Inteligência Artificial, Porta-Aviões e COVID-19 – China, a nova potência pós-crise?

Cel R/1 FEsp Mario CALDAS   

CMG(FN-RM1) Andre ACCIOLY

“À toda ação existe uma reação oposta de igual intensidade” (Isaac Newton).

Em 15 de setembro de 2017 o Departamento de Cooperação Internacional do Ministério da Ciência e Tecnologia (MOST) da China, divulgou um documento intitulado Next Generation Artificial Intelligence Development Plan – China’s Strengths Creates Innovation Miracles (Plano de Desenvolvimento da Próxima Geração de Inteligência Artificial (IA) – O Poder Chinês Criando Milagres de Inovação) que delineia um plano de inovação tecnológica a ser atingido até 2025, detalhando claramente suas fases, ações e objetivos intermediários.

O plano inclui não apenas objetivos relacionados a tecnologia da informação, mas também elenca realizações de cinco anos anteriores entre as quais o lançamento do porta-aviões Liaoning (seguido em 2019 pelo porta-aviões Shandong), a nova classe Nanchang de contratorpedeiros de 10.000 toneladas com um navio já comissionado e seis em finalização, o trem-bala Fuxing e os satélites Mozi e Chan (imagens acima).

Fica evidente que a China entende o desenvolvimento da IA e sua expansão militar, como partes da mesma estratégia para impulsioná-la como a potência rival dos Estados Unidos nos próximos cinco a dez anos. Até onde se pode verificar, o plano vem sendo rigorosamente executado e cumprido.

O motor desse plano é uma força de 81 milhões de cientistas e 170 milhões de trabalhadores altamente qualificados (em 2017).

Embora impressionantes, tais números não seriam suficientes para avaliar a capacidade chinesa de atingir os objetivos auto impostos. É preciso considerar o aspecto qualitativo desses recursos.

Para tal, a melhor ferramenta seria considerar a participação acadêmica chinesa, nesse caso, especificamente relativa à área de IA.

 

Em março de 2019 o projeto Semantic Scholar avaliou mais de 2 milhões de artigos acadêmicos publicados até o final de 2018, chegando à conclusão que a China já havia ultrapassado os Estados Unidos em número de artigos publicados sobre IA.

Atualmente, apenas 10% das citações em artigos científicos de IA fazem referência a artigos americanos e a previsão é que até 2025 esse número caia para apenas 1%.

De uma participação de 5.000 artigos publicados em 1985 a 143.000 em 2018, o salto quantitativo foi gigantesco. O artigo do Allen Institute for AI do qual foram obtidos esses números traz também detalhes sobre a metodologia utilizada.

Contudo, nem toda pesquisa científica nasce igual. Tradicionalmente as pesquisas chinesas, principalmente em Ciência da Computação e, em particular na área de IA, eram consideradas como contribuições incrementais ou pouco significativas.

A partir de 2005 esse cenário mudou radicalmente e o aspecto qualitativo dos artigos científicos chineses evoluiu enormemente. Ou seja, a China investiu pesadamente em desenvolver e capacitar seus melhores cientistas nas áreas de tecnologia de ponta nos últimos quinze anos.

Crescendo em média 7.6% ao ano na última década, a China despontou como a segunda potência numa revolução econômica e social sem precedentes.

Tudo parecia bem até que em 23 de janeiro de 2020 o governo chinês decretou o “lockdown” na cidade de Wuhan devido a uma nova gripe de origem incerta que estava matando muitas pessoas rapidamente.

Nesse momento a epidemia causada pelo COVID-19 parecia um problema distante do Ocidente. Três meses depois, o resto do mundo experimenta efeitos devastadores na economia global devido ao fechamento temporário ou permanente de empresas, com a perda massiva de postos de trabalho.

Apenas para efeito de comparação, a taxa de desemprego nos EUA até fevereiro deste ano era de 3.5% representando 3,0 milhões de desempregados. Entre fevereiro e março esse número cresceu em 6,3 milhões, e apenas entre o fim de março e o começo da segunda semana de abril esse número aumentou em outros 6,6 milhões, representando 13% da população de acordo com o departamento de trabalho dos EUA.

Tem sido lugar comum comparar-se a crise do COVID-19 com a gripe espanhola de 1918 pelo lado sanitário, ou o “crash” da bolsa em 1929 pelo lado econômico. Todavia, fatores nem sempre mencionados são as diferenças na velocidade de dispersão e impacto em múltiplos países ao mesmo tempo.

Diferente das crises do passado, a crise atual atingiu 186 países em menos de 60 dias o que, com o atual nível de globalização das cadeias produtivas, levou a um inédito “shutdown” mundial.

O planeta foi sendo desligado, dia após dia, seguindo-se as linhas de fusos horários.

Na história humana, crises sempre antecederam mudanças.

Em um interessante artigo, Valter Hime avalia os impactos da crise nos modelos de relação de trabalho que surgirão quando o mundo sair do outro lado do túnel. Existem poucas certezas. Uma delas é que isso tudo vai passar. A outra é que não seremos os mesmos ao final desse processo.

Nesse contexto, observando sob o prisma da história através dos tempos, além das visíveis e possíveis mudanças e transformações de condutas e costumes sociais, podemos tentar projetar o novo amanhã geopolítico global.

O primeiro aspecto é o fato dos países, tradicionalmente mandatários e que normalmente lideram as diversas demandas mundiais, atuando intensamente nos diversos campos do poder, como EUA, Reino Unido e França, terem sofrido um baque em suas economias e, particularmente, terem perdidos seus compatriotas dentro de seus territórios por uma pandemia originária em outro país a qual poderia ter sido evitada ou controlada previamente causando menores danos e mortes.

Os três acima mencionados (que possuem assento permanente no conselho de segurança da ONU e vencedores da II Grande Guerra) aliados às outras potências econômicas como Japão, Alemanha, Itália, Canadá, Espanha, e Índia, poderão não deixar “barato” e ficar assistindo a suas economias destroçadas enquanto suas populações são dizimadas e enterradas, em pleno século XXI.

Tudo isso por um possível “descuido”, “falha” ou “ato” da China, país segundo toda a imprensa mundial divulga e a OMS confirma, como sendo o país de origem do COVID-19.

O segundo fator é que a China, um país de governo totalitário, um só partido, que tem por objetivo público e precípuo se tornar a super potência mundial até 2050, vem tomando a liderança econômica em vários continentes, aliado ao fato de que os chineses vêm apoiando  governos totalitários e governos simpatizantes ou ideologicamente similares aos seus, nos continentes Sul Americano e Africano com a finalidade de impor de maneira multidisciplinar o seu sistema uni- partidário para a consecução dos objetivos econômicos e geopolíticos.

É exatamente nesse ponto que se encaixa o projeto chinês de uso intensivo de tecnologias de IA e aparelhamento militar, sendo a IA um fator multiplicador de força gigantesco, seja para uso no campo interno ou externo.

Dito isso, é lícito supor que a China e seus aliados irão para uma fase de “aproveitamento do êxito” no pós-depressão econômica mundial acelerando as suas atividades em busca da supremacia geopolítica.

Os aspectos acima mencionados levam a crer que os líderes das potências econômicas e hegemônicas, particularmente da maior potência militar e econômica do mundo, poderão, ou ao menos já estariam planejando, dentro da ótica do jogo de xadrez geopolítico mundial, uma virada ou retomada das rédeas para a manutenção do equilíbrio do poder.

Concluímos projetando um significativo reajuste das peças do xadrez geopolítico por meio de ações multilaterais no nível mundial para o devido realinhamento do poder, por meio de medidas conjuntas de impactos socioeconômicos decididas em blocos.

Além da grande possibilidade do acirramento, devidamente planejado e conduzido, de determinados conflitos regionais como ferramenta de retaliação e de reajuste dos níveis de influência continentais nos campos militares e econômicos, por parte dos países afetados no pós-depressão do Corona Vírus.

Referências

Cel R/1 FEsp Mario CALDAS é Oficial de Infantaria da Reserva do Exército Brasileiro. Paraquedista Militar, Comandos e Operador de Forças Especiais.

CMG(FN-RM1) Andre ACCIOLY Vieira é Oficial Fuzileiro Naval da Reserva. É Mestre em Sistemas e Computação pelo Instituto Militar de Engenharia e Doutorando em Ciência da Computação pela Nova Southeastern University.

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Comentários

3 respostas

  1. Gostaria de cumprimentar os autores do artigo e Sr. diretor do site, excelente análise. Por muitos anos eu acompanhei esta publicação na versão impressa, e agora no site. No que se refere as forças dominantes mundiais econômicas e militares, parece que estamos vivendo um momento importante na história humana moderna. O mundo construído pós segunda guerra, esta esgotado em muitos sentidos. O domínio ocidental construído pelo Império Anglo Americano e seus aliados, os países derrotados na segunda guerra e ocupados com bases militares conduzem o cenário político e econômico e militar do mundo atual. Com a derrocada da União Soviética, e destruição (de ambos lados) de grande parte do arsenal nuclear, os estadunidenses lançaram seu projeto (Total Full Dominance) domínio de todo o espectro no final dos anos 90- cujo objetivo era ser líder em todas as áreas e não dar espaço para uma eventual potência ressurgente, no caso ‘a Russia. Assim, os EU aumentaram seu gasto militar de maneira muito forte, multiplicando por três suas despesas, consequentemente alimentando o complexo militar já muito poderoso, isso pós abaixo o chamado MAD ( forças e armas nucleares que garantiriam a destruição mútua em caso de guerra nuclear ) A Russia fraca e sofrendo uma guerra civil na chechenia, não poderia responder a tamanha força dos norte-americanos; parecia que o mundo seria unipolar com um só pais mandando em todo mundo. Ai, veio a chamada guerra ao terrorismo e o ataque e invasão do Iraque e Afeganistão e ataque a outros países do Oriente Médio, o que mostrou uma certa dificuldade do Império Anglo-Americano em lidar com tal projeção. Isso levou ‘a Russia a se aproximar da China e dos países da antiga União Soviética. O que estamos vendo agora com a ascensão da China e Russia é a volta de um mundo bipolar ou multipolar, com várias potência dominando em sua região e não apenas o Império Anglo-Americano,; isso implicará em muitas coisas como uma força eurasiana ligando Ásia e Europa por terra, passando por Russia e Oriente Médio com comércio e tecnologia, novas instituições, e “nova moeda”, em substituição a Onu, Banco Mundial, FMI todos de domínio norte-americano e seu ´dólar., Isso tudo restaurando antigas rotas da seda, pode explicar muito das guerra na Síria e cerco ao Irã. O continente euro-asiático é o maior do mundo, quem dominá-lo, dominará o mundo. A China com a Russia parece querer criar uma poderosa força terrestre em oposição ao poder marítimo dos EUA e GB. A China enfrentou `várias misteriosas epidemias´, como a gripe aviária. SARS, H1N1, e no ano passado uma misteriosa gripe suína que a obrigou a sacrificar metade do seu rebanho de suínos, impactando na alimentação da sua população, agora vamos ver nos próximos anos o arranjo geo-politico do mundo…

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