Memória T&D: A primeira operação do VBTP-MSR 6X6 Guarani

Na véspera da visita do Ministro da Defesa argentino, Agustín Rossi, à fábrica da Iveco Veículos de Defesa, em Sete Lagoas (MG), que contará com a cobertura de Tecnologia & Defesa, e a possível aquisição de um lote de VBTP-MSR 6X6 Guarani para o Exército Argentino, reeditamos uma matéria de 2014 (edição nº 137), da primeira operação do Exército com a participação deste veículo, mostrando que acompanhamos, e apoiamos, o desenvolvimento desse carro desde sua gênese, e que sempre apresentamos informações de alto nível a seus leitores.

 

Guarani, finalmente operacional

Por Hélio Higuchi, Paulo Roberto Bastos Jr e Reginaldo Bacchi

Foi em meados dos anos de 1990 que o Exército Brasileiro iniciou os estudos para a substituição dos seus principais blindados sobre rodas, os ENGESA VBTP 6×6 EE-11 Urutu e o VBR EE-9 Cascavel, devido aos desgastes desses veículos, o que ocasionava uma menor operacionalidade e aumento de custos de manutenção.  Assim, houve o lançamento, em 1999, do ROB (Requisitos Operacionais Básicos) nº 09/99, que definiu o seu VBTP-MSR 6X6 (Viatura Blindada Transporte de Pessoal – Média sobre Rodas) e, em ROBs posteriores, uma série de versões derivadas como comunicações, porta-morteiro, ambulância, posto de comando, direção de tiro, socorro mecânico e de reconhecimento, este armado com um canhão com capacidade anticarro (ver T&D nºs 120 e 129).

Após a maturação desses requisitos, em 9 de agosto de 2007, foi selecionada a FIAT Automóveis S.A., através de sua divisão IVECO, com a qual foi assinado o contrato de desenvolvimento e produção em 22 de dezembro do mesmo ano. Em função disso foi fundada a IVECO Latin America Ltda que construiu um grande complexo fabril na cidade de Sete Lagoas (MG).

O Projeto Estratégico do Exército (Prg EE) GUARANI, nome dado ao veículo em homenagem a uma valente etnia indígena que habita o sul do continente americano e boa parte do território centro-meridional brasileiro, resultou em um grande divisor de águas para o Exército (EB), pois, pela primeira vez, a Força poderia contar com uma família de veículos desenvolvida especificamente para suas necessidades, assim como utilizar os modernos conceitos de manutenção e logística vigentes no mundo, que integra de uma forma muito mais efetiva e inteligente, as empresas fornecedoras e a instituição.

Aproveitando essa mudança de paradigmas e de olho para a evolução dos combates nos conflitos recentes, o EB decidiu integrar esse programa a outro, que também já estava em estudo desde a mesma época, o da infantaria mecanizada.

Trafegando por um declive para se posicionar (Foto de Hélio Higuchi)

A MECANIZAÇÃO

Em 2008, com a Estratégia Nacional de Defesa (END), que define os parâmetros que balizarão a evolução do segmento militar no contexto da estrutura de Defesa Nacional, o EB, que está em constante processo de modernização, buscando adequar boa parte das organizações militares (OM), deu início a um grande processo de transformação, com a definição que o PEE Guarani, um de seus macroprojetos em desenvolvimento, além de substituir os blindados da cavalaria mecanizada, deveria equipar as futuras unidades de infantaria mecanizadas, as quais viriam a substituir as motorizadas. Em suma, os caminhões perderiam seu lugar para os VBTP-MSR, assegurando mobilidade estratégica e poder de combate compatível com as potenciais ameaças ao País, de modo que possam atuar como elementos de dissuasão e de pronta resposta, no amplo espectro dos conflitos, perante os desafios das operações militares do mundo contemporâneo.

Em 2010, o Estado-Maior do Exército (EME) escolheu a então 15ª Brigada de Infantaria Motorizada para ser a grande unidade (GU) precursora do processo de experimentação doutrinaria, transformando-a na 15ª Brigada de Infantaria Mecanizada (15º Bda Inf Mec). Também a que se considerar o fato de que esta GU tem sua sede na cidade de Cascavel (PR), numa região que reúne condições topográficas propícias a esse tipo de tropa e, por outro lado, ser a responsável pela área da tríplice fronteira com o Paraguai e com a Argentina, onde estão vários locais e pontos estratégicos, como Usina Binacional de Itaipu, por exemplo.

A 15º Bda Inf Mec é composta por três batalhões de infantaria, todos no Estado do Paraná: o 30º, em Apucarana; o 33º, em Cascavel; e o 34º, em Foz do Iguaçu. Apenas o 33º é do tipo III, ou seja, dotado de três companhias de infantaria, sendo os demais do tipo II. Em função disso, e pela proximidade com o comando da brigada, o 33º Batalhão de Infantaria Mecanizada (33º BI Mec) foi escolhido para iniciar os trabalhos e está passando por diversas mudanças para receber seus novos sistemas, como a construção de instalações para a guarda, abastecimento, lubrificação, lavagem e reserva de armamento dos novos veículos e de seus sistemas de armas.

Já em 2012, iniciaram-se as atividades de experimentação doutrinária do pelotão de fuzileiros mecanizado (Pel Fuz Mec), no 33º BI Mec, que recebeu para isso cinco  VBTP EE-11 Urutu, repontecializados pelo Arsenal de Guerra de São Paulo, para o Estágio de Formação de Motoristas de Viatura Blindada de Transporte de Pessoal (VBTP) Urutu, na Iveco;  Qualificação do Pel Fuz Mec; Exercício de Marcha para o Combate e Ataque Coordenado do Pel Fuz Mec;  Exercício de Defesa Móvel do Pel Fuz Mec; e Exercício de Emprego do Pel Fuz Mec em Operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO).

Essas atividades permitiram que fossem aplicados os Elementos Essenciais de Informações Doutrinárias (EEID) estabelecidos pelo EME, e facilitaram a apresentação de uma proposta de experimentação doutrinária da companhia de fuzileiros mecanizada (Cia Fuz Mec), para o ano seguinte. Foram, ainda, levantados dados e informações relevantes para a elaboração das propostas iniciais do Quadro de Cargos do Pelotão de Fuzileiros Mecanizado e do Programa-Padrão de Qualificação do Soldado Fuzileiro Mecanizado.

Em 24 de março de 2014, o 33º BI Mec recebeu o primeiro lote de VBTP-MSR Guarani formado por 13 veículos, com 11 equipados com torre Platt e dois apenas com uma tampa provisória, que foram logo apelidados de “mulas-sem-cabeça“. Estes, aliás, devem ser substituídos, foram entregues para compor a dotação da Cia Fuz Mec, que compreende quatro veículos por pelotão e mais um para o comandante da companhia. Os veículos pertencem ao lote de pré-série e também ao primeiro lote do lote de experimentação doutrinária (LED) e, na cerimônia de entrega, estavam presentes dois protótipos equipados com os Sistemas de Armas Remotamente Controlados (SARC) UT30BR e REMAX que, em seguida, foram enviados para o Centro de Instrução de Blindados (CI Bld), em Santa Maria (RS).

A previsão é que o segundo lote do LED, de 20 veículos, seja entregue ainda no primeiro semestre deste ano, sendo 15 para o 34º BI Mec e cinco para o 33º. Até o final d e 2015 espera-se que todas as Cia Fuz Mec estejam plenamente equipadas com o Guarani, de modo que o 33º BI Mec deverá possuir 42 veículos, e os outros dois (30º e 34º), por terem uma companhia a menos, 29 unidades cada.

De acordo com o tenente-coronel Eloy Woellner Júnior, comandante do 33º BI Mec, está em estudos a substituição das torres Platt por REMAX na Bda Inf Mec, que mostrou-se mais adequada e, dependendo dos estudos do CI Bld, a ativação de um pelotão equipado com quatro VBTP-MSR Guarani equipados com o SARC UT30BR, na companhia de apoio de cada batalhão.

O EB anunciou que pretende adquirir um total de 216 torres UT30BR, e a Elbit Systems entregou as três primeiras para testes e implantação no protótipo do VBTP-MSR que está no CI Bld. Foi feita uma nova encomenda de torres, desta vez à empresa AEL Sistemas S/A, responsável pela sua nacionalização, com a previsão de cinco neste ano e as demais no próximo (ver T&D nº 133).

Antes de sair para uma nova missão, a metralhadora .50 Browning M2 HB é instalada na torre Platt, no 34º BI Mec (Foto de Hélio Higuchi)

 

INÍCIO DA OPERACIONALIZAÇÃO

Os Guarani do 33º BI Mec estão sendo utilizados intensamente, aplicados em missões no Oeste do Paraná, tendo sido levados ao teatro de operações rodando pelos próprios meios, mesmo em distâncias superiores a 200 km, para avaliar o desempenho e cuidados para manutenção. Como teste de resistência, os blindados têm sido guardados ao relento, e foi constatado pelo seu alto índice de operacionalidade que corresponde às expectativas.

Técnicos da IVECO vêm acompanhando o dia a dia no 33º BI Mec e, por enquanto, a manutenção e reparos estão por conta de uma garantia de três anos ou 30 mil km, estabelecida em contrato e, durante a implantação, foram deslocados três oficiais dessa OM para a IVECO com o intuito de se inteirarem das cláusulas legais e administrativas estabelecidas entre o EB e a empresa. Outros 26 militares foram enviados para estagiarem por 40 dias no CI Bld, onde foram capacitados para operar esses VBTP-MSR.

Dentre as novas doutrinas que chegaram com o Guarani, junto às já conhecidas inovações tecnológicas e eletrônicas, os integrantes do pelotão de combate da companhia de infantaria mecanizada ficaram surpresos com alguns detalhes modernos, muito diferentes do antecessor Urutu. Dentre esses destacam-se o cinto de segurança de cinco pontos, assentos estofados, sistema de ar condicionado e o interior verde-claro, ao invés da tradicional cor branca (estabelecido através de estudos de Cromologia), têm possibilitado viagens com mais de três horas de duração sem causar fadiga no pessoal embarcado.

O sistema de comunicação (Intercon) ainda não foi instalado, e apesar de o chefe de carro poder comunicar-se com o grupo de combate depois do desembarque por seu intermédio, está prevista a instalação de um aparelho telefônico na traseira do veículo para a comunicação de fora para dentro. Outro equipamento que ainda não é usado pelos exemplares do LED são as placas de blindagem adicional. Exercícios com travessia de cursos d’água já foram feitos e os Guarani corresponderam bem, embora com uma leve tendência de afundar mais o lado direito do veículo devido à posição do motor.

Dentro do programa de implantação operacional do carro, foi definido que a 15º Bda Inf Mec irá apoiar a operação do EB na ocupação do Complexo da Maré, no Rio de Janeiro, e o 33º BI Mec já separou cinco VBTP-MSR (quatro que compõem um pelotão e um de reserva), e está treinando seus grupos de combate, enquanto aguarda a ordem de deslocamento. Durante a visita da reportagem de T&D, os Guarani do 33º BI Mec estavam sendo muito empregados na “Operação Ágata”, aplicando os conceitos de GLO, com os veículos estacionados em postos fronteiriços e de aduana, transformando-os num eficiente equipamento de dissuasão.

Os Guarani do 34º BI Mec em ação, na Fronteira com a Argentina, durante a “Operação Ágata 8” (Foto de Hélio Higuchi)

COMPOSIÇÃO DO GRUPO DE COMBATE MECANIZADO (GC MEC)

Administrativamente, um GC Mec difere-se de um GC normal de infantaria por ter dois integrantes a mais, pois o VBTP-MSR é o seu sistema de armas mais importante. Esses GCs serão fixos a cada veículo, criando um vínculo que os tornam responsáveis pela viatura. Assim sendo, o motorista e o atirador ficam sob o comando direto do comandante do GC que também é o comandante da viatura.

Lembrando que os estudos da doutrina mecanizada ainda não ainda não estão concluídos, a sua principal proposta de composição seria:

Posto Patente Armamento principal
Comandante do GC 3º Sargento Fz Assalto 5,56 mm IA2
Comandante da 1ª Esquadra Cabo Fz Assalto 5,56 mm IA2
1º Esclarecedor Soldado Lança-Rojão 84 mm AT4 / ALAC
2º Esclarecedor Soldado Fz Assalto 5,56 mm IA2
Atirador Soldado Fz Assalto 5,56 mm IA2
Comandante da 2ª Esquadra Cabo Fz Assalto 5,56 mm IA2
3º Esclarecedor Soldado Lança-Rojão 84 mm AT4 / ALAC
4º Esclarecedor Soldado Fz Assalto 5,56 mm IA2 com M203
Atirador Soldado Fz Assalto 5,56 mm IA2
Motorista Cabo Pistola 9 mm
Atirador da viatura Cabo Mtr. 7,62mm MAG ou .50’ Browning M2HB

 

Em fase de experimentação doutrinária, alguns GCs levam embarcados um morteiro de 81 mm (Foto de Hélio Higuchi)

AGRADECIMENTOS

A direção da revista e os autores agradecem, nas pessoas dos oficiais abaixo relacionados, a todos os integrantes do Exército Brasileiro que contribuíram e possibilitaram a realização desta reportagem: coronel João Paulo Da Cás, chefe da Seção de Relações Institucionais do EPEx; coronel José Henrique de Cássio Ruffo, EPEx – Projeto Guarani; tenente-coronel Eloy Woellner Júnior, comandante do 33º BI Mec; e tenente-coronel Messias Coelho Freitas, comandante do 34º BI Mec.

Em memória de Reginaldo Bacchi

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Comentários

2 respostas

  1. Boa noite de domingo Senhores camaradas do Tecnodefesa,

    Parabéns pela edição e obrigado pela postagem mais uma vez.
    Tomara que a aquisição inicial (especulações dizem 30 unidades) se concretize.
    Tenham uma feliz cobertura do evento. Já estou ansioso para lê-la aqui.

    CM

  2. Olá Paulo , sou fã do seu trabalho ! Só uma pergunta , você sabe informar quais as melhorias e correções tiveram ao longo destes anos sobre O projeto Guarani ?!

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