Uma concepção de unidade aérea.
Por Marcos Antônio Vilela Ferrão da Silva
- Introdução
“Na escuridão mais profunda, em algum momento entre a meia-noite e o alvorecer, você acredita tê-los ouvido chegar.
No princípio é apenas um pulso, um distúrbio no éter, e quando seus ouvidos se erguem e você inclina a cabeça para ouvir, uma rajada de vento abafa o som indistinto, fazendo com que volte a autoenganar-se. Você está a salvo. Eles não poderiam alcançá-lo aqui. Tão distante, tão alto, tão escondido. Eles talvez possam querer tirar a sua vida pelas coisas que você fez em nome da sua causa, mas isso não ocorrerá aqui. Não nesse lugar impenetrável. Seus batimentos cardíacos diminuem novamente. Você ri levemente dos seus próprios medos e, lentamente, começa a relaxar. Repentinamente o som retorna e você congela. É inconfundível agora. Helicópteros.
Muito antes de eles estarem sobre você, o que acontecerá muito rapidamente a partir de agora, você os vê em sua mente. Suas silhuetas negras e blindadas brilham sob a luz das estrelas. Seus motores rugem e suas pás afiadas cortam as nuvens em tiras. Atrás dos olhos sem alma, você consegue enxergar: pilotos. Suas mandíbulas rígidas, capacetes que lembram o de centuriões e os tubos brilhantes dos óculos de visão noturna. Das brânquias desses tubarões em perseguição, surgem os canos dos armamentos. Das suas laterais expostas, coturnos de inúmeros guerreiros balançam ao vento.
Você mal pode respirar agora. Nada que você possa fazer para detê-los importa. Eles continuarão vindo. Você pode fugir, mas eles irão encontrá-lo.Eles dominam a noite…”
(The Night Stalkers: Top Secret Missions of the U.S. Army’s Special Operations Aviation Regiment. Michael J. Durant, Steven Hartov e Robert L. Johnson. 2008, p.1).
O Exército Brasileiro (EB), desde a década de 1950, tem estado na vanguarda do que de mais moderno existe no emprego de tropas de operações especiais. Desenvolveu uma doutrina própria que se adequa constantemente à realidade nacional, tornando-se referência nas Américas. A vocação ímpar da Força Terrestre para esse tipo de emprego materializou-se através da criação do Comando de Operações Especiais (COpEsp), concebido aos moldes do United States Army Special Operations Command (USASOC).
Embora unidades de aviação vocacionadas para operações especiais não sejam novidade, tomando-se como base para essa afirmação os países membros da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), a sua concepção, doutrina e adestramento ainda se fazem desconhecidos em países que não as possuem. A Aviação do Exército (AvEx) vêm, ao longo dos anos, prestando apoio cerrado às demandas do seu principal “cliente”, o COpEsp, de maneira ininterrupta. Porém, a crescente complexidade das missões nas quais a AvEx se vê envolvida em apoio ao COpEsp, bem como o alto grau de adestramento requerido pelas especificidades inerentes as tropas de Comandos e de Forças Especiais, exigem que o Exército Brasileiro, inicie a concepção de uma unidade de aviação de asas rotativas especialmente vocacionada para o apoio direto ao emprego não-convencional. Afirmação essa que pode ser entendida como um desdobramento para as Forças Armadas da designação, pelo governo americano, como aliado extra-OTAN.
Unidades consagradas desse tipo, como o 160th Special Operations Aviation Regiment (Estados Unidos), 171st Aviation Squadron (Austrália), Joint Special Forces Aviation Wing (Inglaterra), 427 Special Operations Aviation Squadron (Canadá), 4e Régiment d’Hélicoptères des Forces Spéciales (França) e 3° Reggimento Elicotteri Operazioni Speciali (Itália), podem ser tomadas como exemplos a serem seguidos.
- Concepção
O que define uma tropa de operações especiais? O conceito de operações especiais, por definição, engloba todas as missões cuja capacidade de execução fuja da competência das tropas de emprego convencional, sejam elas terrestres, marítimas ou aéreas. Nos conflitos armados de quarta geração, que se caracterizam por uma geometria variável e um ordenamento difuso (pois não opõem somente forças militares especializadas, mas também combatentes irregulares em conflitos assimétricos) a importância de tropas aptas a cumprir esse tipo de operação, aumenta exponencialmente.
A OTAN definiu as operações aéreas especiais na Allied Joint Publication (AJP) 01(B), NATO Joint Doctrine “Air Operations”, como:
“…atividades aéreas conduzidas por forças especialmente organizadas, treinadas e equipadas para alcançarem objetivos militares, políticos e psicológicos específicos por meios militares não convencionais… durante tempos de paz, crise e conflito, independentemente ou em coordenação com operações de forças convencionais, e em apoio direto as tropas de operações especiais”.
Quando o conceito de operações especiais é transportado para o meio aeronáutico, as características que norteiam esse tipo de operação devem ser internalizadas pelas frações de aviação que irão, de maneira orgânica, prestar o apoio cerrado. O alto risco, a baixa visibilidade, o elevado grau de precisão e a dificuldade de coordenação e apoio são os quatro aspectos que norteiam as operações não convencionais.
A característica que define a aviação de operações especiais pode ser definida como capacidade de conduzir missões secretas, discretamente e em um ambiente de baixa visibilidade, em toda a amplidão e profundidade do campo de batalha.
A principal função de uma tropa de aviação especialmente vocacionada para o emprego não convencional, é dar suporte as principais missões desenvolvidas pelas tropas de operações especiais:
– Ação direta;
– Reconhecimento especial;
– Guerra irregular; e
– Contra terrorismo proativo e reativo.
Erroneamente, crê-se que para uma nação possuir uma unidade de aviação vocacionada para operações especiais, a mesma deve possuir equipamentos no “estado da arte” no que se refere à tecnologia. O Coronel dos Royal Marines David Heaver, ex-chefe de Operações Especiais do Comando de Operações Aliado na Europa, publicou o seguinte a cerca do assunto no Joint Special Operations University (JSOU) Report, edição 06-8, de setembro de 2006:
“As operações realizadas pela OTAN fora dos territórios dos países membros na última década, por exemplo, Kosovo, Afeganistão e Sudão, demonstraram a necessidade por tropas orgânicas de aviação de operações especiais. Porém, também mostraram que nem todos os vetores aéreos destinados às operações especiais precisarem ser aviões e helicópteros complexos e altamente capazes. Muitas missões podem ser realizadas com segurança por equipes altamente treinadas, utilizando aeronaves convencionais não modificadas, reafirmando um axioma das tropas de operações especiais: “O fator humano é mais importante que o fator material”. Levando-se em conta que os pilotos de operações especiais, voando aeronaves convencionais, as empregaram de uma forma muito mais eficiente do que os seus pares convencionais. Mais precisamente em ambientes mais severos, mitigando os riscos e usando equipamentos convencionais de maneira inovadora, provando que é a pessoa, e não a tecnologia, que define as operações especiais”.
Tal afirmação encontra eco no axioma das forças de operações especiais descrito no manual
EB70-MC-10.212 Operações Especiais, do Exército Brasileiro:
– Recursos humanos são mais importantes do que material;
– Forças de operações especiais capazes não podem ser improvisadas diante de emergências;
– Qualidade é melhor do que quantidade;
– Forças de operações especiais não podem ser produzidas em massa; e
– As operações especiais podem contar com o apoio das forças convencionais.
Corroborando com o descrito no manual EB70-MC-10.212 e com a declaração do Cel Heaver, ainda na mesma edição do JSOU Report, o Tenente Coronel da United States Air Force (USAF), Michael C. McMahon, ex-diretor da JSOU e um dos principais defensores da criação desse tipo de unidade por países membros da OTAN, escreveu:
“Nenhum dos países membros da OTAN precisará criar unidades de aviação de operações especiais que operem na vanguarda da tecnologia. Deverão, no entanto, desenvolver unidades aéreas de operações especiais com vetores aéreos orgânicos às mesmas, seleção e treinamento específicos para as tripulações, e que se integrem totalmente as tropas de operações especiais do respectivo país”.
Em seu livro Spec Ops, o Almirante William Harry McRaven, ex-comandante do Joint Special Operations Command (JSOC) afirma que tripulações especialmente selecionadas, treinadas de maneira incansável e realista, empregando as suas aeronaves da melhor maneira possível com surpresa, velocidade e propósito é que garantirão o sucesso das missões.
III. Doutrina
O manual FM 3-76 Special Operations Aviation, do US Army, consegue de maneira simples exemplificar a doutrina de emprego que deve nortear esse tipo de aviação:
“As táticas do SOAR (160th) focam na surpresa, economia de meios, manobra e simplicidade. A execução das missões deve ser realizada durante as horas de escuridão à medida que os riscos aumentam durante as operações à luz do dia. O voo à baixa altura sobre o terreno durante períodos com baixa luminosidade ambiente, ou pouca visibilidade, fornece o elemento surpresa. O treinamento de técnicas de voo noturno em formação e de técnicas de navegação de precisão permitem o acúmulo do poder de combate em um local e hora precisos. O uso de rotas indiretas explora o aumento de capacidade de alcance propiciado pelas aeronaves, e serve como meio de se evitar posições inimigas conhecidas e a população local. Permitindo que o SOAR manobre sobre a área de operações. A simplicidade só é possível devido ao alto nível de treinamento das tripulações que compõem o SOAR e pelo conhecimento pleno do equipamento que empregam. Todas as aeronaves do SOAR são equipadas com melhorias que as permitem executar navegação de precisão, comunicações de longo alcance seguras, voos de longo alcance e o emprego de armamentos com uma maior letalidade”.
Reforçando os conceitos apresentados na declaração anterior, a OTAN elenca como principais objetivos doutrinários a serem alcançados pelas unidades de aviação de operações especiais dos países membros, as seguintes capacidades:
– Transporte aéreo;
– Apoio de fogo; e
– Reconhecimento e vigilância.
Transportando os conceitos e objetivos doutrinários citados anteriormente para uma realidade brasileira e em concordância com os objetivos doutrinários do COpEsp, pode-se afirmar que a AvEx tem plenas capacidades de fornecer material humano para compor esse novo conceito de unidade.
O emprego de Equipamentos de Visão Noturna (EVN), voo tático (abaixo de 15ft), navegação tática, voo em formação e apoio de fogo já é há muito tempo empregado pela AvEx. Todavia, com a concepção de uma unidade voltada para as operações especiais, essas formas de emprego terão de ser elevados a um novo patamar.
Primeiramente, terão de ser selecionados pilotos e tripulantes vocacionados para esse tipo de atividade. Tripulações totalmente desprovidas de vaidades pueris, que tenham a capacidade de tomar riscos e que possuam internalizadas em si o conceito de train as you fight. Precisarão sempre operar empregando o conceito de “Comandos Aéreo”, ou seja, utilizando a aeronave com técnica, paciência, agressividade, velocidade e ação de choque no mais alto grau de adestramento, de forma similar a sua contraparte em solo.
Tal proficiência deverá ser obtida seguindo-se os mais rígidos critérios de segurança de voo, a qual será alcançada através das seguintes ferramentas:
– Emprego contínuo dos fundamentos do “Crew Resource Management” (CRM);
– Aprimoramento das TTP de voo, através de treinamentos contínuos e realistas, onde serão exigidos os mais altos graus técnicos e táticos das tripulações; e
– Realização do gerenciamento ininterrupto dos riscos à atividade aérea, levando-se em consideração os riscos técnicos e táticos existentes em um ambiente hostil real.
As operações aéreas especiais requerem pessoal especialmente selecionado e treinado, não podendo ser cumpridas a contento por uma tripulação convencional. Perfis de voo que são considerados perigosos ou desconfortáveis por unidades de aviação convencional, são o lugar comum de emprego das unidades de aviação de operações especiais.
Além de dominar as Táticas, Técnicas e Procedimentos (TTP) do combate aéreo, as tripulações devem dominar as TTP do combate terrestre. O fato de saber pilotar um helicóptero não será muito útil para um piloto após ele ser abatido, mas saber combater como se fuzileiro fosse, sim. Michael Durant, ex- piloto do 160th SOAR, em seu livro In The Company Of Heroes, deixa claro que todo tripulante, de uma aeronave empregada em apoio às operações especiais, deve estar sempre equipado de maneira semelhante ao operador mais desequipado que transporta. É ainda aconselhável que as tripulações utilizem uniformes semelhantes aos empregados pela tropa apoiada, tanto para estimular o espírito de pertencimento, mostrando a tropa apoiada que é “um deles” que está operando a aeronave, quanto para evitar ser visualizado como um alvo compensador caso a aeronave seja abatida.
Quando da criação do 160th SOAR, uma área remota e afastada do Fort Campbell foi escolhida para sediar a nova unidade. Tal escolha se deve ao fato de as tripulações pioneiras daquela unidade terem em mente a noção de que para desenvolver-se uma nova mentalidade de emprego, é necessário livrar-se da esfera de influência das unidades convencionais, despindo-se assim de “dogmas” e “vícios” operacionais.
A concepção de um plano de adestramento que privilegie o realismo é condição sine qua non para o sucesso das missões. Quanto maiores os riscos tomados durante as fases de treinamento, maiores serão as chances do sucesso quando do emprego real, sendo o inverso também verdadeiro.
Unidades de aviação de operações especiais devem ser prioridades na distribuição de verbas e horas de voo, visto a sua característica de emprego e o alto grau de adestramento que necessitam para bem realizarem as suas atividades. Estas unidades não podem ser empregadas em missões administrativas e dispersivas, correndo o risco de diminuírem o seu grau de prontidão operacional. Uma unidade desse tipo um cenário nacional ideal, deveria doutrinariamente e operacionalmente, ficar subordinada ao COpEsp, e logisticamente, à AvEx.
As duas capacidades mínimas e plenamente alcançáveis para a criação desse tipo de unidade, amparadas no que é descrito no JSOU Report, são:
– Capacidade de realizar navegação com precisão, cumprindo um estrito critério de Hora Sobre o Objetivo (HSO), respeitando-se o limite de +/- 30 segundos. A navegação deverá ser realizada em formação, voando-se a baixa altura e com o emprego de EVN;
– Pessoal e aeronaves especialmente destacados para a atividade.
Essas duas capacidades mínimas e genéricas, propiciarão ao Exército Brasileiro o guiamento necessário para a criação de um processo de seleção, treinamento e avaliação voltado às operações aéreas especiais, bem como na adoção de aeronaves para este tipo de emprego.
Da concepção até a plena capacidade operacional, incluindo aí o assessoramento efetivo nos mais altos níveis do processo decisório do estado maior do COpEsp, o “trilho” a ser percorrido, seguindo modelo proposto pela OTAN, pode ser assim dividido:
1 – Treinamento de militares Comandos e Forças Especiais para atuarem como guias aeromóveis, permitindo-os orientar e controlar toda a gama de operações aéreas, convencionais ou especiais, principalmente em missões de ação direta e de reconhecimento especial.
2- Desencadeada paralelamente a seleção do pessoal que operará no solo, consistindo na seleção e treinamento de tripulações capazes de atingir as capacidades mínimas requeridas para esse tipo de aviação.
3 – Desenvolver uma capacidade aérea tecnologicamente sofisticada, englobando equipamentos de visão noturna, comunicações que permitam o compartilhamento de informações de modo seguro, data links e sistemas anti-jamming que possuam, de preferência, o sistema Have Quik instalado, o qual já é empregado pelas FFAA brasileiras. O planejamento e a execução dessa fase devem levar em conta a realidade orçamentária do país.
4 – Militares qualificados como aviadores de operações especiais deverão compor permanentemente o estado maior do COpEsp, compondo uma célula de planejamento para emprego da aviação de operações especiais, que poderá ser integrante da 5ª Seção (E/5), responsável pelo planejamento e emprego, do COpEsp.
- Emprego
O ambiente operacional moderno é volátil, incerto, complexo e ambíguo (Volatile + Uncertain + Complex + Ambiguous = VUCA). Tal realidade exige que cada vez mais os exércitos ao redor do globo possuam tropas altamente especializadas, em condição de pronto emprego 24/7, aptas a executarem operações de amplo espectro, com a menor incidência, quanto o possível, de “danos colaterais”.
Quando avalia-se o conceito do emprego de tropas de operações especiais, a seguinte afirmação de Sun Tzu em sua obra “A Arte da Guerra”, deve sempre ser lembrada:
“A velocidade é a essência da guerra. Aproveite-se do despreparo do inimigo; viaje seguindo caminhos inesperados e ataque-o onde ele não tomou precauções”.
Como consequência direta dessa afirmação: O binômio “tropas de operações especiais – aviação” adquire rapidez para atacar o inimigo em locais-chave com grande economia de recursos.
As crises que exigem o emprego de tropas de operações são geralmente inesperadas e altamente complexas, necessitando de tropas altamente capacitadas capazes de executar uma reação de pronta resposta.
Os erros cometidos durante as fases de planejamento, treinamento e execução da Operação “Eagle Claw” ratificam esta afirmação.
Com a invasão da Embaixada Americana em Teerã e o sequestro de seus funcionários, durante a Revolução Iraniana em 1979, por estudantes e militantes islâmicos, o alto comando das Forças Armadas Americanas viu-se em um uma situação muito delicada. Embora já possuíssem tropas de operações especiais capacitadas a realizar esse tipo de resgate, não possuíam nenhuma tropa de aviação habilitada a executar as TTP que seriam necessárias para o cumprimento da missão com êxito. A solução encontrada foi o emprego de tripulações mistas da United States Navy (USN) e United States Marine Corps (USMC) nos helicópteros que transportariam operadores do 1st Special Forces Operational Detatchment–Delta (1st SFOD-D). A montagem e a operação de um Posto de Ressuprimento Avançado (PRA) numa área remota da província de Khorasan, no Irã, ficaram a cargo da USAF.
Durante a execução da missão, várias deficiências no emprego dos meios aéreos surgiram, as quais não foram levantadas na fase de planejamento, e não vieram à tona na fase de treinamento, pois o mesmo não se aproximou da realidade tática e climática que as tripulações enfrentariam quando do cumprimento da missão. Tais fatores ocasionaram os seguintes problemas:
– Quebra da integridade tática das frações envolvidas: As tripulações foram compostas por pilotos da USN (muito experientes no emprego do RH-53D “Sea Stallion, porém com pouquíssima experiência no emprego de EVN) e pilotos do USMC (possuíam razoável experiência no emprego de EVN, porém não estavam habituados a voar a versão RH-53D, uma vez que utilizavam a variante CH-53D). Tal fato contribui para o choque de um RH-53D com um EC-130 da USAF durante um reposicionamento para reabastecimento no PRA, o que acabou por cancelar a operação.
– TTP diferentes entre as tropas envolvidas: Durante a execução da missão, a luz de indicação de baixa pressão do óleo das pás ascendeu, fazendo com que uma aeronave pousasse e fosse abandonada no deserto. Este procedimento foi realizado seguindo-se o que era preconizado na USN, enquanto que no USMC o procedimento padrão seria prosseguir o voo.
– Planejamento meteorológico deficiente: Não foi levantada a possibilidade de ocorrência de Haboob (tempestade de areia), fenômeno muito comum naquela região, o que atrapalhou a execução da missão.
– Falta de adestramento no voo em formação: Embora tenham treinado nos meses que antecederam a missão, os pilotos da USN eram bastante resistentes ao emprego das técnicas de voo em formação;
– Falta de adestramento adequado no voo tático: A USN não treinava esse tipo de voo, sendo, a cultura organizacional, uma barreira.
A falta de tripulações de helicópteros treinadas para a missão impar de apoiar organicamente tropas de operações especiais, fez com que o US Army concebesse uma unidade que fosse capaz de replicar os mesmos níveis de excelência operacional do 1st SFOD-D, na condução de missões aéreas. Assim foi criado o 160th SOAR.
A mesma concepção de emprego que levou a criação do 160th SOAR pode ser aplicada na atual conjuntura do EB. Uma unidade aérea de emprego não convencional se faz extremamente necessária tanto em situações de guerra convencional e de guerra irregular, como em situações de não-guerra. Tal afirmação encontra suporte no que é descrito nos manuais de emprego da força terrestre:
– Guerra convencional (situação de guerra): O manual EB70-MC-10.223 Operações, do EB, descreve que as Operações Ofensivas têm como finalidades (dentre outras) privar o inimigo de recursos essenciais, realizando ações em profundidade (item 3.2.2.9, alínea g) e desorganizar o inimigo com ataques aos meios/funções essenciais (alínea h). Ambos são muito similares com o conceito de ataque ao centro de gravidade. Ambos os casos seguem os fundamentos de exploração tanto da iniciativa, quanto das vulnerabilidades do inimigo. Tais fundamentos exigem uma tropa muito bem adestrada, conhecedora da missão TERRESTRE e com ampla mobilidade (obtida através do emprego de aeronaves) e furtividade (a ser obtida com o voo tático). As Ações Profundas (item 2.8.2.2 do EB70-MC-10.223) são realizadas em terreno controlado pelo inimigo, visando isolar o campo de batalha. Normalmente são realizadas por forças de operações especiais e tropas aeromóveis. As operações defensivas, em especial em casos de defesa móvel (e até mesmo em linhas interiores) podem abranger ações profundas para desequilibrar o inimigo atacante.
– Guerra irregular (contra forças irregulares ou grupos terroristas) e em situações de não-guerra: Segundo o manual EB70 – MC-10.218 Operações Aeromóveis, do EB, as aeronaves devem ser empregadas no combate ao terrorismo, realizando incursões, infiltrações e exfiltrações aeromóveis. Nas ações complementares, a ação direta pode ser realizada com maior rapidez e poder de fogo com as tropas especiais sendo apoiadas por um destacamento de helicópteros tanto de reconhecimento e ataque, como de manobra.
O emprego do binômio helicóptero de reconhecimento e ataque – helicóptero de manobra, aumenta de sobre maneira às capacidades dos operadores especiais nas missões com as quais são incumbidos, tanto em situações de guerra, como de não-guerra. Considerando-se que a quase totalidade das missões das tropas especiais se desenvolve em locais onde a liberdade de movimento é negada pelo inimigo, o domínio de técnicas que diminuam a exposição das aeronaves e aumentem a furtividade e a letalidade das mesmas, deve ser empregado. Enquanto as aeronaves de manobra fornecem o transporte rápido, furtivo e acurado durante as missões de incursão, infiltração e exfiltração aeromóvel, as aeronaves de reconhecimento e ataque, atuando sempre aos pares, provêm o apoio de fogo, preciso e oportuno, frente às ameaças omnidirecionais.
O Brasil possui 16.145 quilômetros de fronteira, muitos dos quais com países que reconhecidamente abrigam grupos narcoguerrilheiros, regiões de cultivo, refino e produção de drogas, bem como rotas de escoamento dessa produção. Tal cenário se constitui no ambiente ideal para a realização de missões de reconhecimento especial, principalmente pelo fato das rotas empregadas pelo tráfico de drogas estarem afastadas das áreas urbanas, permitindo o emprego de helicópteros de manobra, escoltados por helicópteros de reconhecimento e ataque.
O apoio logístico as missões de aviação de operações especiais deve ser proporcionado por Postos de Ressuprimento Avançado (PRA) mobiliados por elementos orgânicos a unidade empregada, escoltados por elementos do COpEsp. Os PRA visam apoiar a fração de aviação empregada, no ressuprimento de combustível e munição, bem como de outras necessidades, e também para a reorganização das tropas apoiadas.
- Conclusão
Visualizando em um futuro próximo a criação do Comando Conjunto de Operações Especiais (CmdoCjOpEsp) , descrito na Indicação Nº1325/2019, de autoria do Deputado Federal Major Vitor Hugo, ex-operador de forças especiais do EB, a criação de uma unidade de aviação vocacionada par o emprego não-convencional, poderia atender as três forças. Mas por que seria a AvEx, dentre a aviação das três forças, a mais apta a ceder material humano para a composição desse novo conceito de unidade aérea?
A resposta para essa pergunta não é simples, porém diversos fatores podem levar a uma conclusão mais acertada. Primeiramente, a importância que o EB relega ao COpEsp e a AvEx, ambos pertencendo aos projetos estratégicos da força terrestre, não encontra similaridade na Marinha do Brasil (MB), e na Força Aérea Brasileira (FAB). O foco da MB está voltado para sua esquadra, enquanto o da FAB está voltado para a sua aviação de caça. O EB visualiza um emprego no nível estratégico de suas operações especiais, enquanto a MB e a FAB vislumbram um emprego no nível tático. Além disso, a AvEx possui características comuns com as tropas de operações especiais da forças terrestre, que não encontram paridade na aviação das outras forças e suas respectivas tropas especiais:
– Mesma formação acadêmica para as tripulações e operadores especiais;
– Afinidade doutrinária pré-existente e cultura organizacional similar;
– Conhecimento dos riscos táticos, operacionais, estratégicos e políticos das missões de operações especiais, devido ao constante apoio cerrado;
– Especificidade dos adestramentos conjuntos já estabelecida junto ao COpEsp;
– Cauda logística integrada;
– Canal de comando e canal técnico pertencentes à mesma força singular;
– Domínio do voo com o emprego de EVN, voo por instrumento e voo tático, bem como o “Know How” de empregar equipes de Transporte Aéreo, Suprimento e Serviços Especiais de Aviação (TASA) mobiliando PRA nas regiões mais remotas do território nacional;
– Doutrina de emprego de helicópteros de reconhecimento e ataque, em conjunto com helicópteros de manobra.
Tais fatores fazem com que o Exército Brasileiro, representado pela sua aviação e pelo COpEsp, desponte como a força mais apta a servir como “celeiro” para a concepção e execução desse novo conceito de emprego em território nacional.
A confiança recíproca na capacidade individual de cada tripulante e de cada operador especial da força terrestre, a qual só pode ser desenvolvida através de anos de treinamento e emprego ininterrupto, faz valer a máxima de que se você não estiver treinando em conjunto… você não está treinando.
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