Tecnologia & Defesa retornou à Base Aérea de Palmachim, uma das mais importantes da Força Aérea de Israel. Nesta oportunidade, o jornalista Kaiser David Konrad conversou com tenente-coronel Rami Schayek, comandante do 161º Esquadrão, sendo esta a primeira vez que a imprensa brasileira foi autorizada a conhecer o trabalho de uma unidade de aeronaves remotamente pilotadas (ARPs) em uma das instalações mais secretas das Forças de Defesa de Israel (FDI), onde, entre outros, operam o 151º Esquadrão de Testes de Mísseis, a 167ª Ala da Defesa Aérea Ativa, está localizado o centro de lançamento de foguetes espaciais do tipo Shavit, e onde foram testados os mísseis balísticos Jericó.
O 161º Esquadrão está equipado com o Hermes 450, uma ARP tática expedicionária multimissão de alta performance, desenvolvida pela Elbit Systems, sendo a plataforma primária das FDI nas ações de contraterrorismo. Uma aeronave madura e provada em combate com mais de 300 mil horas de voo operacionais. O Hermes 450 incorpora sistemas e sensores no “estado-da- arte”, podendo acomodar duas confi gurações distintas, que incluem EO/IR/laser, SAR/GMTI e MPR/ COMINT/COMMJAM, ELINT, sistemas hiperespectrais além de outras capacidades desenvolvidas e customizadas pelo próprio usuário, como é o caso da Força Aérea Israelense.
A seguir, os principais trechos da conversa com o comandante da unidade.
O 161º ESQUADRÃO
Eu tenho 37 anos, vivo com minha família aqui na própria base, sou um operador de ARP desde 2001, servindo em pelo menos dois esquadrões de ARPs na Força Aérea, tendo trabalhado no quartel-general, onde eu era responsável pelas operações dessas aeronaves. Nós somos o operador de Hermes 450 na FAI e temos aqui na base um outro esquadrão, gêmeo ao nosso. Ambos estão passando por uma fase de transição ao receber os novos Hermes 900, sendo que nós devemos ter as primeiras aeronaves já no ano que vem. Nosso Esquadrão, conhecido como “Black Snakes”, é formado por dois elementos, uma unidade de voo e outra técnica. No caso da segunda, seus integrantes vêm da escola técnica da Força Aérea, onde em dois meses aprendem a preparar uma ARP, seus sensores e subsistemas, reparar, manter e a colocar em voo. Já a unidade de voo é formada por operadores e pilotos externos. Todos vêm da escola de ARPs, que funciona aqui mesmo e é responsável pela formação.
TORNANDO-SE UM OPERADOR
Na doutrina da FAI, os pilotos de ARP não precisam necessariamente ser pilotos militares e saber voar. As aeronaves são sofi sticadas o sufi ciente para voarem sozinhas; nós apenas precisamos monitorá-las e dizer o que devem fazer. Portanto, não precisamos de pilotos “reais”. No passado nós dissemos para o fabricante que queríamos uma aeronave que pudesse ser voada por “não-pilotos”. Mas o que realmente fazemos é pegar pessoas que foram para Academia da Força Aérea, serviram lá por pelo menos um ano e meio, e que fizeram o treinamento básico de voo, alguns com dezenas de horas de voo, mas que não fi nalizaram o curso. Essas pessoas têm um conhecimento mínimo sobre a dimensão do voo, sabem se comunicar com os órgãos de tráfego aéreo e outras aeronaves, seguir uma rota e as normas de operação, fazendo toda a coordenação necessária para um voo seguro. Quando chegam a Palmachim fazem um treinamento básico de seis meses para se qualifi carem como operadores. Depois disso realizam um curso de três meses focado na missão.
Ao término são recebidos no Esquadrão como operadores. Depois de um ano de atuação, existe o curso de Comandante de Missão e, depois de qualifi cados, podem executar missões básicas. Passado outro ano os pilotos seguem para o quartel-general onde fi cam por dois anos, ou vão para a escola de ARPs, como instrutores. Após essa etapa, retornam ao Esquadrão para mais um ano de serviço. Neste momento fazem um curso avançado formando-se em Comandante de Missão em Tempos de Guerra, pois nós entendemos que conduzir missões durante a guerra é muito mais complexo do que as de rotina, já que envolvem diferentes ameaças,
ferramentas, missões, regras de engajamento; o espaço aéreo está cheio de outras aeronaves e nós precisamos saber como trabalhar com cada uma delas, em diferentes cenários e circunstâncias; e também como trabalhar com as tropas no solo. Os comandantes que possuem apenas o treinamento básico não têm essas qualificações.
No total são cinco anos de formação e trabalho como operadores de ARPs. Findo esse tempo, vão para a reserva, mas uma vez por semana retornam ao Esquadrão para executar missões reais ou de treinamento. Cerca de 50 pilotos da reserva apresentam-se semanalmente para o serviço. Ficam dentro do shelter por quatro horas antes de um descanso de oito horas. Em seguida são mais quatro horas de serviço, podendo totalizar até 12 horas dedicados à missão num único dia. Um operador experiente se habitua à sua área de reconhecimento em poucos minutos, mas o limite de trabalho é de quatro horas. Sabemos que, depois disso, começa a perder a capacidade de percepção, porém esse período é suficiente para ele ter a consciência situacional da missão e do terreno sobrevoado.
AS MISSÕES
Se olharmos para as missões em tempos de paz, temos quase todos os dias e noites, em todas as horas, pelo menos dois Hermes 450 no ar. Eles estão realizando missões de reconhecimento para a Força Aérea ou para os Comandos de Área, em prol do Exército, detectando distúrbios e ajudando na captura de terroristas. Todas as noites, uma fração das forças terrestres está engajada numa missão de busca e captura de terroristas em algum lugar da Cisjordânia, e sempre os acompanhamos fornecendo inteligência e imagens em tempo real para o quartel-general, que se comunica com os militares no terreno, passando as informações necessárias. Temos condições para fazer a comunicação diretamente com a tropa no solo, e às vezes o fazemos, mas por uma questão doutrinária, a tropa deve estar concentrada na missão e apenas receber as informações estritamente necessárias. Quando nossos soldados estão entrando num vilarejo, ou progredindo no terreno, nós fazemos o reconhecimento do caminho à frente, ou ao redor, em busca de explosivos improvisados, emboscadas, “snipers”. A partir daí damos luz verde ou o alerta com a informação precisa sobre as ameaças. Os terroristas contam com um bom sistema de alarme e inteligência e quando nossa tropa se aproxima da área de ação eles podem ser alertados e tentar se evadir. Nesse caso nós acompanhamos os alvos em sua rota de fuga, atualizando o cenário tático para a tropa.
Há ocasiões em que temos picos de atividade e precisamos operar de forma diferente. Como exemplo, recentemente, nós tivemos lançamentos de foguetes da Faixa de Gaza. As FDI fizeram uma demonstração de força e decidiram atacar os campos de treinamento do Hamas, mostrando que um ataque de foguetes contra Israel não seria tolerado e que eles seriam os responsáveis por qualquer coisa que viesse a acontecer ali. Nós queríamos destruir seus campos de treinamento, mas não queríamos infringir qualquer dano colateral, evitando provocar vítimas civis. Não nos preocupamos com o inimigo, apenas com os civis que podem viver ou estar na área adjacente. Nossa missão era olhar para os alvos e ver se alguém poderia sair ferido daquele ataque aéreo, e tudo isso em tempo real. Podemos pedir para uma aeronave abortar sua missão se detectamos civis na área.
Também ensinamos nosso pessoal a encontrar traços que possam revelar a presença de civis na zona de ação. Por exemplo, sabemos que o Hamas requisita casas de civis para estocar armas e munições. O que fazemos? Olhamos para a construção e confirmamos se ela está sendo realmente usada por civis. Se existem carros no lado de fora e se seus motores estão quentes, sabemos que existe alguém lá. Podemos ver as caixas d’água e os canos de distribuição e, se a água estiver quente, entendemos que alguém a está utilizando. Nesses casos, as FDI, através dos seus canais, enviam um alerta antecipado sobre o que vai acontecer, pedindo que as pessoas deixem o local, e nosso trabalho é garantir que ninguém estará lá quando as bombas caírem. Não foi para isso que as ARPs foram criadas, mas nós entendemos que para permitir que as FDI mantenham a habilidade de atacar, seja em tempos de paz ou de guerra, nós fazemos este procedimento para garantir que civis não saiam feridos em decorrência dessas operações.
Outra missão de grande complexidade é conduzir ataques aéreos contra veículos em movimento para eliminar onde ou quando vai terminar, o exato momento em que a bomba vai explodir o alvo. Reconhecemos toda a área para nos certificarmos de que não importa a rota que o alvo siga, que civis não sairão feridos desse ataque. Isso tudo é feito em tempo real, pois o veículo está em movimento e precisamos passar a informação exata para o helicóptero ou o caça sobre o momento certo para desferir o ataque com precisão. A aquisição de alvos é nossa responsabilidade, mas uma vez que nós o passamos para a aeronave que vai realizar o ataque o nosso trabalho é apenas olhar ao redor.
A Faixa de Gaza possui uma alta densidade populacional e, às vezes, é tão complicado de operar que lançamos uma segunda aeronave para apoiar o nosso trabalho. Não raro, preferimos perder o alvo e não atacá-lo no mesmo dia para evitar danos colaterais. São coisas que aprendemos no decorrer dos anos. Se você olhar para as vítimas civis em 2003, ou mesmo antes, e comparando com agora, com o emprego dessas ARPs fomos capazes de diminuir esses números em 90%. As FDI não estão preocupadas somente em destruir melhor os alvos, mas como diminuir os danos colaterais decorrentes das ações. A maior parte dos nossos recursos está indo para essas missões.
Quando em guerras, nosso trabalho depende do estágio do conflito, principalmente se as tropas do Exército começaram a operar ou não. Antes das tropas terrestres iniciarem suas ações fazemos a coleta de informações sobre os alvos em tempo real. E temos que atualizar constantemente pois quando o conflito inicia o inimigo já se moveu e mudou o local das suas instalações, e da mesma forma temos que identificar novos alvos.
Outra missão é realizar o “Battle Damage Assessment” (BDA), a avaliação dos danos no alvo e ao seu redor, sempre preocupados com os danos colaterais. Quando o Exército entra na zona de combate a nossa função principal é escoltá-lo e garantir sua segurança, enviando informações em tempo real ao quartel-general de campanha, na linha de frente, antecipando as ameaças e, simultaneamente, designar alvos para os helicópteros de ataque engajados no apoio aéreo aproximado. Cada brigada do Exército tem pelo menos um Hermes 450 exclusivo para apoio.
O que nós aprendemos na última operação em Gaza, por causa dos túneis construídos pelo Hamas, é que a guerra mudou. Sempre tínhamos linhas muito bem definidas, sabíamos onde nossos soldados estavam e os inimigos também, agora está tudo misturado. O Hamas construiu uma complexa rede de túneis, alguns adentrando Israel. No conflito vimos nossas tropas em avanço serem surpreendidas pela retaguarda. Sabemos que o inimigo está tentando se camuflar e passar por soldados israelenses, vestidos com a mesma farda, insígnias e capacetes, comumente com os mesmos fuzis. Na dúvida, precisamos nos certificar de que aqueles são soldados israelenses. Então nos comunicamos com as tropas em solo e pedimos que façam uma contagem dos seus soldados e identifiquem suas posições. Mas isso é muito perigoso e complexo, principalmente quando se está em ambiente urbano, pois o comandante daquele pelotão pode dizer que não tem ninguém lá, mas aquela tropa pode ser de outra unidade, cada um com uma missão específica, e é preciso evitar erros que provoquem fratricídio. É sempre importante fazer uma dupla checagem das informações.
Alguns dos nossos inimigos possuem mísseis disparados de ombro (MANPADS). Quando operamos além das nossas fronteiras, voamos a uma altitude acima do envelope desses mísseis. Consideramos como uma ameaça durante uma missão os mísseis terra-ar, mas sabemos, e o inimigo também, que quando ele usar vai expor a sua localização, pois existem muitas outras ARPs naquela área que vão detectar o lançamento e, consequentemente, se tornará um alvo podendo ser imediatamente atacado. Mas, claro, nós preferimos que lancem mísseis contra nós e não contra uma aeronave tripulada.
TRABALHO FUNDAMENTAL
Quase todos os dias temos tropas do Exército em operações na Cisjordânia que são escoltadas pelo nosso Esquadrão. Vinte anos atrás fariam isso sem a nossa participação. Hoje, se não estivermos lá, provavelmente não irão. Nós também passamos a maior parte do tempo fazendo reconhecimento e durante essas missões várias situações podem acontecer. Podemos detectar o lançamento de um morteiro da Síria ou de um foguete da Faixa de Gaza, e temos a capacidade de falar diretamente com um helicóptero de ataque e passar as informações exatas do alvo para que seja atacado. Nosso principal objetivo é garantir a segurança das fronteiras de Israel, porque uma ameaça pode aparecer a qualquer momento, e precisamos estar preparados dia e noite para ela.
Kaiser David Konrad