Continuando a saga dos países sul-americanos na Guerra das Falklands/Malvinas, apresentamos o último ator, e o mais importante….
Hélio Higuchi e Paulo Roberto Bastos Jr.
CHILE, O ARDIL BRITÂNICO
Enquanto o Brasil, Peru e Venezuela auxiliaram a Argentina, o Chile, ao contrário ajudou o Reino Unido e sua participação no conflito é um assunto polêmico e ainda repleto de sigilo, mas um fato é que o Chile era um adversário de longa data dos argentinos, que quatro anos antes quase entraram em guerra pelo controle de três estratégicas ilhas no Canal de Beagle, oficialmente se declarou neutro, mas na prática, com o conhecimento de um numero reduzido de pessoas, seu papel pode ter alterado o seu resultado.
No dia 04 de abril, dois dias após a invasão das ilhas, Sydney Edwards, um oficial da RAF Wing Commander, que falava fluentemente espanhol por ter sido adido militar da embaixada britânica em Madrid, chegou a Santiagoe se apresentou junto ao comandante em chefe da Fuerza Aérea de Chile (FACh), general-do-ar Fernando Matthei Aubel, e entrega em mãos um oficio do chefe do estado maior da RAF, Sir David Grant, solicitando apoio e dando a Edwards plenos poderes para negociar um trabalho em conjunto a fim de obter ajuda quanto ao fornecimento de informações de inteligência e monitoramento das forças argentinas. O general Matthei designa o general Vicente Rodriguez, da Inteligência da FACh, para intermediar e operacionalizar as demandas britânicas, bem como um guarda-costas, o capitão Patricio Pérez.
Nas negociações que se seguiram, o governo chileno, concordou em apoiar os britânicos, no fornecimento de informações e rastreamento de dados,entretanto sob sigilo absoluto, onde apenas poucas pessoas da junta militar estariam cientes das atividades, nem mesmo a maioria dos integrantes das Forças Armadas teriam ciência. O Reino Unido concordou, a título de compensação,no fornecimento imediato de oito caças Hawker Hunter, três aeronaves de reconhecimento fotográfico BAC Camberra PR.9, um radar móvel, mísseis portáteis Blowpipe, pelo valor simbólico de uma libra esterlina para cada equipamento, além de peças de reposição para caças Hunter.

Devido a um embargo quanto ao fornecimento de armas imposto pelos Estados Unidos e extensivo a todos os países da OTAN, o Chile estava necessitando urgentemente de equipamentos militares, principalmente em relação às aeronaves da FACh, que estavam com índice de disponibilidade muito baixa, principalmente a frota de Hunter.
Já no dia 20, oito Hawker Hunter FGA.9 foram transferidos da base aérea de Brawdy para a base Abington, onde receberam as cores e insígnias da FACh e, no dia 24, um Boeing 747 da empresa Flying Tiger Airlines decolou da base aérea de Brize Norton, com seis dessas aeronaves, junto com sobressalentes e mísseis Blowpipe, inaugurando os vôos de ajuda militar com destino ao Chile. Esse voo fez escala em San Juan, em Porto Rico, chegando à noite na Base Aérea de Santiago, onde foi discretamente descarregado.

Com isso, a FACh acabou recebendo equipamento militar antes mesmo do que daqueles que foram fornecidos pelo Peru, Brasil ou Venezuela para a Argentina. Posteriormente foram adicionados ao pedido original mais quatro Hunters.
Operação Fingent, os olhos da frota britânica
Perto da cidade de Punta Arenas, localizada no extremo sul do país, a FACh tinha instalado no topo de uma montanha da Cordilheira dos Andes, um radar Thomson CSF de longo alcance, que era capaz de monitorar o espaço aéreo das cidades argentinas de Rio Grande, Rio Gallegos e Ushuaia.
Sidney Edwards conseguiu uma autorização para instalar um radar móvel Marconi S259, trazido da Inglaterra no dia 05 de maio, a bordo de um segundo Boeing 747 da companhia aérea Flying Tiger Airlines, perto da cidade fronteiriça de Balmaceda, localizado a 790 km ao norte de Punta Arenas, que passaria a cobrir também a região de Comodoro Rivadavia, na província de Chubut, fazendo com que junto com o radar chileno em Punta Arenas, passassem a rastrear o movimento dos aviões de combate argentinos que saíam com destino as Ilhas Falklands. Assim, podiam identificar a altura, direção, velocidade e quantidade de aviões argentinos decolando para missões de combate contra as forças britânicas.
Denominado pelos britânicos de “Oparation Fingent”, o radar foi requisitado do No.1 Air Control Centre (ACC), e foi operado no Chile por quatro oficiais e sete suboficiais da RAF, todos trajando roupas civis e sem portar armas.

As informações colhidas pelos radares eram transmitidas ao comando da Inteligência da FACh, em Santiago, e para que sejam codificadas e retransmitidas imediatamente para a frota naval britânica, quatro homens da Special Air Service (SAS) foram trazidos da Inglaterra e instalados em Santiago. Para se ter uma ideia da eficiência desses radares, o único dia que os radares deixaram de funcionar por um breve momento, por conta de uma pane, foi o dia em que aviões da Argentina atingiram, pegando de surpresa, os navios de transporte RFA Sir Galahad (L3005) e RFA Sir Tristram (L3505). De acordo com os próprios britânicos, essa operação foi fundamental para a vitória no conflito.

Operação ACME, a missão ELINT
Além do rastreamento dos radares, o Reino Unido desejava rastrear de forma eletrônica, o movimento dos navios e tropas argentinas, e para essa missão era necessário um avião de reconhecimento eletrônico (“Electronic Intelligence” – ELINT), que colhesse as informações voando à noite na fronteira com a Argentina e também no Atlântico Sul.
Sidney Edwards consultou o general Vicente Rodriguez, sobre a possibilidade de utilizar um avião Hawker Siddeley Nimrod R.1 para fazer esse serviço a partir da base aérea de Punta Arenas, porém, ao ser consultado, o presidente Pinochet vetou a utilização de uma base aérea no território continental chileno, pois, conforme o acordo entre os dois países, a ajuda militar teria que ser sigilosa, sendo oferecida a base da ilha de San Félix como alternativa. Essa ilha de possessão chilena localizada no arquipélago vulcânico de Islas Desventuradas, localizado a 850 km a oeste da costa chilena e com uma área de apenas 2 km², possuía um aeroporto com uma pista de 2.000m, que atravessava transversalmente de ponta a ponta a ilha.
Sidney Edwards, juntamente com o general Rodriguez e o capitão Patricio Pérez foram num pequeno bimotor da FACh visitar a ilha e constataram que, embora com pouca estrutura, poderia atender a demanda. Tendo como preocupação que devido a pouca extensão da pista, seria necessário que o Nimrod decolasse com pouco combustível, mas sendo oferecido como opção efetuar o reabastecimento na base aérea de Concépcion, cidade localizada a 450 km ao sul de Santiago. Como o reabastecimento seria efetuado de madrugada, seriam necessárias poucas pessoas para que fosse feito com máxima discrição, e tropas de Carabiñeros de Chile, a policia militar ostensiva chilena, iriam cercar as cercanias do aeroporto evitando assim curiosos na área.
Os britânicos aprovaram as alternativas, e assim o Nimrod R.1, matrícula XW664, pertencente ao 51 Squadron da RAF, com duas tripulações para revezamento,e o C-130K C.1, matrícula XV192, com uma equipe de mecânicos, técnicos e tambores com combustível, foram deslocados para São Felix.

O Nimrod manteve pintadas as insígnias da RAF, mas de baixa visibilidade, e como o avião era uma versão militar do Comet IV, quando pousava à noite em Concepción, parecia um avião comercial, mas já no caso do Hercules,quando estava a caminho San Félix e ao fazer uma escala no aeroporto de Mataveri, na Ilha da Páscoa, teve as insígnias da FACh pintadas em sua fuselagem para operar em território chileno sem despertar suspeitas.
Esse ato, que pode ser considerado um crime de guerra pela Convenção de Genebra, teve duas situações “anedóticas”: a primeira, segundo algumas fontes, a identificação “Fuerza Aerea de Chile” foi pintado errado na fuselagem, passando a ser “Fuerza Area de Chile”; a segunda foi o numero da matrícula pintada, FACH 997, já pertencia outro Hercules, fazendo com que algumas vezes dois aviões com a mesma matrícula estivessem em operação simultaneamente no Chile!
Ao menos três missões noturnas são conhecidas: a primeira delas no dia 9 de maio, e as outras nos dias 15 e 17 de maio. Nessa ultima data houve um incidente, quando o técnico de radar chileno que estava ciente das operações do Nimrod se ausentou por alguns instantes, e ao entrar em espaço aéreo chileno após a missão de rastreamento no Atlântico, foi acionado um alarme na base aérea de Punta Arenas, fazendo decolar dois caças Mirage para identificação. Como a presença da aeronave era desconhecida pela maioria dos militares chilenos, os Mirage pensaram ser um avião argentino, e para piorar, a tripulação do Nimrod ao perceberem a aproximação de caças, pensaram serem argentinos e iniciaram manobras de evasão.Com a volta do técnico de inteligência ao posto, o mal entendido foi esclarecido e os britânicos puderam voltar para San Félix, entretanto o sigilo total da presença das forças britânicas no Chile passaram a ser ameaçadas, o que desagradou o presidente Pinochet.
As missões executadas pelo Nimrod deixaram de ser relevantes após os EUA disponibilizarem aos britânicos, imagens de satélite da costa argentina, e, aliado com a constante preocupação do Chile em manter sigilosa a ajuda aos britânicos, resolvem desativar essa missão, e o XW664 foi visto no dia 22 de maio em Wyton, na Inglaterra.
Operação Mikado, uma missão de assassinato que deu muito errado
O afundamento do destroyer HMS Sheffield por um míssil Exocet disparado por um Super Étendard, em 04 de maio, causou uma grande preocupação, fazendo com que as forças britânicas tomassem medidas urgentes para evitar novas perdas.
Sob codinome de “Operation Mikado” e posteriormente renomeado como “Plum Duff” planejou-se uma missão para infiltrar comandos do SAS no território continental argentino para atacar a base aeronaval de Rio Grande, destruir os caças Super Étendard, os mísseis Exocet e assassinar os pilotos argentinos.

Inicialmente estava previsto um ataque noturno, com os comandos transportados em dois C-130K Hercules, que pousariam de surpresa na base argentina, além de outros comandos a bordo de um helicóptero Westland Sea King, que fariam um reconhecimento prévio ao ataque.A ideia foi abandonada, decidindo pelo envio de forma furtiva um helicóptero Sea King com três tripulantes e oito comandos do 6Troop, 8 Squadron, do 22 SAS, para realizar a missão.
A operação foi liderada pelo capitão Andrew Legg, que chegou com sua equipe no dia 16 de maio, por via aérea na Ilha de Ascensão e, em seguida, sendo transportados por um Hercules até a frota britânica, onde saltaram de paraquedas no mar, sendo resgatados e levados ao porta-aviões HMS Hermes (R12).
Nas primeiras horas do dia 18, decolaram da coberta do porta-aviões HMS Invencible (R05), a bordo do helicóptero Westland Sea King HC.4, matrícula ZA290, pilotado pelo tenente Richard Hutchings, em direção a Rio Grande, com o intuito de aterrissar na região de Estancia La Sara, na Terra Del Fuego, distante 40 km de Rio Grande.

Os problemas começaram quando o vôo, que havia durado quase três horas e voado em baixa altitude, foi detectado pelo destroyer argentino ARA Bouchard (D26) e inicia uma série de manobras evasivas. Logo após pousar, o capitão Legg estava ciente que o voo tinha sido rastreado e o alarme dado, e sem saber o local exato onde pousaram, dá ordens para decolar novamente, acaba pousando a 56 km dentro do território chileno, a 100 km de Rio Grande. O helicóptero que não tinha autonomia para voltar à frota britânica, após desembarcar os comandos decola cruzando o Estreito de Magalhães e pousa na enseada de Agua Fresca, a 20 km ao sul de Punta Arenas.

Para não serem descobertos, o tenente Hutchings e mais dois tripulantes, que tentaram sem sucesso afundar o helicóptero, resolvem incendiá-lo e fogem do local. Já os comandos caminharam por dois dias em direção a Rio Grande, entretanto por ter perdido a comunicação com seus superiores, resolvem abortar a missão em 21 de maio, se estabelecendo num local fixo em território chileno.

Os destroços do helicóptero logo foram descobertos pela população e foi amplamente divulgado nos jornais e na televisão da época, causando um grande mal estar ao governo chileno, e o presidente Augusto Pinochet, que sempre queria que a ajuda militar fosse sigilosa, pede satisfações para os britânicos.


Este incidente foi muito repercutido, primeiro pela imprensa local e depois na internacional (Foto: Degensa y Seguridad)
O próprio Sidney Edwards desconhecia a missão, e a situação fica ainda mais delicada quando, no dia 25, os três tripulantes se entregam aos Carabiñeros de Chile, após vários dias escondidos com frio e fome. Edwards consegue trazê-los para Santiago, deixando-os escondidos num apartamento de um membro da Embaixada Britânica no Chile e prepara uma coletiva de imprensa, onde o tenente Hutchings lê uma declaração de que durante um voo de reconhecimento, devido ao mau tempo e pane no sistema de navegação, o helicóptero acabou se desviando do percurso, a após pousar sem combustível, pensando estar em território argentino, resolvem destruir a aeronave. Durante a coletiva,um jornalista chileno foi muito insistente em obter respostas, e visando terminar mais rapidamente possível as repercussões sobre o caso, o jornalista foi “persuadido” a não levar adiante diante de ameaças feitas pelo guarda-costas de Edwards, o capitão Patricio Pérez.

Embora a versão tenha acalmado a mídia, Edwards teve que contar a versão verdadeira ao general Rodriguez e ficaram muito preocupados com as consequências caso os comandos da SAS fossem encontrados por civis antes da equipe de inteligência. Com isso, foi contratado o piloto civil Jorge Freyggang Campaña, um ex-oficial da FACh e proprietário da empresa de táxi aéreo Transportes Aéreos de Magallenes (TAMA), para fazer voos de busca com o nome “Andy”, o apelido do capitão Andrew Legg, pintado na parte inferior das asas de seu Cessna 182Q, prefixo CC-CBJ, para tentar estabelecer um contato com o comandante da equipe.
No dia 30 os comandos foram encontrados e transportados secretamente até Santiago pelo bimotor Beechcraft A80 Queen Air, matrícula CC-CFJ, da TAMA, que também foi pilotado por Jorge Campaña, de onde embarcaram com destino a Inglaterra, sob total sigilo, no dia 8 de junho.
Um fato muito curioso é que Jorge Campaña, e sua família, desaparecem misteriosamente quando efetuavam um voo no trecho entre Puerto Montte/Punta Arenas, em 4 de junho, e seus restos mortais só foram encontrados em 2009 num fiorde na região de Bahía Inútil, fora da rota prevista!

Operação Folklore, um fotógrafo inconveniente
O Reino Unido tinha interesse em obter fotos de instalações militares argentinas através de aviões de reconhecimento fotográfico. A RAF dispunha de bombardeiros BAC Camberra na versão PR.9, de reconhecimento fotográfico, equipados com câmeras oblíquas que possibilitavam tirar fotos de alta resolução, voando em altitudes elevadas, margeando a fronteira chilena.
Edwards levou a proposta para o general Matthei, pois necessitaria fazer esses voos a partir de uma base aérea no Chile. O general confidenciou que há anos o Camberra era um avião desejado pela FACh, e sua aquisição não tinha sido aprovada por causa embargo de armas imposto pelos Estados Unidos e aliados, bem como devido ao alto preço pedido pelos britânicos, mas que poderia adquiri-los caso fossem disponibilizados a um preço reduzido.
O Reino Unido aprovou a venda de três Camberra PR.9 por um preço simbólico de apenas uma libra esterlina por aeronave,e a ideia era que uma vez adquiridos oficialmente, seriam enviados pilotos britânicos para supostamente treinar os chilenos e que os “voos de treinamentos” seriam realizados perto da fronteira com a Argentina. Assim, foi organizada uma operação, com o codinome “Operation Folklore”, que visava selecionar as aeronaves, transportá-los até o Chile e montar toda uma infraestrutura para simular voos de treinamento.

Inicialmente foram selecionadas duas aeronaves, cujo translado foi previsto uma escala em Belize. Entretanto de Belize para o Chile, em razão da distancia, e sem poder fazer escala em outros países sul-americanos, foram instalados tanques extras na fuselagem, retirados da versão de treinamento TT.18. Também receberam outras melhorias, como atualização no sistema de radar ARI-18228 Sky Guardian(que permitia identificar radares franceses Cyrano dos Mirage argentinos), modernização no sistema despistamento (“Chaff/flare”) e instalação de pods de interferência eletrônica Dash 10 em suportes subalares em cada asa.
Em 20 de abril os dois Camberra PR.9 decolam da base aérea de Wyton com destino a Belize, fazendo escalas na Islândia, Canadá e Bermudas, com a tripulação composta pelos pilotos tenentes Colin Adams, David Lord, e dos navegadores tenentes Brian Cole e Ted Boyle. Ao chegarem ao seu destino,as aeronaves recebem insígnias chilenas.
No dia seguinte, duas aeronaves de transporte Vickers VC10, do 10 Squadron da RAF, operando como Ascot 2830 e 2831, decolam da base aérea inglesa de Brize Norton com destino ao Aeroporto de Mataveri, na Ilha da Páscoa, levando a equipe de terra para operar os Camberra, e equipamentos tais como uma máquina especial para revelar e imprimir fotos aéreas do modelo ATREL. Os técnicos e os equipamentos seriam transferidos para dois Hercules, um da FACh e o segundo da RAF (que recebeu insígnias da FACh e matrícula 998), levados até a base aérea em Punta Arenas. Um dos técnicos a bordo, o tenente Peter Robbie, que também era piloto de Camberra, estava encarregado de verificar locais onde as aeronaves podiam pousar para reabastecimento, na rota de traslado entre Belize e Punta Arenas, com máxima discrição.

O local por ele escolhido foi em plena rodovia Pan-americana, no deserto de Arica, norte do Chile, num pouso arriscado feito durante a madrugada, e com auxilio dos Carabiñeros, que interditariam um trecho da rodovia.
No dia 27 de abril, o periódico britânico Daily Star publica uma notícia na primeira página dizendo que caças McDonnell Douglas F-4 Phantom II da RAF seriam levados ao Chile, depois que o governo chileno teria autorizado os britânicos a operarem na base aérea de Punta Arenas, e que em troca o Reino Unido teria fornecido oito caças Hawker Hunter transportados por um Boeing 747. A agência Reuters noticiou que havia um acordo entre os dois países, e embora houvesse desmentidos por ambos os países, a ida dos Camberra a Punta Arenas passou a ser inconveniente.
Tanto o Reino Unido como Chile ficaram preocupados quanto à repercussão da chegada destes aviões em solo chileno, causando uma maior suspeita de uma ajuda militar em curso entre os dois países, e apesar do Chile ter adquirido os três Camberra PR.9, estes só foram entregues em 24 de outubro, isto é, quatro meses depois da rendição dos argentinos.
O Chile tentou até o ultimo momento manter uma imagem de neutralidade na guerra. Num ato de dissimulação, quando foi torpedeado e afundado o cruzador argentino ARA General Belgrano (C-4), em 02 de maio, a Armada de Chile enviou o navio de transporte antártico Piloto Pardo (AP-45) para ajudar no resgate de sobreviventes e corpos das vítimas, tentando demonstrar solidariedade a Argentina, mas a história toda veio a público anos depois….

AS CONSEQUÊNCIAS DO CONFLITO
É conhecido por todos que a Guerra das Falklands/Malvinas teve consequências consideráveis nos dois principais protagonistas, principalmente para a Argentina, que teve sua situação política completamente alterada, com a queda de a junta militar que governava o país, e o surgimento de problemas econômicos que são sentidos até os dias de hoje.
Já o Reino Unido, após o fim da guerra e sua vitória incontestável, saiu fortalecido militar e politicamente no cenário internacional, porém, ainda receoso que o desejo argentino de conquistar as ilhas causasse um novo conflito, tomou algumas medidas para evitar isso, como um grande embargo militar à Argentina, tentando a adesão dos países da OTAN, mas também houve ao menos uma tentativa frustrada para dificultar a aquisição de sistemas de defesa modernos aos aliados dos argentinos.
A Venezuela, em repúdio contra a vitória britânica, cancelou uma encomenda quase chancelada de treinadores avançados BAE Hawk Mk.62, e os britânicos, em contra partida, usaram da sua diplomacia para tentar impedir a aquisição de caças General Dynamics F-16 Fighting Falcon, cuja aprovação do Congresso dos Estados Unidos havia se dado cerca de um mês após o término do conflito.

Mesmo tendo fornecido um substancial apoio à Argentina, os americanos resolveram vender a Venezuela, um dos caças mais modernos da época (e que seria considerado o mais avançado em serviço na América Latina), e cujo fornecimento estava limitado a poucos países aliados. Essa decisão se deu para tentar usar o país caribenho como uma “barreira de contenção” à Cuba, considerada uma grande ameaça. Naquela época, o governo de Castro estava tentando aumentar sua influência na região, principalmente com a construção de grandes obras de infraestruturas na ilha de Granada, incluindo um aeroporto que permitiria receber seus caças, e a Defensa Anti-Aérea y Fuerza Aérea Revolucionaria (DAAFAR) dispunha de uma respeitável frota de caças, com cerca de 180 MiG-21 e 41 MiG-23. Apesar dos protestos dos britânicos, a FAV recebeu 24 caças F-16A/B.
No caso do Chile as vantagens são muito claras, com um apoio britânico importantíssimo para manter seu regime político do país e reformar suas formas armadas., pois, além do apoio citado no texto, a Armada de Chile resolveu postergar o recebimento de dois navios adquiridos anteriormente a Royal Navy, permitindo que fossem utilizados no conflito, sendo estes o petroleiro militar RFA Tidepool (A76) e o destroyer HMS Norfolk (D21). Porém o ultimo não foi incorporado à frota britânica nos combates, pois já estava devidamente preparado para a transferência, sem os equipamentos eletrônicos e de criptografia, e sua reincorporarão não poderia ser feita em tempo hábil.
Por toda a importante contribuição, o Chile recebeu uma grande quantidade de equipamento militar durante e após o conflito, sendo os mais destacados:
- 03 aviões de reconhecimento BAC Canberra PR Mk.9 (que receberam as matrículas FACh 341 a 343);
- 12 caças Hawker Hunter FGA Mk.9 (FACh 743 a 754);
- 02 treinadores Hawker Hunter TMk.67 (FACh 741 e 742);
- 60 mísseis antiaéreos portáteis de curto alcance (MANPADS) Shorts Blowpipe;
- 03 Destroyers Classe County (Cochrane, Latorre e Blanco Encalada), recebidos entre 1982 e 1987;
- Mísseis antiaéreos de longo alcance Hawker Seaslug GWS Mk.2;
- Veículos utilitários Land Rover; e
- Radares terrestres para alvos aéreos.
Todavia, a compensação mais significativa foi à intervenção política da primeira ministra britânica Margareth Tatcher em cancelar o embargo de equipamentos militares imposto pelos Estados Unidos e aliados, além de diversas parcerias comerciais e tecnológicas entre os dois países.
Trinta anos depois do final da guerra, vários documentos confidenciais sobre o assunto são liberados pelo Reino Unido. Em 2014, Sidney Edwards, então com 80 anos, durante uma entrevista, após ter escrito o livro “My Secret Falklands War”, que detalha a sua atuação no Chile durante a guerra, declara: “A minha opinião pessoal – e penso que foi partilhada pelos meus chefes no Ministério da Defesa e por Margret Tatcher – é que a ajuda que recebemos do Chile foi absolutamente crucial….e sem ela teríamos perdido a guerra”. De fato, durante o conflito a primeira ministra lia com toda atenção a cada telegrama que era enviado por Sidney Edwards, apelidando-os de “Sidgrams”.
O Wing Commander RAF Sidney Edwards foi condecorado com a medalha do Atlântico Sul e comenda da Rainha por valiosos serviços aéreos pela sua atuação durante o conflito.

Aparentemente não houve uma retaliação dos britânicos ao Brasil e ao Peru, mas esse conflito, mesmo que localizado e de curta duração, moldou as relações entres os países sul-americanos por muitos anos, destacando suas alianças e desavenças.
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