça supersônicos, que viajavam duas vezes a velocidade do som, usavam mísseis modernos e tinham radar embarcado – todas essas novidades para o Brasil naquele momento.

Anápolis, uma cidade de clima seco e com meteorologia favorável em boa parte do ano, situada a pouquíssimos minutos de voo de Brasília, foi escolhida como a sede para a unidade que receberia os Mirage.

Assim, em 9 de fevereiro de 1972, era criado o Núcleo da 1ª Ala de Defesa Aérea, sendo também iniciadas as obras de construção.

A Base em Anápolis foi a primeira a dispor de infraestrutura otimizada para atender às operações de um avião específico, incluindo zonas para dispersão das aeronaves, hangaretes de alerta na cabeceira da pista, áreas de escape dentre outras facilidades que também eram novidades para a FAB na época.

Havia ainda um novo fator. O Mirage precisava de uma estrutura de radares de solo para conseguir operar e interceptar com eficiência as aeronaves inimigas em voo. Os sistemas existentes no Brasil não eram adequados e, para mudar esse cenário, o antigo Ministério da Aeronáutica aprovou o início das pesquisas para a implantação do Sistema de Defesa Aérea e Controle do Tráfego Aéreo (SISDACTA). Numa estrutura única de radares e instalações, a aviação militar teria pessoal especializado e capacitado para conduzir as interceptações, enquanto a aviação civil contaria com um espaço aéreo mais bem monitorado e controlado. Em 1976, 1982 e 1988 foram ativados em Brasília, Curitiba e Recife os 1º, 2º e 3º Centro Integrado de Defesa Aérea e Controle de Tráfego Aéreo – CINDACTA para apoiar as operações dos aviões em cor alumínio com adornos em vermelho que voavam desde 27 de março de 1973 em céu brasileiro.

Em 19 de abril de 1979, a 1ª Ala de Defesa Aérea foi extinta dando origem ao 1º Grupo de Defesa Aérea e a Base Aérea de Anápolis. Os aviões adotaram, gradativamente, um padrão de camuflagem em dois tons de cinza. Mas nada disso mudava a transformação que havia sido impressa na FAB.

Um esquadrão de vanguarda

A história de Anápolis e do 1º GDA são marcadas pela vanguarda através das décadas.

Em 9 de abril de 1982, toda a nova estrutura adquirida pelo Brasil foi colocada à prova quando, numa noite muito chuvosa, os Mirage IIIE FAB 4916 e FAB 4914, pilotados respectivamente pelo Major-Aviador Paulo César Pereira e pelo Tenente-Aviador Eduardo José Pastorelo de Miranda, decolaram para interceptar o Ilyushin II-62M (matrícula CU-T1225) da Cubana de Aviación, que insistia em atravessar o território nacional em direção à Argentina durante o feriado de sexta-feira Santa. Era impossível de acreditar que o Brasil interceptaria a aeronave em condições de tempo tão ruins e em pleno feriado nacional. Mas o 1º GDA não deixou barato e, fazendo valer os investimentos em compra e preparo dos seus militares, buscaram o avião nas profundezas da noite e o obrigaram a pousar em Brasília, escrevendo um dos capítulos de ouro da história moderna da Aviação de Caça da FAB.

O Mirage IIIE FAB 4916, voado pelo Major Aviador Paulo César Pereira. A aeronave está preservada nas instalações da FAB em Brasília. Foto: João Paulo Moralez

Por um curto período, em 2005, depois de aposentar o MirageIIIE/D, o 1º GDA recebeu alguns caças Embraer AT-26 Xavante como uma solução temporária até a chegada dos primeiros Mirage 2000C/D, em 2006. Novamente, o esquadrão se destacou por operar um vetor de combate extremamente moderno, com maior desempenho e com sistemas embarcados e de armas muito avançados.

Dassault Mirage 2000C operado pelo 1º GDA. Foto: FAB

Em 2013, quando a FAB anunciou a Saab como vencedora para fornecer o seu caça de próxima geração, 28 Gripen E e oito Gripen F, os Mirage 2000 deixaram o serviço ativo, passando a guarda para os Northrop F-5EM/FM que passaram a equipar a sua linha de voo já em 2014.

Linha de voo de Northrop F-5EM taxiando para mais uma missão a partir de Anápolis. Foto: FAB

Mantendo a sua tradição, o 1º GDA está prestes a receber os primeiros exemplares do Gripen E, ainda em 2021, enquanto Anápolis, a atual Ala 2, está recebendo todas as modernizações necessárias para apoiar o novo caça da Saab, que representa o que há de mais moderno na arena de combate do século 21, tanto em sensores, sistemas e armamentos. A sua introdução em serviço vai, novamente, transformar a maneira de defender o céu brasileiro. Apesar dos planejamentos, é fato que o Gripen vai superar todas as expectativas planejadas, com recursos e possibilidades que serão plenamente conhecidas exploradas após o início da sua carreira operacional no Brasil.

E o 1º GDA e Anápolis continuam no epicentro dessa vanguarda.

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Comentários

6 respostas

  1. Faltou mencionar a notória “noite dos UFOs” em 86 ,quando fighters de Anápolis e Santa Cruz (RJ) ,decolaram com a missão de identificar e “interceptar” dezenas de artefatos alienígenas no Espaço aéreo do Sudeste ..

    1. Notadamente em São José dos Campos, onde moro.
      E ainda acontecem coisas estranhas por aqui. Mas sem interceptações.

  2. Chegando os novos Gripen para Anápolis qual será o destino dos F-5M? Transferência para outras ALA’s ou progressiva desativação?

    1. Serão remanejados para outras unidades operadoras (1º GAvC, 1º/14º GAv ou 1º/4º GAv), visando tanto o aumento da disponibilidade deste tipo de aeronaves, quanto a possível baixa de alguma(s) mais antiga(s) ou com horas de vôo esgotadas.

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