Na grande sala de integração de satélites do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), um grupo de engenheiros brasileiros e chineses se aglomera ao redor do corpo metálico e ainda nu do novo Satélite Sino-Brasileiro de Recursos Terrestres, o CBERS 4A.
Vestindo jaleco, touca e sapatos especiais, eles examinam e testam cada um dos equipamentos que planejam enviar ao espaço.
Previsto para ser lançado em dezembro de 2018, mas já adiado para meados de 2019, o CBERS 4A é uma das vítimas mais ilustres da crise de recursos humanos e financeiros que ameaça paralisar projetos e serviços essenciais do INPE.
Entre eles, o monitoramento da Amazônia e as “previsões numéricas” do tempo, que são a base de toda a meteorologia nacional.
“A situação é terrível”, diz o diretor do instituto, Ricardo Galvão. O orçamento real do Inpe encolheu quase 70% nos últimos sete anos, de R$ 326 milhões, em 2010, para R$ 108 milhões, em 2017, segundo dados obtidos pelo jornal ‘O Estado de S. Paulo’ e corrigidos pela inflação. Já o quadro de funcionários encolheu quase 25% em dez anos.
Para 2018, a tendência é piorar. A proposta do governo é cortar 39% do orçamento de todos os institutos e autarquias ligadas ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, incluindo o INPE e a Agência Espacial Brasileira (AEB).
“Esse corte certamente implicará a descontinuidade de alguns programas de grande relevância no instituto”, alerta Galvão. “Tenho sérias dúvidas se vamos conseguir renovar essa colaboração com a China.”
O CBERS 4A (PRONUNCIADO “CIBERS”, NA SIGLA EM INGLÊS) É O SEXTO SATÉLITE PRODUZIDO EM PARCERIA PELOS DOIS PAÍSES. DOTADOS DE CÂMERAS QUE ESCANEIAM CONTINUAMENTE A SUPERFÍCIE TERRESTRE, ELES PRODUZEM IMAGENS ESSENCIAIS PARA O PLANEJAMENTO E MONITORAMENTO DE SAFRAS, GESTÃO DE RECURSOS HÍDRICOS, PLANEJAMENTO URBANO, CONTROLE DO DESMATAMENTO E OUTRAS APLICAÇÕES. AS IMAGENS SÃO DISTRIBUÍDAS GRATUITAMENTE ONLINE PARA MILHARES DE USUÁRIOS, PRINCIPALMENTE DO SETOR AGRÍCOLA.
Cegueira espacial
Já existe a intenção de renovar a parceria para a construção de mais dois satélites, mas o CBERS-4, que é o único ainda operacional em órbita, dificilmente viverá o suficiente para isso – sua expectativa de vida útil se encerra agora, em dezembro. A partir daí, ele pode parar de funcionar a qualquer momento, deixando o Brasil “cego” no espaço.
“O CBERS 4A foi concebido para preencher essa lacuna entre o fim da vida do CBERS-4 e a concepção da próxima geração de satélites”, diz o coordenador do Segmento Espacial do programa, Antonio Carlos Pereira Junior. O projeto do 4A é quase idêntico ao dos CBERS-3 e 4, aproveitando peças sobressalentes para encurtar ao máximo o tempo necessário para colocá-lo em órbita. Ainda assim, os entraves burocráticos, jurídicos e financeiros são muitos, diz Pereira Junior.
Para voar em dezembro de 2018, diz ele, o contrato de lançamento deveria ter sido assinado em junho – com 18 meses de antecedência, pelo menos, por causa de todos os preparativos necessários. A dúvida agora é se haverá recursos suficientes nas contas do ano que vem para lançá-lo em 2019. “Corremos o risco de ter o satélite pronto e não conseguir lançá-lo.”
O orçamento aprovado para o programa CBERS neste ano foi de R$ 70 milhões. Em meio a cortes e contingenciamentos, porém, o INPE recebeu menos da metade disso: R$ 31,5 milhões.
O custo do lançamento é de US$ 15 milhões para cada país (cerca de R$ 50 milhões, pela cotação do dólar).
ImpactosOutro projeto ameaçado pelo aperto fiscal é o do “Amazônia 1”, primeiro satélite de Observação da Terra completamente projetado, integrado, testado e operado pelo Brasil., que está em construção no Laboratório de Integração e Testes (LIT) do INPE.
A meta é ter o satélite pronto em janeiro de 2019, mas contratos e licitações que precisam ser feitos com antecedência estão caindo em atraso.
Tanto o CBERS quanto o “Amazônia” são considerados essenciais para que o Brasil não dependa exclusivamente de satélites estrangeiros para monitorar seu território.
Dos R$ 58 milhões previstos no orçamento deste ano, o projeto recebeu só R$ 15 milhões.
O INPE gasta US$ 250 mil por ano comprando imagens dos satélites Landsat (americano) e Resourcesat (indiano), indispensáveis para o monitoramento do desmatamento na Amazônia – complementadas pelo CBERS-4.
Mas até para isso o INPE está sem recursos, afirma Galvão. “Não paguei o contrato do Landsat este ano, e não sei como vou pagar no ano que vem.”