O potencial inexplorado do PROSUB

O Programa de Desenvolvimento de Submarinos (PROSUB), fruto de uma parceria estratégica entre o Brasil e a França iniciada em 2008, configura-se como um dos mais ambiciosos investimentos industriais da história nacional. Seu escopo contempla a construção de quatro submarinos convencionais diesel-elétricos e o desenvolvimento do primeiro submarino brasileiro com propulsão nuclear – o Álvaro Alberto (SN10) – cuja entrega está prevista para 2033. Importante destacar que, em conformidade com o Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP), o projeto não contempla o uso armamentos nucleares.

Mais do que uma aquisição militar, o PROSUB representa uma plataforma de política industrial de longo prazo, com potencial para transformar um investimento em Defesa em vetor de crescimento econômico e desenvolvimento tecnológico sustentável. No epicentro desse esforço está o Complexo Naval de Itaguaí (RJ), que abriga estaleiro, base naval e a Unidade de Fabricação de Estruturas Metálicas (UFEM). A Itaguaí Construções Navais (ICN), joint venture brasileira criada para absorver e aprimorar a tecnologia francesa, lidera a construção com elevado grau de sofisticação técnica.

A UFEM, inaugurada em 2013, é uma instalação de ponta onde se iniciam os processos de montagem de subseções e fabricação de peças estruturais. O programa é sustentado por um robusto acordo de transferência de tecnologia, que já capacitou mais de 250 engenheiros e técnicos brasileiros. A construção do casco resistente do submarino nuclear, por exemplo, demanda técnicas avançadas de soldagem e usinagem de componentes críticos, cuja complexidade é inédita no país.

A ênfase na capacitação de pessoal e na criação de infraestrutura tecnológica visa consolidar um núcleo de capital intelectual e fortalecer a Base Industrial de Defesa (BID), ambos ativos estratégicos para a soberania nacional.Paralelamente, o Laboratório de Geração de Energia Nucleoelétrica (LABGENE), localizado em Aramar (SP) e gerido pela Marinha, funciona como protótipo terrestre da planta nuclear do futuro submarino. Trata-se de uma infraestrutura essencial para o domínio do ciclo do combustível nuclear e para a segurança operacional dos meios.

O impacto socioeconômico do PROSUB é expressivo: estima-se a geração de 24 mil empregos diretos e cerca de 40 mil indiretos, com efeitos positivos sobre a economia local e nacional. A ICN, por exemplo, chegou a empregar cerca de 2.000 profissionais em 2019, investindo continuamente na formação de mão de obra especializada – ainda que enfrentando desafios decorrentes da instabilidade política estadual do Rio de Janeiro.O programa mantém intercâmbio ativo com cerca de 20 Instituições de Ensino Superior, ampliando sua capilaridade acadêmica e tecnológica.

Ao fomentar a produção nacional de componentes e garantir a autonomia tecnológica, o PROSUB contribui decisivamente para o fortalecimento da BID. Embora voltado à Defesa, o investimento em capital humano e capacidade industrial possui alto potencial de transbordamento para outros setores da economia, ampliando a competitividade e a capacidade de inovação do país.

Nesse contexto, o conceito de “uso dual” torna-se central. Tecnologias, competências e a infraestrutura desenvolvidas para sua construçãopossuem elevado potencial de reaproveitamento em setores como telecomunicações, energia nuclear, petróleo e gás, e engenharia naval civil. A tecnologia do LABGENE, por exemplo, poderá servir de base para futuros reatores nacionais voltados à geração de energia, com aplicações civis relevantes. A Marinha já desenvolve veículos de superfície não tripulados com tecnologia disruptiva, aplicáveis à vigilância costeira e à varredura de minas, demonstrando o potencial de “spin-offs” militares com uso civil. Técnicas avançadas de soldagem e metalurgia de precisão, essenciais à construção de submarinos, são diretamente transferíveis para indústrias como a automotiva, aeroespacial e de infraestrutura.

Apesar de seu imenso potencial, a BID brasileira enfrenta obstáculos significativos. Barreiras comerciais, políticas de exportação restritivas, ausência de acordos multilaterais robustos, exigências de conformidade com normas internacionais, instabilidade geopolítica, falta de uma política pública consistente e dificuldades de acesso a mercados exigentes compõem um cenário desafiador para os poucos profissionais dedicados à captação de negócios no setor.


Para superar esses entraves, é fundamental fortalecer a colaboração entre as Forças Armadas, a academia e a indústria — a chamada “tripla hélice” —, elemento-chave para o desenvolvimento de tecnologias críticas e para a garantia da soberania nacional. No entanto, ainda enfrentamos uma carência de vontade política e de qualificação técnica para articular essa cooperação com a eficácia necessária.

A superação desses obstáculos e o aproveitamento pleno do “spillover” tecnológico do PROSUB dependem da integração efetiva entre a Estratégia Nacional de Defesa (END), a Política Nacional de Defesa (PND) e a política industrial brasileira – integração que, até o momento, permanece incipiente. A Nova Indústria Brasil (NIB), lançada em 2024, apresenta-se como um arcabouço promissor, com investimento previsto de R$ 300 bilhões e foco em setores estratégicos, incluindo a Defesa. A meta de alcançar 50% de autonomia em tecnologias críticas é ambiciosa, mas viável, desde que acompanhada de estudos de viabilidade técnica, econômica e ambiental para projetos civis — etapa que, infelizmente, ainda não vem sendo conduzida com o rigor necessário.

Para maximizar o retorno do investimento no PROSUB e impulsionar o desenvolvimento nacional, o governo federal pode adotar ações mais sofisticadas, como o fomento a projetos de uso dual, a criação de incentivos fiscais e linhas de financiamento específicas via BNDES, Finep e Embrapii, conforme previsto na NIB. É igualmente crucial explorar a aplicação civil das tecnologias e infraestrutura naval, em áreas como gestão de recursos hídricos e monitoramento de desastres.

Além do consumo interno, é imperativo buscar ativamente parceiros internacionais interessados nos submarinos convencionais diesel-elétricos produzidos em Itaguaí. Essa estratégia não geraria apenas divisas significativas (na casa dos bilhões de dólares) como também garantiria a continuidade das atividades de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) e a retenção de mão de obra altamente qualificada, evitando a dispersão de um capital humano e de cabedais tecnológicos valiosos.

A exportação desses submarinos para países aliados ou com demandas semelhantes em defesa contribuiria para preservar a experiência acumulada, garantindo a sustentabilidade da infraestrutura e do conhecimento técnico. Nesse contexto, ampliar a presença brasileira no mercado internacional de produtos e serviços de alta tecnologia — por meio de novos acordos comerciais e da promoção das capacidades industriais do PROSUB — representa um movimento estratégico. Além disso, é essencial revisar e simplificar as regulamentações que hoje dificultam a comercialização de tecnologias de defesa com potencial de uso dual, facilitando sua transição para o mercado civil. O conhecimento adquirido pela ICN em construção naval e engenharia de precisão pode ser aproveitado para atrair investimentos estrangeiros e estabelecer parcerias em projetos civis de grande porte, impulsionando o crescimento da Indústria Naval Brasileira.

Lamentavelmente, sob sigilo de fonte, quando surgiu uma oportunidade de negócio de grande envergadura no contexto do PROSUB, a ideologia política de alguns atores políticos prevaleceu sobre o pragmatismo econômico, impedindo a concretização de um acordo comercial com um relevante estado-membro da OTAN, com justificativa de aguardarum sinal de interesse no PROSUB por parte dos membros dos BRICS – que, ao que tudo indica, não virá.

Em síntese, o PROSUB, com sua infraestrutura moderna, tecnologia de ponta e capacitação de milhares de profissionais, já gera impactos socioeconômicos relevantes.

Contudo, seu verdadeiro potencial reside na capacidade de gerar negócios e impulsionar a indústria nacional por meio de aplicações de uso dual em setores estratégicos como energia “offshore”, petróleo e gás, e engenharia civil. Para que esse potencial se concretize, é imprescindível que o governo brasileiro adote uma visão abrangente e integrada, articulando o PROSUB com a política industrial, fomentando parcerias público-privadas, investindo em P&D civil e enfrentando barreiras comerciais e regulatórias com inteligência e determinação.

Um empreendimento multibilionário como o PROSUB não apenas pode, mas deve ser um catalisador do desenvolvimento econômico e tecnológico nacional – inclusive por meio da exportação de seus submarinos convencionais – assegurando a perenidade da capacidade industrial e a valorização do capital humano envolvido.

Assim, se o Brasil deseja se inserir no centro de poder global do Sistema Internacional, é preciso abandonar o viés ideológico e priorizar, com maturidade, o Desenvolvimento Nacional.

Luis Manuel Costa Mendez é Mestre em Estudos Estratégicos da Defesa e Segurança e Especialista em Altos Estudos de Política e Estratégia

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Uma resposta

  1. Realmente o comentário sobre a não comercialização é muito real. Nunca vi nada sobre algum interesse externo nos nossos subs (assim como não tem nada pro Gripen…).

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