Respondendo com prontidão e disponibilidade, a Aviação do Exército (AvEx) teve um papel preponderante no apoio à população afetada pelas enchentes que assolaram o Rio Grande do Sul em maio de 2024
Há pouco mais de um ano, o Estado do Rio Grande do Sul foi afetado por uma calamidade que deixou marcas profundas na sua sociedade. Ao todo, 184 pessoas morreram, 800 ficaram feridas e 25 estão desaparecidas naquela ficou conhecida como a quinta maior tragédia climática do país.
O evento meteorológico que causou uma série de danos materiais e de vidas foi a soma de uma intensa corrente de vento que trouxe instabilidade para o sul do Brasil, adicionada a uma onda de calor que se formou no centro-oeste e sudeste, à umidade que foi trazida da Amazônia e ao aumento da umidade resultante das ações do El Niño, que potencializaram os efeitos e resultaram em um acumulado que superou os 600 mm pluviométricos em apenas 10 dias. As chuvas começaram em 27 de abril, mas foi a partir de 1º de maio que a situação se agravou.






As inundações provocaram o colapso de pontes, o bloqueio de rodovias por deslizamentos de terra e deixaram centenas de cidades completamente isoladas, sem energia elétrica, sem comunicação e sem água devido ao rompimento de tubulações.
Na capital Porto Alegre e arredores, o rio Guaíba atingiu o nível de 5,3 metros, deixando submersas cidades vizinhas como Canoas, onde está localizada uma base aérea da Força Aérea Brasileira (FAB).
Das 497 cidades, 478 foram atingidas e mais de 2,4 milhões de pessoas tiveram que abandonar as suas casas, ou registraram danos materiais em suas propriedades, impactos na saúde ou sofreram com a interrupção de serviços.
Naquele que parecia um teatro de operações de guerra, o helicóptero tornou-se o principal meio de resgate, tendo em vista a sua flexibilidade operacional em pousar em locais restritos e de difícil acesso uma vez que extensões gigantescas de áreas estavam alagadas ou tiveram as suas estruturas afetadas.
No RS, duas unidades aéreas das Forças Armadas Brasileiras responderam aos primeiros trabalhos voando diuturnamente para salvar vidas. Na Base Aérea de Santa Maria, o 5º/8º GAV “Esquadrão Pantera” da Força Aérea Brasileira (FAB), equipado com os Sikorsky UH-60 Black Hawk, e o 1º Esquadrão de Helicópteros de Emprego Geral do Sul (Esquadrão HU-51) da Marinha do Brasil (MB) com sede em Rio Grande e operando com os HB350 Esquilo, cumpriram dezenas de missões de resgate até a chegada de reforços de outras partes do país.
Conforme as notícias ganharam proporções nacionais, a sociedade se uniu em prol de remeter o maior número possível de recursos para minimizar os danos e o sofrimento da população atingida, resultando em enorme quantidade de itens enviados ao RS numa das maiores mobilizações humanitárias já vistas no país. A logística por trás da Taquari 2, como foi designada a operação, é um tema que merece ser abordado em uma futura matéria, pois envolveu, inclusive, proprietários de aviões e helicópteros civis que colocaram os seus meios para auxiliar nesses apoios.
Como em qualquer situação, a mobilização das Forças Armadas foi total utilizando meios pelo ar, terra e mar. Mas apesar daquela se tratar de uma emergência, considerando determinados meios de maior valor e em quantidade mais limitada como o helicóptero, foi preciso trabalhar com planejamento para que as operações tivessem continuidade e, acima de tudo, para que as demais regiões do país não ficassem desassistidas desse apoio aéreo, ferramenta esta imprescindível para áreas isoladas como na Amazônia, por exemplo.
Para entender a complexidade do que foi operação aérea na Taquari 2 é preciso olhar para questões como a disponibilidade dos meios, as localidades em que estão sediados, o apoio logístico para a frota fora da sua base de operação e os ciclos de manutenção. Nesta reportagem, o foco será nas missões cumpridas pela AvEx.
A estrutura da AvEx
Criada em 1986 na cidade de Taubaté, no interior do estado de São Paulo, a AvEx iniciou as suas atividades aéreas com um batalhão de helicópteros equipado com 36 AS.365K (HM-1) Pantera e 36 AS.550 (HA-1) Esquilo/Fennec. Com o recebimento das primeiras aeronaves em 1989, as operações e as demandas se intensificaram em todas as regiões do país e até fora dele. Logo nos anos 1990, duas novas unidades aéreas foram criadas em Taubaté além de um destacamento de Aviação do Exército em Manaus. Também naquele período houve a mobilização dos recém-chegados Sikorsky UH-60 (HM-2) Black Hawk para apoiar a Missão de Observadores Militares Equador-Peru a partir de Patuca, no Equador.
No início dos anos 2000, em mais um processo de expansão, chegaram oito AS.532UE (HM-3) Cougar e finalmente, a partir de 2009, o primeiro de 15 H225M (HM-4) Jaguar.
Hoje, em Taubaté, estão sediados o 1º Batalhão de Aviação do Exército (1º BAvEx) com os HA-1A (Fennec modernizado) e o HM-4; o 2º BAvEx com o HM-1A (Pantera modernizado) e o HM-3; o Centro de Instrução de Aviação do Exército (CIAvEx) com o HA-1A; o Batalhão de Manutenção e Suprimento de Aviação do Exército (BMntSupAvEx) dentre outras estruturas de apoio na Base de Aviação de Taubaté.
Em Campo Grande está o 3º BAvEx com o HM-1A, o HM-3 e o HA-1A, enquanto em Manaus, o 4º BAvEx possui o HM-1A, o HM-2 e o HM-4.
Por fim, em 2022 foi ativado o Destacamento de Aviação do Exército de Belém, hoje contando com o HM-1A e o HM-4.
Em cada localidade em que a AvEx está presente, os seus batalhões respondem por determinada área geográfica, de acordo com o Comando Militar de Área ao qual estão subordinados.
O 3º BAvEx, que atende ao Comando Militar do Oeste, cumpre missões nos estados do Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. O 4º BAvEx, subordinado ao Comando Militar da Amazônia, tem como área de responsabilidade o Acre, Amazonas, Rondônia e Roraima.
Já o Destacamento de Aviação em Belém, do Comando Militar do Norte, voa as suas missões com foco no Amapá, Maranhão e Pará.










Os demais 17 estados no nordeste, centro, sudeste e sul do Brasil são atendidos pelo 1º e 2º BAvEx, que estão subordinados ao Comando Militar do Sudeste.
A divisão geográfica contribui para determinar o foco do treinamento das tripulações com base no seu ambiente operacional e aumentar a interoperabilidade com as unidades do EB naquela região maximizando a sua eficiência no emprego. Porém, não restringe nem impede que os seus meios sejam empregados em outras localidades do Brasil quando necessário.
Uso progressivo das capacidades
É comum que em situações que demandam esforço aéreo de maior vulto, um determinado BAvEx receba helicópteros e tripulações de outros batalhões reforçando o seu contingente. Exercícios e operações como a CORE, homologação de tropas e atendimento à população afetada por alguma calamidade são alguns exemplos práticos.
“Nós temos um sistema de prontidão que determina qual será a principal unidade aérea executora de um esforço quando inserida no contexto de uma tragédia como foi a do RS, por exemplo.
Naquele caso, o batalhão responsável pelo planejamento e pela execução das missões foi o 2º BAvEx que, por critérios desse sistema de prontidão e por questões logísticas, foi a unidade escolhida por ser a mais vocacionada para dar essa pronta-resposta.
A prontidão da AvEx, por guarnição, é no sistema 2-2-2, que representa a disponibilidade, em Taubaté, de dois HA-1A, dois HM-1A e dois HM-3 ou dois HM-4, cobrindo o leque desde aeronaves pequenas até médias e grandes nas primeiras 24 horas. Nesse primeiro período mandamos o necessário para as ações iniciais e para que as tripulações possam entender a situação, a demanda envolvida e a melhor forma de apoio.
Para a Taquari foi mobilizada uma fração (dois helicópteros) que, após a análise, acionou um terceiro. Em até 72 horas, a meta do sistema de prontidão é colocar todos os meios necessários à disposição para responder à tragédia chegando ao sistema 4-4-4. Quando houve os deslizamentos em São Sebastião, no litoral paulista, os meios disponíveis em Taubaté conseguiram responder à todas as missões, isso porque as ações estavam concentradas numa área pequena comparado ao estado do RS como um todo”, explicou o então Tenente-Coronel Bruno Freitas, oficial de logística de AvEx.
Com o acionamento tendo sido realizado em 1º de maio, numa quarta-feira, as primeiras aeronaves que decolaram para a operação foram dois HM-1A Pantera do 2º BAvEx com 16 militares, mas que ficaram parados em Criciúma (SC) por conta do mau tempo que predominava no trajeto até Porto Alegre, incluindo formações pesadas de chuvas e nuvens carregadas de gelo. Em 2 de maio, um HA-1A Fennec do 1º BAvEx seguiu para o local. Com a melhora na meteorologia, os três helicópteros já estavam atuando na região em 3 de maio, dia em que um HA-1A, um HM-3 Cougar e um HM-4 Jaguar integraram os esforços elevando a frota para seis helicópteros. No dia 4, outro HM-4 decolou para Porto Alegre e no dia 6 de maio já eram nove aeronaves da AvEx na região.
Uma logística complexa
A demanda foi enorme na Taquari 2. No auge da operação foram empregados 11 helicópteros simultaneamente e o 2º BAvEx recebeu efetivos e meios do Destacamento de Belém, do 1º BAvEx e do 3º BAvEx. Todo esse esforço foi acompanhando de um planejamento minucioso, complexo e detalhado, e o emprego em si envolveu questões que abrangeram diversas áreas e dependeram de providências tomadas de forma concomitante.
Do ponto de vista do deslocamento da força-tarefa para o local de interesse, diferente de um voo de linha aérea que cumpre a etapa São Paulo-Porto Alegre em menos de duas horas, para os helicópteros esse mesmo trajeto leva oito horas contando as escalas para reabastecimento. De Belém é necessária uma escala com pernoite em Palmas, seguido depois para escalas em Brasília, Uberlândia e Taubaté, totalizando 8h00 de voo.
Ao analisar o volume necessário de horas de voo para serem executadas para aquela demanda, o Comando de Aviação do Exército (CAvEx) fez o planejamento logístico da prontidão das aeronaves para que o esforço aéreo não sofresse interrupções. Isso é um protocolo adotado para qualquer situação, seja em operações de paz ou de guerra.
Assim, no ciclo das 24 às 72 horas, são antecipadas todas as inspeções possíveis para que na decolagem a frota tenha grande volume de horas disponíveis, evitando a necessidade de manutenções que dependam da estrutura do BAvEx ou do BMntSupAvEx. No caso das tripulações que vieram de fora de Taubaté, a escala foi aproveitada para colocar em dia ou antecipar esses trabalhos e, uma vez concluídos, o que leva no máximo alguns pouco dias dependendo da intervenção, as aeronaves seguiram para Porto Alegre em mais oito horas de voo, totalizando 16 horas na rota de ida Belém-Porto Alegre.

“Então não basta ter o helicóptero e as horas de voo disponíveis para voar ao longo da operação. O início da mobilização também contou com o conceito de prontidão logística e operacional que é composto por um pacote, ou seja, a aeronave, a tripulação, as equipes SAR (busca e salvamento), o pessoal de manutenção e de Transporte Aéreo, Suprimento e Serviços Especiais de Aviação, o que chamamos de TASA. Este último é responsável pelo combustível, pela carga externa, por fazer a acomodação da carga internamente no helicóptero bem como estar apto a atuar no planejamento, controle e trato administrativo dos diversos materiais de aviação, fazendo a gestão completa de itens de suprimento de consumo, ferramentais reparáveis e permanentes. Então, temos que considerar que a manutenção e todo esse apoio são indissociáveis da operação”, revelou o Tenente-Coronel Christian Fernando Lombardi dos Santos, oficial de operações da AvEx.
Quando deslocado fora de sede, a equipe de manutenção orgânica daquela aeronave tem capacidade de fazer as intervenções com os próprios ferramentais e componentes disponíveis no local, ou realizar as manutenções obrigatórias a cada 50 horas voadas. A partir daí, é necessário retornar para sede do BMntSupAvEx para os trabalhos das 100 horas voadas.
A experiência acumulada em décadas de operação, desde que foi recriada em 1986, faz com que as equipes de manutenção sabiam quais são os itens sobressalentes e as ferramentas a serem levadas nessas situações. Para panes mais específicas ou na quebra de um componente que não esteja disponível no local, a chegada de novos meios dentro do ciclo das 72 horas supre essas eventuais necessidades.
“Antes de acontecer a catástrofe nós trabalhamos com o conceito de prontidão logística, conforme já explicado. Durante a catástrofe usamos o conceito de responsividade, ou seja, a pronta-resposta as variações que ocorrem durante a operação. Por exemplo, nós começamos as missões a partir de Porto Alegre e depois fomos deslocados para o oeste do estado, em Flores da Cunha. E nesse meio tempo o esforço aéreo não para, e tudo isso funciona no conceito de escalão de manutenção e escalão de apoio, com uma estrutura centralizada ou não.
O abastecimento de combustível foi um ponto de atenção para a manutenção dos voos, tendo em vista que era necessário ter um planejamento adequado para trabalhar com a maior eficiência possível. Em determinado momento passamos a apoiar Santa Cruz do Sul que ficava muito longe de Canoas para reabastecer. Para isso, nós pré-posicionamos o combustível em outros locais para facilitar a operação”, explicou o Tenente-Coronel Bruno Freitas.
As consequências
Após uma operação como a Taquari 2, um dos problemas logísticos a serem enfrentados ao enorme esforço aéreo é a disponibilidade das aeronaves.
Normalmente ao longo do ano, a AvEx tem trabalhado com uma disponibilidade de aproximadamente 2/3 da frota que, por ano voa, aproximadamente 10 mil horas.
A aviação como um todo trabalha com o conceito de diagonal de manutenção para a sua frota. Em outras palavras, cria-se um planejamento de operação aérea escalonado para evitar que se coincidam as manutenções programadas de várias aeronaves, impactando na disponibilidade como um todo.
Para atingir esse equilíbrio é necessário fazer o uso racional dos helicópteros diminuindo a quantidade de horas de voo de alguns exemplares para que esses estejam disponíveis quando outros ficarem parados. Apesar do controle ser individual, a visualização e o trabalho envolvem toda a frota para evitar que em determinados períodos existam muitos meios disponíveis e voando ao mesmo tempo, e que depois vão entrar em inspeções simultaneamente.
“O esforço aéreo é em diagonal de manutenção, fazendo com que, a cada dois anos, as aeronaves cumpram os ciclos de inspeções, seja por terem atingido as horas de voo ou seja por tempo de calendário. Mas na Operação Taquari 2 essa diagonal foi achatada, demandando que no futuro parte da frota seja tirada de serviço por um tempo, preservando as suas horas de voo, enquanto outras tenham as suas manutenções antecipadas para que o cenário operacional volte para um estado de normalidade”, completou o Tenente-Coronel Major Bruno Freitas.
Esse controle é fundamental pois, concomitante à Taquari 2, a AvEx estava empenhada na Operação Catrimani 2 que é voltada ao combate do garimpo ilegal em Terras Indígenas Yanomami. Além disso, missões em apoio às outras organizações do EB, às agências e órgãos governamentais, ao treinamento e adestramento da própria AvEx e outras guarnições demonstram o desafio em atender às demandas plurais em diversos pontos do país sem prejuízo para uma ou outra missão. Se a diagonal pós Taquari 2 fosse afetada, a resposta às demais demandas estaria comprometido.
Desafios e lições aprendidas
Prontidão e flexibilidade operacional. Esses são dois de alguns dos desafios e das lições aprendidas pela AvEx diante das ações realizadas para mitigar a dor e restaurar a situação de normalidade no RS.
A prontidão reflete em toda uma cadeia que vai da logística ao operacional, passando pelo treinamento e pela doutrina num sistema complexo que deve trabalhar em sincronia para que tudo aconteça da melhor e da forma mais segura possível.
“Numa tragédia vidas foram perdidas, propriedades foram devastadas e as famílias tentam se manter e se reestruturar com o que sobrou. Apesar de estarmos no caos, o planejamento não pode e não deve ser caótico e isso é sempre um desafio. A segurança deve ser mantida acima de tudo, pois estamos naquele lugar para resolver as coisas e não para trazer mais problemas. Por outro lado, temos que pensar sempre na flexibilidade como algo primordial pois, naquela situação, tudo pode acontecer, como foi o caso do resgate de uma família dentro da casa que, ao ver o tripulante da AvEx, entregou o bebê nas mãos dele. Essa criança, de meses de vida, foi a primeira a embarcar no helicóptero por meio do guincho e precisava ser cuidada até a chegada dos seus familiares.
Outro caso emblemático foi a utilização de Sistemas de Aeronaves Remotamente Pilotadas (SARP) de categorias 0 e 1 do EB na busca por pessoas ilhadas ou precisando de ajuda. Um dos SARP encontrou uma família isolada, na área urbana de Porto Alegre, que depois de se comunicar identificou-se a necessidade de resgatar essas pessoas. Um HM-3 Cougar do 2º BAvEx chegou pouco tempo depois e conseguiu retirar todos daquela área. Isso é utilizar o recurso de forma racional e eficiente, com os helicópteros atuando onde realmente precisa e o SARP fazendo uma busca mais ampla. E para a Taquari, e para outras situações que estamos, e temos que estar, preparados”, finalizou o tenente-coronel Santos.