Até pouco tempo atrás, os EUA tinham o domínio e a exclusividade de ter em serviço as chamadas aeronaves invisíveis ao radar. De caças à bombardeiros estratégicos, operou de forma quase impune em céus de espaços aéreos protegidos pela defesa antiaérea em locais extremamente perigosos e contestados.
Os EUA continuam dominando o uso dessa tecnologia, mas a mesma foi “popularizada” para outros 16 países que tiveram acesso ao Lockheed Martin F-35 Lightning II. Com mais de 935 aeronaves entregues, as promessas de voar este caça por um preço cada mais baixo devido à sua cadência de produção, tanto de compra quanto de operação, tem atraído cada vez mais a atenção de países que desejam ingressar nessa nova era.
Mas a chegada de novas gerações de caça ao mercado levanta uma questão muito interessante. Seria o fim da linha para os tipos de 3ª e 4ª geração? Numa arena de combate, quem não voar um avião com as características de furtividade de um F-35, não terá chance de sobrevivência?
A resposta é: depende do cenário geopolítico ao seu redor, da frota que hoje está em operação nesse país e do seu orçamento de defesa.
Situações e situações
Em 1963, antes da revolução islâmica no Irã, o Shah pediu ajuda aos EUA para resolver um problema com os curdos que se estabeleceram de forma independente nas montanhas ao norte do país.
Apesar de contar com uma força aérea muito moderna e bem treinada naquela época, os caças North American F-86 Sabre não tinham condições de conduzir missões de contra insurgência para expulsar os curdos especialmente devido às distâncias das suas bases de origem até aquele teatro de operações.
Atendendo ao pedido do seu então aliado, os EUA mandaram uma missão militar que viu a solução daquele problema em alguns exemplares de um outro projeto de sucesso da North American, os treinadores avançados T-6, e mais um ou dois Douglas C-47 de transporte. Perto do outros tipos da época, esses não tinham o mesmo brilho nem mesmo apresentavam uma boa aparência, pois já se aproximavam das suas aposentadorias. Mas para aquele contexto operacional, os T-6 convertidos em plataformas armadas com foguetes Zuni de 12,7mm e metralhadoras .30 polegadas, enquanto os C-47 faziam missões de apoio logístico e guerra psicológica, aquelas ferramentas de voo foram suficientes para elevar o moral das tropas iranianas e expulsar os curdos para além da fronteira do seu país.
E esse exemplo se repete ainda nos dias de hoje.
O contexto operacional e o cenário geopolítico no entorno de uma região, somado aos orçamentos de defesa de cada nação, são determinantes para qual tipo de equipamento é o ideal para manter as respectivas soberania e a segurança.
Se antes os projetos de aeronaves evoluíam muito rapidamente e pouco se falava sobre a modernização desses vetores com equipamentos e sistemas mais modernos, hoje as tecnologias presentes em caças da classe 9G e que voam a acima de Mach 2 podem estar disponíveis em turboélices que decolam de pistas de areia ou terra para buscar terroristas no deserto.
Armados com metralhadoras e, em algumas situações, também com lançadores de foguetes, os Embraer Super Tucano que há tempos voam na Mauritânia neutralizaram terroristas e contrabandistas de armas e drogas que passavam pelo deserto do seu país. Na Colômbia, os mesmos aviões infringiram consecutivas derrotas contra a narco guerrilha nas selvas abrindo o caminho – que depois foi fechado pelas controversas políticas, para um cenário mais favorável à segurança interna. Há vários outros casos que poderíamos citar.
Querer x Poder
Assim como o Super Tucano, outras plataformas mais baratas e menos complexas que um caça de 5ª geração voam com óculos de visão noturna, possuem head-up display, sistema HOTAS, mira montada no capacete (HMD), utilizam avançadas suítes de guerra eletrônica e armamentos de precisão como bombas guiadas a laser e mísseis ar-ar. Para países com orçamentos mais restritos, um caça de projeto dos anos 1960 e 1970 pode passar para a 4ª geração mantendo-se atual e capaz de combater as ameaças que potencialmente podem surgir no seu entorno. A América do Sul traz vários exemplos dessa natureza: o Brasil com os Northrop F-5M, o Chile os F-5E/F Tiger III e a Colômbia com o IAI Kfir C10/C12 conseguem manter um nível satisfatório de defesa aérea, dando aos seus pilotos acesso às tecnologias mais modernas resultando na aplicação de doutrinas que coincidem com aquelas usadas pelas maiores forças aéreas do planeta.
Ainda no cenário regional local, vários países estão em busca de atualizar as suas respectivas aviações de caça. O Chile pretende padronizar e modernizar a sua frota de F-16 (que consiste em tipos MLU usados da Holanda e Block 50 adquiridos novos de fábrica); a Colômbia avalia o substituto do IAI Kfir; a Argentina procura um solução para os veteranos, mas ainda capazes, A-4AR; e o Peru e o Equador necessitam, da mesma forma, renovar as suas frotas que deverá acontecer por meio de aquisições de novos vetores. Mas nenhum desses países, por várias razões, avalia um caça furtivo ao radar.
Em primeiro lugar, pelos custos de aquisição e operação. Por mais que o preço do F-35 esteja caindo nesses dois aspectos, a chegada de vetores dessa nova geração impactam em todo um ecossistema que o acompanha, e a infraestrutura de solo talvez seja a principal delas.
Por ser mais complexo, necessita de instalações mais adequadas; com maior segurança orgânica e de proteção de dados; oficinas de manutenção mais modernas; simuladores de voo mais complexos; novas estações de planejamento e suporte à missão; paióis mais adequados para armazenar os armamentos e muitos outros detalhes.
Além disso, a manutenção do revestimento de toda a sua superfície, que contribui para manter a invisibilidade diante dos radares, também é onerosa e, no caso do F-35, já demonstrou a demanda de muitos cuidados e atenção. Em outubro de 2019, o primeiro exemplar da Força Aérea da Holanda foi recebido na Base Aérea de Leeuwarden com um banho de espuma, ao invés da tradicional água. Por conter substâncias que podem ser corrosivas ao material absorvente, a aeronave teve que passar por inspeções ao longo de três semanas para garantir que o motor e a superfície da fuselagem não foram afetados.
Outro problema com o F-35, que usa um novo motor, é o conhecimento da previsibilidade dos gastos que os serviços aéreos terão com ele no decorrer dos anos.
Sobre o motor, que é um desenvolvimento novo para essa aeronave, a própria fabricante ainda está aprendendo sobre o projeto conforme o mesmo continua no processo de amadurecimento. Por ser uma aeronave muitos sistemas embarcados, o motor tem trabalhado acima dos parâmetros o que tem acelerado o desgaste dos seus componentes e, por consequência, exigido intervenções e manutenções mais frequentes. Por isso, haverá um custo extra e não previsto de 38 bilhões de dólares pelas próximas décadas.
A falta de um conhecimento completo sobre esses novos projetos, pelo fato de ainda estarem numa curva de aprendizado do comportamento dos seus sistemas e aviônicos, é uma vantagem para modelos de caças que usam motores já consolidados ou que tenham uma operação mais simplificada e dominada por todos àqueles que a operaram. Apesar de ser um projeto dos anos 1960, a família de caças F-5E/F deverá continuar em serviço, em vários países do mundo, pelo menos até a década de 2050, incluindo nos EUA.
Ainda que qualquer nação da América do Sul receba autorização para comprar o F-35, todos esses aspectos logísticos e de manutenção serão levados em consideração. Além disso, há uma pergunta natural: um caça de 5ª geração é necessário na região?
Por enquanto, e pelas próximas décadas, não.
Aqui não vivemos um período da chamada “corrida armamentista” como foi visto no passado. Hoje, a situação é oposta, com governos retirando investimentos da área de defesa e com a pouca verba destinada para aquisições sendo concentrada em aeronaves de transporte logístico, incluindo helicópteros, uma vez que esses podem prover um papel mais assistencialista às populações – uma necessidade tão importante quanto os aviões de caça.
De maneira global, há mais países interessados em adquirir ou modernizar a sua frota do que dar um passo em direção à quinta geração. Além disso, há mais programas em desenvolvimento de caças de 4ª geração do que comparado aos tipos furtivos.
Se por um lado cada vez mais há novas tecnologias destinadas para a aviação de caça, por outro a realidade econômica mundial ainda vai levar um tempo para acompanhar a renovação das frotas aéreas pelos modelos de nova geração.
Ainda que esses ofereçam uma série de vantagens, a disponibilidade na linha de voo, a dificuldade na manutenção e o fato de ainda não terem atingido um nível de maturidade desejável pelos seus operadores, forças aéreas com orçamentos mais restritos continuarão optando pela modernização das suas frotas ou a aquisição de caças de 4ª geração que, por muitas décadas, continuarão compondo a espinha dorsal da defesa e da soberania dessas nações.
Respostas de 7
É muito complicado ver uma afirmação de que não se necessita de um caça de quinta geração, por conta do panorama desta região, indicando ainda um período de “próximas décadas”…
.
Em um primeiro momento, o maior de todos os argumentos para defender um caça de quinta geração, é o ciclo de renovação de meios da aviação de caça. Basta ver o cenário atual, onde passaram-se décadas sem existir uma real renovação dos meios. O que tivemos, não passou de solução tampão ou modernização. Desta forma, o F-39 deverá ser tratado como primeira linha ao longo da próxima década, ao passo que F-5 deverá ser a segunda linha da FAB.
.
No entento, é temerário entender o Gripen como uma “solução definitiva”… A FAB necessita reduzir o seu ciclo de renovação a atualização tencológica e isto deve contabilizar o futuro de médio e longo prazo. Para isto, será fundamental adquirir novas capacidades, evitando assim incorrer na atual situação, onde passar de um vetusto F-5 para um F-39, se tornou um salto tecnológico gigantesco.
.
Já em termos de capacidades, existiriam pontos óbvios a destacar no tocante ao caça de quinta geração. O mais clássico, seriam os benefícios agregados a sobrevivência do conjunto de nossa “meia dúzia” de diferentes meios. Em uma simples análise, dentro de um contexto onde a força terá de realizar SEAD/DEAD, o caça de quinta geração seria um tremendo diferencial…
.
Outro ponto fundamental, é que o F-35, por exemplo, se consolidou como o caça de quinta geração com maior presença ao redor do mundo. Adquirir um caça que possuí presença em difentes forças e TOs, possibilitaria a FAB diversas oportunidades, no tocante a obtenção de conhecimentos práticos de como combater COM e CONTRA este tipo de aeronave. O peso estratégico de possuir este vetor tais conhecimentos, perante um mundo polarizado, onde a rivalidade dos EUA para com China só tende a aumentar, é muito significativo!
.
Quanto maior for o gap tecnológico entre Brasil e demais atores governamentais ou não, dentro de nosso TO, menor tende a ser a quantidade de brasileiros mortos no emprego conjunto das forças. A paridade de capacidades, sempre é terrível e cobra um preço muito elevado. A situação na Ucrânia é o exemplo mais atual disto. E ai voltamos para a questão inicial, de evitar o cenário atual e estabelecer menores ciclos de renovação.
.
Por fim: nossa região me parece ser uma régua muito pequena para mensurar o futuro da FAB.
Concordo plenamente!
Os EUA já está trabalhando numa próxima geração de caças.
Não podemos ficar duas gerações atrasados.
Agora, se o Chile, a Colômbia e outros não quiserem se atualizar por não se sentirem ameaçados, o problema é deles.
Bardini, passamos pela 4ª geração quase toda sem um caça de 4ª e, na prática, isso não foi nenhum problema para nós.
Além disso, pouquíssimos países têm capacidade de projeção de força aqui na Am do Sul e para nos defendermos desses, talvez um míssil anti-navio mais capaz e com maior alcance seja mais eficiente, inclusive considerando o custo, que um avião de quinta geração.
Am do Sul é realmente uma régua muito baixa, mas é a régua do nosso TO.
Acredito que a escolha do vetor tem menos a ver com a geração dele e muito mais com o que se projeta, ou seja, o cenário efetivamente de emprego. Os gaps tecnológicos devem ser atenuados sim, mas entendo que o principal é gerar uma força que seja capaz de combater. Quando se olha para todo o sistema, é necessário entender a ameaça mais provável para gerenciar os recursos. Pode ser necessário 5a geração.
Mas como a conta é complexa, é muito difícil afirmar somente por uma reduzida quantidade de variáveis.
Cada arma, cada equipamento tem seu uso.
Assim como na década de 1970 vimos chegarem os aviões de 4ª geração, ainda com muitos problemas, e apenas na década de 1980 atingiriam a maturidade, agora vemos a ampliação da 5ª geração. Como, além dos EUA apenas a China foi capaz de construir e colocar um avião de 5ª em operação, ainda há tempo para os países periféricos, como nós, chegarem lá.
Mas em uma guerra, onde aviões de 5ª geração enfrentassem adversários de 4ª geração, provavelmente seria uma lavada comparável à que os F-14 iranianos deram nos Migs iraquianos nos anos 1980.
E a FAB penando para receber aviões de 4. geração, até agora nem meia dúzia chegaram. deveriam desistir de comprar mais gripen além dos 36 já acordados e pensar em outras aeronaves.
Mauricio, qual aeronave vc sugeriria?
O F-35 que teve a venda negada para a Turquia, EAU, e Tailândia ou outro avião de 4ª geração, já que os EUA não vendem o F-22 e a China não vende o J-20 e não há outro avião de 5ª geração operacional?