Por Adriano Santiago Garcia
A revolucionária máquina que reconquistou a mobilidade no desgastante conflito das trincheiras europeias há mais de um século é ainda alvo de acalorados debates e opiniões sobre sua concepção e missões.
O Renault FT-17 foi o embrião da consagrada concepção do engenho batizado e reconhecido como Tank, um veículo automotor movido sobre esteiras de metal, construído em uma estrutura de maneira a oferecer uma blindagem protetora e sobre esta uma torre rotativa com um canhão.
Do conceito supracitado se postularam as três características fundamentais e quase dicotômicas que regem o projeto e construção de tais formidáveis plataformas: poder de fogo, proteção blindada e flexibilidade.
A evolução do maquinário durante o século XX brindou essas bestas com motores de grande potência capazes de gerar torque bastante para deslocar as carapaças de metal em que estão montados, incrementando os vértices do triangulo no que se refere à proteção blindada e flexibilidade.
Em um estudo de caso simplificado da formidável Arma Panzer, da Alemanha Nacional Socialista, é comum chegar às mesmas conclusões de seu Fuher, que quanto maior a arma maior será seu poder de destruição, exigindo assim de seus projetistas carros absurdo como o Panzerkampfwagen VIII “Maus” com seu canhão de 150mm.
A normatização dos calibres em dois grandes blocos, devido à bipolarização da Guerra-Fria, por muito tempo congelou o assunto acerca do aumento de calibres em tanks dado as enormes quantidades de carros a disposição de ambos os lados da “cortina de ferro”.
O início do século XXI, visto como possível fim das pesadas fortalezas de Aço teve uma imensa reviravolta com o surgimento da nova família de blindados russo, capitaneado pelo T-14 Armata e fatos geopolíticos que novamente redesenham as fronteiras.
O ocidente parte em projetos dispares devido à condição política e socioeconômica dos atores, com vias a pôr em forma suas tropas blindadas e com a pergunta de qual será o calibre do novo Tank.
- INTRODUÇÃO
O Tank é muitas das vezes o nome genérico dado pelos leigos a qualquer veículo blindado de uso militar em operações e apesar dos inventores do conceito prático, os britânicos, estamparem muitas das fotos do primeiro conflito global, com os veneráveis Tanks Mark IV, o “char d’assaut” Renault FT-17 apresentou o molde que se propagaria pelo tempo.
A farta amplitude de testes durante a Segunda Guerra Mundial foi também o palco de consolidação do Tank como protagonistas do movimento e manobras das Forças Terrestres.
Dos diversos sucessos e insucessos desenvolvidos durante o preparo e transcurso do conflito citado acima um dos pontos de curva no tocante ao armamento dos carros de combate (CC) foi a utilização Flugzeugabwehr-Kanone 88 mm, conhecido como canhão 88, como uma arma antitank.
Suas características de alcance e associados a munições perfurantes dotavam tal arma de Stand Off ¹ dos blindados aliados e sendo posteriormente embarcado no Panzerkampfwagen VI, o temível Tank Tiger.
A associação do calibre do canhão com seu sucesso como arma parece acertada de um ponto de vista linear, mas frustra-se imediatamente ao se estudar a invasão da França pela mesma tropa Panzer que a época era inferior numericamente em blindados e com inimigos como CC Char B1 que tinha armamento superior.
A intenção deste artigo não está em analisar as mentes dos comandantes das tropas blindadas nem tão pouco avaliar suas decisões em combate e sim compreender qual a correlação entre o calibre das bocas de fogo integradas as plataformas blindadas com sua adequabilidade ao emprego e neste ínterim identificar possíveis tendências para o futuro do senhor supremo do campo de batalha terrestre.
- Bocas de Fogo
As imponentes armas embarcadas em plataformas móveis ou rebocadas por tração a motor de longe escondem o penoso caminho que a ciência da guerra travou desde a criação das primeiras bombardas, para operações de sítio.
A essência da boca de fogo é um dispositivo mecânico em que o calor liberado da queima de um propelente é convertido em energia cinética para impulsionar um projetil na direção de um alvo específico.
O último argumento do Rei, frase escrita em Latim nas peças de Artilharia de Luís XIV, Rei Sol, passou por séculos de busca da maior quantidade de propelente possível, para se empurrar o projétil com maior velocidade e com mínimos danos colaterais à arma e sua tripulação.
A Artilharia do Imperador Napoleão Bonaparte fez grandes avanços no campo da Balística, ciência que Leonardo Da Vinci aprofundou estudos de disparos de setas por arcos ou balestras.
O processo científico dividiu o estudo da balística de armas de propelente químico, em quatro fases distintas: balística interna, balística intermediária, balística externa e balística terminal.
Dos diversos conceitos já mencionados será aprofundada a parte da balística interna pois está se correlaciona diretamente com a classificação por calibre dos canhões.
2.1. Balística Interna
A classificação de canhões se cerca de diferentes componentes além de seu calibre podendo ser quanto à utilização, quanto ao tipo de munição disparada ou ainda quanto ao comprimento da alma do tubo².
Consubstanciando essas diferenças podemos verificar nos canhões Rheinmetall L-44 e L-55 ambos de 120 mm contudo com o segundo tendo maior comprimento de alma que o primeiro.
Portanto a balística interna compreende todos os fatores e o estudo do movimento do projetil no interior do tubo do momento em que ocorre a ignição do propelente até o instante anterior que o disparo encontra a atmosfera exterior.
A figura a seguir determina nomes de componentes e fenômenos que doravante nortearão as conclusões:
2.1.1. Velocidade Inicial
A cadeia de eventos do acionamento do ignitor até a completa expansão dos gases tem por único objetivo imprimir ao projétil sua velocidade inicial.
A alta expectativa de impacto³ obtida pelos Tanks observada principalmente a partir da Operação Desert Storm (Iraque/Kwait 1991), torna espantoso que as munições dos CC são consideradas “burras”, ou seja, não possuem qualquer sistema de traqueamento ou busca dos alvos observados.
A velocidade inicial que o projétil obtém é derivada de três fatores: a quantidade de propelente, a qualidade da queima do propelente e o peso do projetil a ser lançado.
Existem as mais diversas cabeças de guerra das munições de Tanks e sua precisão de fabricação, com o mínimo de diferenças aerodinâmicas e de peso, são essenciais para que os Fire Control Systems (FCS) tenham a média de seus dados de massa e voo para realizar a pontaria final,
2.1.1.1. Quantidade de propelente
Desde a pólvora negra os propelentes têm evoluído em sua composição, formato e tamanho com o objetivo de poder obter-se a exata quantidade de material para disparar o tiro na maior distância e com menor desgaste possível da culatra e da alma.
Diferente dos canhões utilizados pela Artilharia, que disparam munições em trajetórias curvas, os Tanks realizam o tiro tenso observando o inimigo, conhecendo ou estimando sua distância.
As munições, portanto, já chegam às mãos das tripulações prontas para ser disparadas, seja com cartuchos prontos, que unem o projétil e a carga explosiva, ou com a cabeça de guerra separada do propelente, a exemplo dos carros russos.
A relação que importa para a fabricação da munição é a do calibre com o espaço da culatra pois após o disparo os resíduos serão descartados pela abertura da culatra.
É possível conceber que o aumento do calibre pode criar um estojo de propelente mais largo contudo se a câmara de combustão também não for alongada perde-se em velocidade inicial.
Contudo o aumento da quantidade de material explosivo pode acarretar em maiores danos transferidos ao conjunto culatra, câmara e alma, diminuindo a vida útil do material e/ou causando perda de pressão de gases diminuindo expectativa de impacto e de dano causado.
As variáveis desta equação passam ainda pelo desenvolvimento de materiais mais densos para penetração de blindagem ou de propelentes com maior poder de gerar expansão gasosa, e são essas condicionantes que colocam as indústrias em um campo mais conservador dado as vultosas somas em dinheiro no desenvolvimento e conversão de parque industrial e logístico.
2.1.1.2. Taxa de Queima do Propelente
O comportamento da queima do propelente, que é medida graficamente pela pressão gerada no transcorrer do tempo da ignição, é nada mais de como será o empurrão conferido ao projétil.
Caso seja um material que tenha uma taxa de queima muito rápida o pico de pressão será também atingido muito rápido e como consequência o atrito contra o tubo irá oferecer resistência e diminuir fatores como alcance entre outros.
Na situação diametralmente oposta o projétil irá sair do tubo sem que a pressão seja à máxima transferida e assim se perdendo no ambiente.
A empresa Rheinmetall, fabricante dos canhões L-44 de dotação dos Leopard 2A4 e 2A5 aumentou o tamanho da alma do respectivo canhão criando assim o modelo L-55, que equipam as mais modernas versões dos já citados carros.
O aumento do tubo possibilitou a transferência de maior pressão ao projétil, antes perdida para o ambiente, aumentando a velocidade inicial e consequentemente alcance e penetração das munições.
Logo uma transferência de pressão da combustão dos gases convertendo-se assim em velocidade inicial da granada, como o mínimo de danos colaterais aos componentes de canhão e o mínimo de atrito possível, são as premissas buscadas na execução de cada disparo.
2.2. Integrando Canhões e Plataformas
Ao se analisar numericamente as grandezas e variáveis envolvidas no tiro de apenas um projétil de canhão em condições ideais são realmente surpreendentes com os avanços dos FCS na realização da pontaria a despeito dos movimentos da plataforma em que está embarcada e integrada.
A plataforma é justamente um dos principais motivos que também impedem os calibres megalomaníacos já vistos no desenvolvimento dos Tanks e outras armas com canhões embarcados.
Engenheiros apontam que a migração do atual calibre 120 mm, padrão nos Tanks da OTAN, para uma arma de 130 mm teria um aumento de peso de no mínimo 3,5 t, fator que também exigiria um redesenho de torres para comportar essas munições.
O aumento de peso pode parecer não tão importante, dadas as já massivas fortalezas que dotam as tropas blindadas, contudo quanto mais pesados os carros se tornam sua mobilidade e flexibilidades diminuem.
Reflexo direto em ter um calibre maior será o aumento da largura final das plataformas as quais já tem considerável dificuldade de deslocamento no interior de cidades e pontes dada sua construção e dimensões.
O sistema de recuo e volta em bateria, encarregados em absorver o movimento para o sentido oposto ao tiro e recolocar o canhão na posição original do disparo, terá de ser refeitos de maneira a continuar permitindo o disparo continuado em movimento sobre qualquer terreno.
A Viatura Blindada de Reconhecimento (VBR) Centauro, armada com canhão 105 mm, recua uma média de 80 cm até que os freios consigam parar o movimento da arma, aproximadamente 50 cm a mais que nas VBCCC Leopard 1.
O componente humano também deve ser colocado na balança colocando a figura do militar municiador em questão, pois até que ponto o carregamento manual será possível dada às limitações físicas humanas.
As granadas 120 mm possuem um peso médio de 20 kg e passarão a ter 10 kg a mais com o incremento de 10 mm em seu calibre.
O carregamento automático, solução para o problema do tamanho da munição, será transferido como mais um sistema suscetível a falhas o qual pode retirar um Tank de combate sem que haja nenhum impacto sobre o mesmo.
A França recentemente lançou-se em um projeto para embarcar uma arma de calibre 140 mm em uma plataforma AMX-56 Leclerc, podendo assim assumir a liderança no componente poder de fogo.
A tentativa de integração deste exato calibre remonta à tentativa má sucedida da guerra-fria a qual fracassou devido as enormes quantidades de variáveis já citadas.
A empresa Nexter, fabricante da recente versão do canhão que equipa o AMX-56 da foto divulgaram alguns vídeos de disparo sem apresentar os resultados de taxa de acertos e os efeitos colaterais dos disparos, tanto na arma quanto na plataforma.
2.3. Realidade Nacional
2.3.1. L7A3 e M68
Apenas no final da década de 90, do século passado, que o Brasil receberá seus primeiros Tanks mais alinhados, apesar de já defasados, com os calibres normatizados pela OTAN.
O entendimento geral é que os novos vetores adquiridos, o M60A3 TTS e o Leopard 1A1 BE, por possuírem o mesmo calibre podem compartilhar munições e outras características.
Tal verdade começa a desfazer-se pela simples observação de construção dos canhões, o M68 e o L7A3, dos M60 e Leopard 1A1, respectivamente.
O canhão americano possui uma culatra que ao se abrir desliza para baixo, característica mantida na versão 120 mm do Tank Abrams, ao passo que o modelo britânico tem culatra que desliza para a direita para abrir.
As curvas de pressão não deixam dúvidas acerca de como cada tubo irá acelerar o projetil até o momento de saída pela boca de fogo trazendo assim variações na velocidade inicial e suas consequências.
As grandezas envolvidas com maiores calibres vão aumentar diretamente e proporcionalmente quanto maiores forem às quantidades de propelentes e câmaras de combustão.
Um fator que dificulta muito os estudos nacionais acerca de tais efeitos é a ausência de laboratórios ou tuneis de tiro em que se possa isolar de todos os elementos externos o disparo.
Os tubos também até hoje recebidos, nas três plataformas blindadas 105mm, estão muito heterogêneos visto que não são novos e já vem de uso pregressos estando alguns próximos a ser condenados.
A manutenção de tais armas demanda equipamentos e laboratórios de precisão de maneira a um correto monitoramento do comportamento e vida útil de maneira a não gerar gastos em disparos incorretos.
- CONCLUSÕES
O calibre das armas é sempre alvo de fascínio e prematuras opiniões acerca do real poder destrutivo desses artefatos.
É notória a complexidade de se unir o disparo de grandes armas a veículos que entregam tal poder de fogo com precisão em alvos a quilômetros de distância da origem do disparo.
Na operação “Desert Storm” (Kuwait/Iraque 1991) um Tank Challenger I do Exército Britânico acertou um alvo a mais de 4 km de distância, sendo até hoje um recorde em tal feito.
A precisão envolvida em tais tiros é tamanha que um desvio de apenas um milésimo no momento do disparo irá desviar o projétil linearmente dez centímetros do local de visada.
Outro aspecto não militar envolvido em tal assunto é a necessidade da sinergia dos equipamentos militares com o parque industrial ou planos de parcerias e aquisições.
Nada adianta estar armado com blindados corretos e não ter capacidade de produzir ou comprar munições e equipamentos para a manutenção do mesmo fazendo a frota degradar-se ou até o apelo para a canibalização dos Tanks.
A aquisição de veículos de segunda mão irá continuar a fornecer um material militar que dificultará pesquisas e estudos acerca de tal assunto em território nacional sendo necessário se valer de material produzido no exterior.
O clamor por calibres cada vez maiores, como o 120 mm também pode rapidamente se tornar em uma armadilha ainda mais quando se trata de armas ainda nunca utilizadas, necessitando um período de transição para tais equipamentos.
A indústria de defesa tem apresentado soluções com o calibre 105 mm, pois tal arma ainda se encontra em uso tanto embarcada no Stryker quanto em Exércitos com poderosas forças blindadas como Turquia.
Sempre o conhecimento e pesquisa acerca do assunto aliada a uma planilha orçamentaria realística, tanto imediata quanto de um futuro próximo, irão apresentar a melhor e mais potente solução para manter o Tank como senhor supremo do campo de batalha terrestre.
¹ É a vantagem obtida quando as armas de tiro direto possuem maior alcance eficaz
² Tamanho do tubo real descontando a culatra e a câmara de combustão;
³ Possibilidade de impacto do alvo no primeiro disparo contra o mesmo.
REFERÊNCIAS
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______. ______. IP 17-82: A Viatura Blindada de Combate – Carro de Combate Leopard 1A1. 1. ed. Brasília, DF, 2000.
CHILE. EJÉRCITO. Cartilla Operación del tanque Leopard 2A4. 1. ed. Santiago, 2014.
DEFESA. Ministério. MD 33-M-02: Manual de Abreviaturas, Siglas, Símbolos e Convenções Cartográficas das Forças Armadas. 1. ed. Brasília, DF, 2008.
BACON, Asher. The Future Combat System. Armor Magazine, September/October 1997.
MOSS, G M; LEEMING, D W; FARRAR, C L. Military Ballistics. 2. Ed. Brassey’s, 1995.
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KREUSE, Hempel; WEISE, Thomas. tudies on Germany s Future1 0 mm Tank Gun Systems. Disponível em: < http://id3486.securedata.net/fprado/armorsite/Leo2_Files/tanks.140mm-gun.kruse.pdf >) Acesso em: 02 Jan. 2020.
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Excelente artigo!
Humildemente agradeço!
Parabéns pelo seu trabalho. Artigos como o seu com qualidade e conteúdo técnico são fundamentais para a ampla distribuição do conhecimento na nossa língua portuguesa.
Humildemente agradeço!
O canhão do maus era de 128mm
Excelente artigo, traz mais material para o tão necessário estudo do desenvolvimento de canhões pra CCs e no desenvolvimento de um próprio CC nacional, ou ainda a produção local sob licença de um canhão ou CC estrangeiro.
O interessante é que para um leigo, como eu, ficamos nos perguntando porque não fazem logo um tanque maior com arma maior e pronto. Mas vimos que há tanta coisa envolvida e muito deve ser pensado para uma produção, pois um simples aumento de milímetros muda toda a estrutura.