O HMS Ocean é um navio de assalto anfíbio (porta-helicóptero) de classe única, construído para a Marinha do Reino Unido (Royal Navy) pelo estaleiro Kvaerner Govan (e equipado em Barrow-in-Furness pelo Vickers Shipbuilders).
Transporta 400 Royal Marines e seus veículos, blindados e material de apoio para “entregá-los” onde se fizer necessário (800 em esforço máximo), e tem uma tripulação de 300 homens e mulheres.
Até que os novos porta-aviões da Classe Queen Elizabeth entrem em serviço, seguirá sendo o maior navio da Royal Navy. O desenho do seu casco foi inspirado nos porta aviões da Classe Invencible, mas construtivamente falando, o navio foi projetado com emprego de técnicas e recursos destinados a navios mercantes.
Após a desativação do NAe São Paulo, começaram a surgir rumores do interesse da Marinha do Brasil pelo navio, a ser desativado pela Royal Navy em 2018, isso após concluir seu último tour (deployment) atuando como nau-capitânea de uma Task Force multinacional no Mar Mediterrâneo.
Na LAAD 2017, em abril, durante entrevista com o ministro da Defesa Raul Jungmann, o interesse da Marinha pelo Ocean foi negado cabalmente. No entanto, algumas semanas a frente, foi noticiada a criação de uma comissão destinada a avaliar o navio, isso após uma visita de oficiais brasileiros realizada em junho último. Esse movimento teria ocorrido após a “oferta” da embarcação ao Brasil pela Royal Navy, fato que teria ocorrido durante a mesma LAAD 2017.
Essa visita, segundo nota divulgada pela Marinha do Brasil, deveria ocorrer no mês de agosto, que chega ao fim sem um reporte dos resultados ou se a mesma ocorreu de fato. Nos rumores que circulam insistentemente pelos meios especializados, fala-se em um valor de 80 milhões de euros para a aquisição do navio.
A nota do Centro de Comunicação Social da Marinha (CCSM), aqui reproduzida na íntegra, dizia:
“Em atenção a sua solicitação, participo a Vossa Senhoria que, após a realização da visita inicial ao HMS Ocean, no mês de junho, está sendo planejada uma inspeção técnica, a ser realizada no mês de agosto, por uma equipe multidisciplinar, composta por 12 militares.
A realização dessa inspeção está condicionada a um parecer favorável da Alta Administração Naval, com base nos estudos preliminares ora conduzidos, considerando as informações coletadas desde o início de todo o processo. Na provável inspeção, é intenção que sejam realizados alguns testes operacionais nos sistemas e equipamentos de bordo, além de aprofundar os conhecimentos até então obtidos para concluir sobre a viabilidade de se prover uma adequada sustentação orçamentária e logística do navio, no Brasil.
O Ministro da Defesa está ciente de que o Reino Unido ofereceu o HMS Ocean para transferência ao Brasil. Os demais dados atinentes a uma possível futura aquisição serão levados ao Ministro após conhecidos e analisados os resultados das inspeções.
Atenciosamente, Flavio Augusto Vianna Rocha, contra-almirante”.
Prós e Contras do HMS Ocean
A primeira limitação do Ocean que salta aos olhos é a inexistência de uma doca alagável na popa. Para lançar e recolher seus meios de desembarque (exclusivos), o navio utiliza turcos (guindastes articulados) montados em duas grandes aberturas na lateral do casco, acima da linha dágua, nos dois lados.
É um processo trabalhoso, lento e as aberturas causam enorme reflexão de sinal radar. Blindados anfíbios como o CLANF não podem ser usados no Ocean, e seus meios de desembarque não encontram similar em uso no Brasil ou região, o que significa dependência logística de terceiros e preços salgados de manutenção para os LCVP (lanchões) e LCAC (hovercraf). Com essa deficiência, operações em conjunto com o NDM Bahia, por exemplo, seriam muito limitadas dependendo do seu contexto.
Outra deficiência, essa conjuntural, é a penúria de escoltas na Marinha do Brasil, em quantidade e com armamento moderno, para efetuarem a proteção de superfície, antiaérea e antisubmarina eficaz de um navio tão importante.
O Ocean é até melhor armado que o NDM Bahia, já que seus três CIWS Phalanx e quatro canhões de 30 mm representam um compromisso melhor que os reparos duplos (Sinbad) de mísseis Mistral (curto alcance) disponíveis. Operando sozinhos e sem cobertura antiaérea eficaz, esses navios são alvos de alto valor indefesos.
Outro aspecto que joga contra a compra é a necessidade da Marinha focar nos seus programas mais importantes em andamento, pois todos foram severamente prejudicados em seus cronogramas pelos cortes orçamentários de 2015, 2016 e 2017.
O PROSUB encontra-se em um impasse, com a Marinha priorizando as obras necessárias para colocar o primeiro submarino convencional S-BR no mar em 2018, em detrimento da parte nuclear do programa. Os dois primeiros submersíveis encontram-se em avançado estágio de construção em Itaguaí, e o novo Centro de Instrução e Adestramento de Tripulantes de Submarinos deverá ser entregue no primeiro trimestre de 2018.
Outros programas navais brasileiros, como a corveta Tamandaré, atualmente na fase de definição de projeto, podem ser afetados na sua planificação e execução, pois é certo que os recursos para a compra do Ocean serão remanejados de outros programas, prejudicando a indústria naval nacional e inviabilizando a sua recuperação.
Na atual conjuntura, faz mais sentido apostar no Programa de Construção de Corvetas Classe Tamandaré, pois até 2022 a Marinha do Brasil será obrigada a desativar suas duas fragatas Type 22 restantes, e logo a seguir as fragatas Classe Niterói começarão seu caminho rumo a desativação.
Também não se sabe quais sistemas, sensores e armamentos serão removidos do navio para a sua venda. Provavelmente, os CIWS Phalanx (defesa de ponto terminal) terão a sua venda ao Brasil negada mais uma vez.
Para desembarcar os 40 veículos que o navio pode levar, é necessário o uso de embarcações de transporte de material trabalhando em conjunto com o guindaste de bordo. Com a premente necessidade brasileira por navios caça-minas, corvetas e fragatas modernas, dotadas de boa capacidade combativa, mais um navio logístico de casco duplo, capaz de transportar com segurança suprimentos, combustíveis diversos e toda sorte de material de emprego dos Fuzileiros Navais sem ferir as regras de navegação (é proibida a navegação de navios tanque de casco simples, caso do G-23 Alte. Gastão Motta, em muitos mares pelo mundo), fica difícil compreender por que o Brasil se decidiria pela compra do HMS Ocean.
Causaria mais problemas do que resolveria, segundo esse autor.
Nos pontos a favor, entram a pequena idade do meio, menos de 20 anos, e o fato de ter sido retrofitado recentemente (2007-2008). Com propulsão do tipo CODAG, de baixo custo (diesel), o navio poderia servir como plataforma de operações anfíbias, executar o controle de vias marítimas e atuar em missões de calamidade nacional/tragédias naturais/questões humanitárias, além de servir para o clichê “mantenimento de doutrina“.
O grupo aéreo embarcado pode executar verdadeiras pontes aéreas transportando homens e equipamentos para uma cabeça de praia em um ritmo vertiginoso, ou atuar no socorro e resgate de nacionais. A capacidade de apoiar futuras atividades além mar, como as missões de Forças de Paz brasileiras na África, é outro ponto positivo a ser considerado.
Para esse autor, acelerar o projeto e construção da primeira corveta Classe Tamandaré, deslanchar o PROSUB na sua vertente não nuclear, e recompor a Esquadra com meios de superfície mais modernos e muito necessários é prioritário.
A Marinha precisa urgentemente de um navio-tanque/apoio logístico de casco duplo, e precisa investir em mais um LPH com doca alagável e pelo menos 3/4 fragatas, obtidas por meio de compras de oportunidade.
Os programas de desenvolvimento de mísseis como o MANSUP precisam de um novo alento orçamentário. A compra do HMS Ocean, um bom navio, ocorreria em um momento inadequado, pois estrangularia financeiramente outros setores do Poder Naval brasileiro.
O HMS Ocean em detalhes
A quilha do HMS Ocean foi batida em 30 de maio de 1994, o lançamento ocorreu em 11 de outubro de 1995 e a entrada em serviço, no dia 30 de setembro de 1998, ou há quase vinte anos.
Entre os anos de 2007 a 2008, o navio passou por um extenso PMG (reforma) feita pela Babcock Marine no estaleiro Devonport (orçada em £30 milhões). Foram feitas diversas melhorias em vários sistemas e nas acomodações dos tripulantes do navio (e da tropa embarcada, os Royal Marines).
Em 2010, esse autor acompanhou a passagem do navio pelo litoral fluminense, ocasião em que tropas do Corpo de Fuzileiros Navais da Marinha do Brasil treinaram em conjunto com os Royal Marines usando as instalações do CADIM na Ilha da Marambaia.
A Royal Navy demonstrou um assalto anfíbio com o emprego das lanchas de assalto LCVP Mk 5, hovercrafts do tipo LCAC(L) Griffon Howerwork 2400 TD e botes semirrígidos. A cobertura aérea foi feita por helicópteros Lynx embarcados no Ocean (o Chinook também pode operar no navio). Armados com metralhadoras, fustigaram a cabeça de praia e também realizaram o transporte até lá de itens como munição e equipamentos logísticos leves.
Na visita a bordo, foram demonstradas as capacidades do Centro de Operações de Combate (operações aéreas), o Centro de Operações Anfíbias e a Praça de Máquinas, e percorridos o hangar inferior e o compartimento de veículos logo abaixo, além do amplo convoo. Diversos veículos de transporte, engenharia e logística fazem parte da dotação a bordo, assim como um grande guindaste de carga e tratores elevadores/empilhadeiras, entre outros.
O Ocean está completamente equipado para operar com até 12 helicópteros EH101 Merlin e 6 Lynx, e pode receber para pousos e decolagens (mais reabastecimento) os grandes Chinook de dois rotores em tandem. Quando estavam operacionais, 20 Sea Harriers podiam ser transportados, mas não apoiados pelo navio. O convoo tem 170 metros de comprimento e 32.6 metros de largura, sendo servido por dois elevadores de carga/aeronaves.
O navio está armado com três Raytheon/General Dynamics Phalanx Mk15 de 20mm, um na proa e outros dois na popa. Complementando as defesas, existem quatro reparos de canhões geminados Oerlikon/BAE de 30 mm. O Sistema de Informação de Combate é o BAE Systems ADAWS 2000, e o navio dispõe dos Link 11, 14 e 16 (OTAN/NATO) de comunicações satelitais providas pelo sistema SATCOM 1D Astrium e computador de controle do tipo Merlin.
Para proteção contra mísseis guiados por radar, é utilizado o sistema Siren de decoys e contramedidas eletrônicas do tipo soft kill, usando oito radares/emissores infravermelhos Sea Gnat. Para a detecção e classificação/alerta de emissões eletrônicas de radares inimigos, é usado o sistema Thales UAT. Para jammear as emissões inimigas (interferência), é usado o Thales Type 675.
O HMS Ocean foi equipado com o radar de busca de superfície e aérea Type 996, substituído na última reforma pelo novo radar marítimo de médio alcance da Real Marinha Britânica (MRR) hoje denominado ARTISAN 3D (banda E/F). Para a detecção de aeronaves e seu controle, são usados dois sistemas radares Kelvin Hughes type 1007.
A propulsão é provida por dois motores Crossley Pielstick 16 PC2.6 V 200 a diesel, capazes de gerar até 23.904 hp, necessários para girar um hélice de cinco pás. Um dispositivo elétrico de 450kW, usado para manobras de porto (bow thruster), também está disponível. O alcance do HMS Ocean é de 8.000 milhas náuticas, e a máxima velocidade sustentável é de 18 nós.
Roberto Caiafa