A preparação para o Gripen – parte 2

Segunda parte da entrevista com o Ten Brig Ar Luiz Fernando de Aguiar, Comandante de Preparo (COMPREP) da FAB.

A primeira parte da entrevista pode ser acessada aqui: https://tecnodefesa.com.br/como-a-fab-se-prepara-para-o-gripen-entrevista-com-ten-brig-ar-luiz-fernando-de-aguiar/

 

Quais serão os sistemas de simulação recebidos com o Gripen? De que forma esses sistemas contribuirão na formação do piloto do Gripen, principalmente em termos de eficiência e economia de recursos em horas de voo?

O Gripen virá com dois simuladores de voo que terão papel fundamental tanto para o treinamento básico, onde os pilotos novos aprenderão os procedimentos normais e de emergência do avião, quanto para o treinamento operacional, onde serão massificadas as táticas utilizadas em combate. Para o treinamento básico, o simulador contará com uma posição chamada de “Rear Seat” onde o instrutor de voo executará suas funções como se estivesse voando na nacele traseira da aeronave. Já para o treinamento operacional, destaca-se o fato que os dois simuladores poderão ser operados de maneira interativa. Com isso, poderemos ter um piloto em cada simulador, mas voando juntos virtualmente, seja nas funções de Líder e Ala, onde um coopera com o outro, seja como oponentes, onde um combate contra o outro. Além disso, será possível inserir outras entidades virtuais comandadas por uma forma inteligência artificial, programada no software do simulador, ou comandadas por um terceiro participante a partir de uma estação de controle, simulando aviões, antiaéreas e tantos outros entes, amigos ou inimigos. Com isso, o simulador permitirá que os pilotos treinem de forma rotineira em ambientes complexos, representativos de um conflito real, que seriam possíveis somente em grandes exercícios, uma vez que demandam a mobilização de vários meios. O simulador será muito válido para treinar reflexos, massificar procedimentos e desenvolver táticas. Tudo isso a um custo muito reduzido quando comparamos com o custo da hora de voo. Apesar de não substituir por completo o treinamento em voo, onde os fatores fisiológicos se somam aos fatores operacionais da missão, o treinamento simulado pode reduzir em muito a demanda pelo voo real, traduzindo-se em qualidade de treinamento com economia de recursos.

Na FAB, o Gripen F terá alguma outra função além da conversão operacional e do treinamento de pilotos? Se sim, qual será?

De início, o papel principal do Gripen F será a formação operacional, sendo planejado, por hora, que o ocupante da nacele traseira exerça somente a função de instrutor de voo. Porém, os requisitos de desenvolvimento do Gripen F exigem que praticamente todas funções exercidas na nacele dianteira possam ser desempenhadas também a partir da nacele traseira, o que abre a possibilidade de, no futuro, buscar novas aplicações para os Gripen bi-postos. Principalmente nas missões complexas onde a divisão de funções entre os ocupantes poderia permitir que cada um mantenha maior grau de atenção em determinados aspectos da missão. Exemplos de funções do ocupante da nacele traseira seriam de navegação, identificação e designação de alvos, seleção de armamento, operação de equipamentos de guerra eletrônica, dentre outras.

 

O COMPREP prevê algum ajuste necessário na formação do Piloto de Caça no 2º/5º GAV em Natal? Ou na especialização nos esquadrões do 3º GAV em Boa Vista, Porto Velho e Campo Grande?

Tanto a formação do Piloto de Caça no 2º/5º GAV, quanto a especialização feita no 3º GAV, onde os pilotos se tornam Líderes de Esquadrilha da Aviação de Caça, são feitos no A-29, Super Tucano. Com isso, está sendo feito um estudo para identificar as possibilidades e limitações desse avião na preparação dos futuros pilotos de Gripen. A intenção é buscar as melhores formas de utilizar o A-29 de modo que o “salto operacional” de uma plataforma para outra seja o menor possível. Apesar de ainda não estar concluído, o estudo está indicando resultados bastante animadores. É inegável que a diferença de desempenho entre o A-29 e o Gripen é bastante grande, mas estamos verificando que os sistemas embarcados no A-29 podem prover um excelente treinamento no que tange ao gerenciamento da missão, o que é fator preponderante no Teatro de Operações moderno. O fato do A-29 já ter incorporado o conceito HOTAS (Hands on Throttle and Stick), ter um Data Link, operar com FLIR (Forward-Looking Infra Red), operar com NVG (Night Vision Goggles) e empregar e/ou simular diversos armamentos, inclusive mísseis, faz com que uma vasta gama de treinamentos seja possível naquela plataforma. Sendo assim, devemos reformular alguns aspectos do treinamento do 2º/5º e do 3º GAV, inserindo os pilotos em situações mais complexas, de forma a explorar melhor o desenvolvimento do raciocínio e de reflexos que ajudarão na transição entre o A-29 e o Gripen.

O A-29 possui cockpit digital, HUD, HOTAS e outros sistemas que facilitarão a transição direta para o Gripen no futuro.

 

A atual frota de Northrop F-5M poderá, no futuro, ser utilizada como conversão e familiarização do Piloto de Caça do Super Tucano para plataformas de alto desempenho a jato, a exemplo dos lead-in fighter trainer?

De certa forma, tanto o F-5M como o A-1 já estão cumprindo essa função, uma vez que todos os futuros pilotos de Gripen são pilotos de uma dessas duas aeronaves. A FAB optou por, nesse primeiro momento, selecionar somente os pilotos da chamada “Primeira Linha da Aviação de Caça” por julgar que os mesmos já estão familiarizados com as características de um avião a jato e com sistemas de missão parecidos com os que serão encontrados na nova aeronave, facilitando o aprendizado. Porém, isso será aplicado somente nos primeiros anos de operação do Gripen. A desativação dos F-5M e dos A-1 da FAB deve acontecer em um futuro próximo e, quando chegarmos lá, a intenção é de que os pilotos passem diretamente do A-29 para o Gripen. Lembro também que já tivemos uma experiência no passado onde acreditamos que o piloto de A-29 deveria passar por uma transição no AT-26 Xavante para se adaptar a um avião a jato de menor desempenho antes de prosseguir para o F-5M ou Mirage 2000. Nessa ocasião, testamos também a mudança direta sem passar pelo Xavante. Ao compararmos os dois caminhos, concluímos que a transição por um avião intermediário traz certos benefícios, mas está longe de ser essencial. Quando trazemos essa experiência para o Gripen, temos duas indicações que a transição direta do A-29 para o Gripen será possível: a primeira é que a percepção dos nossos pilotos que já voaram o Gripen C/D é de que essa aeronave tem características de pilotagem mais fácil quando comparado ao F-5M e M-2000, sendo que a carga de trabalho do piloto fica concentrada bem mais no gerenciamento da missão do que na pilotagem em si; a segunda é que o Gripen terá um excelente simulador de voo e, portanto, imaginamos que o próprio simulador fará as vezes da plataforma intermediária. Além disso, quando o F-5M e o A-1 estiverem desativados, acreditamos que teremos um corpo de instrutores de Gripen bastante sólido, completamente capaz de orientar a conversão de um piloto de A-29 diretamente para o Gripen.

 

De que forma a experiência de outros países com o Gripen C/D tem ajudado o Brasil no desenvolvimento doutrinário do Gripen E/F?

Depois de assinado o contrato de aquisição do Gripen, o Brasil passou a fazer parte do “Gripen User’s Group – GUG”, que é um grupo que reúne todos os operadores de Gripen por duas vezes ao ano para discutir assuntos que vão da esfera logística à operacional. Os países membros se revezam para sediar esses eventos sendo que o Brasil já sediou uma reunião em 2018. Além das reuniões, o Grupo abre portas para intercâmbios, sendo que já foram enviados representantes da FAB para a Suécia, Tailândia, Hungria e República Tcheca para realizarem diversos tipos de treinamentos. Um outro evento promovido pelo GUG é o “EW Workshop”. Esse último acontece uma vez a cada ano, sendo que o Brasil irá sediar a versão de 2020. O EW Workshop tem por finalidade a discussão de questões relacionadas à Guerra Eletrônica (Electronic Warfare – EW) e se reveste de especial importância por ser um campo extremamente complexo e de grande importância estratégica. Aquele que conseguir dominar o ambiente eletromagnético será capaz de controlar as comunicações e de “cegar” o inimigo, traduzindo-se em importante vantagem operacional. Como o Gripen é uma plataforma com capacidades de Guerra Eletrônica bastante avançadas, a cooperação entre os países para o desenvolvimento dessas capacidades pode vir a se tornar fator preponderante para que a nossa nova aeronave de Caça estabeleça uma posição de domínio no seu campo de atuação.

O Gripen D voando com o pod de ataque eletrônico da família Arexis, da Saab, sob a asa esquerda.

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