Por dentro do Esquadrão 100
Por Kaiser David Konrad, de Tel Aviv
Em Sde Zdov, ao norte da cidade de Tel Aviv o ritmo é bastante agitado. As aeronaves Beechcraft B200T Super King Air pousam e decolam o tempo todo, 24 horas por dia, 7 dias por semana. Feriados nacionais ou religiosos não se aplicam a eles.
O 100º é o mais operacional e tradicional esquadrão da Força Aérea Israelense e que possui o maior número de horas de voo. Foi a primeira Unidade Aérea da instituição e passou a operar desde o primeiro dia da criação do país, em 1948, quando realizou inteligência visual e logo depois teve fundamental importância da Guerra de Independência ao bombardear os comboios árabes que invadiam o território do recém criado Estado de Israel.
Durante 66 anos ele foi a único esquadrão a lutar em todas as guerras ou conflitos que o país esteve envolvido, tendo recebido 11 Medalhas de Honra pelas difíceis missões de reconhecimento em território inimigo, trazendo informações que foram necessárias para garantir a vitória e, consequentemente, assegurar a própria existência do Estado de Israel. Mas, além dos feitos do passado, o que torna ele tão especial? A resposta pode ser obtida conhecendo um pouco da sua atividade e a importância que ela tem para as Forças de Defesa de Israel.
Equipado desde 1990 com o B200T “Zufit” sua missão principal é reunir inteligência. Em Israel se diz que se você quer estar preparado para próxima guerra, necessita recolher informações durante muitos anos antes. Este é o trabalho dos “Camelos Voadores”. Realizar a inteligência visual de curto e longo alcances em tempo real. Não há operação das FDI que não tenha sua participação. Seja em tarefas de vigilância ou reconhecimento marítimo, ou na guiagem e aquisição de alvos, suas aeronaves estão sempre engajadas, sendo as primeiras a chegar a zona de operações, muitas vezes horas antes de começar, e sempre os últimos a sairem.
Com uma autonomia de 6h30min e um teto operacional de 25 mil pés as aeronaves têm um alcance de 1.700 milhas e podem chegar a qualquer lugar do Oriente Médio. O 100º vem realizando inteligência visual diariamente sobre o Líbano, acompanhando movimentações do Hezbolah e dos comboios que transportam armas da Síria ou detectando e analisando uma gama imensa de atividades suspeitas, entre elas a instalação de bateria de foguetes Katiusha, e a localização de pontos de lançamentos. Os voos sobre a Faixa de Gaza acontecem com a mesma frequência e os sensores podem detectar a violação da fronteira por pessoas, inclusive reconhecer suas atitudes ou se carregam armas e de que tipo. O potente sensor termal consegue identificar pessoas mesmo em meio a arbustos ou protegidas sob as árvores.
Em 18 de novembro de 2012, pouco antes da “Operação Pilar da Defesa”, durante uma missão de rotina, uma aeronave que acompanhava a movimentação de líderes do Hamas procurados por lançar foguetes Qassam contra cidades israelenses próximas à Faixa de Gaza, após a análise e confirmação da identidade dos alvos enviou as informações para que um caça F-16 realizasse um ataque. Porém, alguns minutos depois um grupo de crianças chegou ao local para jogar futebol. Imediatamente o comandante da missão, que estava a bordo, emitiu a ordem de abortar o ataque porque civis estavam no local. Casos como esse são frequentes e por isso, sempre antes de qualquer ataque, quando há suspeita ou confirmação da presença de civis ou quando esses são vistos nas proximidades da área ser atacada, essas missões são abortadas. Mesmo que tal decisão provoque a perda de um importante objetivo militar, a Força Aérea tem tomado o cuidado de respeitar as regras de engajamento para garantir que somente o alvo seja abatido. Este mesmo cuidado é feito para evitar o uso desproporcional da força. Todo o entorno do alvo é investigado para garantir que a potência do ataque não destrua as infraestruturas adjacentes ou essenciais aos civis e que os danos colaterais decorrentes da ação sejam os menores possíveis.
Entretanto, o que faz do 100º uma Unidade diferente dos esquadrões ISR de outras Forças Aéreas, certamente, é o seu sensor eletro-óptico. Conhecido como AMPS (Advanced Multi-Sensor Payload System), desenvolvido pelas empresas israelenses ELOP e NESS, o pod que é instalado embaixo da aeronave e possui dois “grandes olhos”, é o mais avançado sistema eletro-óptico em uso no mundo e recentemente ganhou o prêmio de segurança de Israel devido à sua alta tecnologia e capacidades inovadoras. Com a união de um potente software e um conjunto de avançadas câmeras destinadas a atividades de inteligência, vigilância e reconhecimento em nível estratégico, O AMPS pode ser operado a partir de um ângulo horizontal e a grandes distâncias, e não funciona como outros sensores óticos que necessitam sobrevoar o alvo. O AMPS, que até pouco tempo era um segredo militar muito bem guardado, permite captar imagens diurnas e noturnas digitais e georreferenciadas de um objetivo a dezenas de quilômetros e voando à grande altitude, fazendo com que a aeronave mantenha-se protegida e fora do alcance dos mísseis antiaéreos.
A tripulação de cada aeronave é formada por dois pilotos, um comandante de missão e dois observadores; um para controlar o AMPS e outro para investigar as imagens e confirmar as coordenadas do alvo. O comandante da missão é um ex-piloto da unidade e coordena todas as tarefas, responsabilizando-se pelas informações enviadas, tomando, ainda, decisões e comunicando-se com as forças destacadas para executar a ação, sejam elas aéreas, terrestres ou navais. A doutrina utilizada pelo esquadrão é conhecida como Círculo de Fogo, que nada mais é do que um processo que começa com a identificação do alvo e termina com o ataque e a avaliação pós-ação. A diferença é que tudo isso é feito durante a missão, na própria aeronave em tempo real e com imagens em vídeo de alta resolução.
Segundo o capitão aviador David (nome fictício), da FAI, desde que foi iniciada a “Operação Escudo Defensivo” (2002) – uma movimentação em larga escala das FDI destinada a quebrar células terroristas na Cisjordânia – “a importância da inteligência visual tem vindo a aumentar de forma contínua. A coleta de informações sobre todos os alvos possíveis é fundamental para a condução de qualquer operação militar”. A atividade diária do esquadrão possibilita que as FDI criem um banco de dados de imagens de inteligência sobre alvos de interesse e possam compará-los e analisá-los para reconhecer mudanças ou padrões operacionais. Assim é possível conhecer o inimigo e suas intenções, antecipar-se a ele através de um ataque preventivo ou se preparar com os meios militares ideais para uma ação futura. No passado, a unidade voou para Creta para exercícios conjuntos com a Força Aérea Grega, percorrendo uma distância de 1.000 km em cada trecho sem necessitar reabastecer, fato que demonstrou a sua capacidade e seu papel no caso de um conflito mais amplo.
As missões do Esquadrão 100 não se resumem às tarefas militares. Como a única Unidade Aérea que jamais pousa e possui sempre uma aeronave no ar, ela é usada para missões humanitárias ou de apoio à defesa civil. Um exemplo disso foi o grande incêndio que assolou a região do Monte Carmel, ao norte do país, em 2010, e que deixou 44 mortos. O AMPS conseguia detectar até os menores focos de incêndio e a tripulação podia informar aos bombeiros a localização precisa de cada um, a direção para onde iam as chamas e podia vetorar com precisão as aeronaves usadas para combater o fogo. “Essas mesmas capacidades podem ser usadas para missões de busca e salvamento no mar em qualquer condição meteorológica ou, por exemplo, para localizar sobreviventes de um desastre aéreo ou até mesmo identificar e acompanhar a movimentação de tropas, guerrilheiros ou narcotraficantes num ambiente de selva, pois as capacidades deste sensor são muito versáteis”, disse um observador que opera o sistema AMPS. “Seja na paz ou na guerra, nós do Esquadrão 100, podemos fazer isso e muito mais para apoiar as operações das Forças de Defesa de Israel e garantir a proteção do nosso povo”, completou.
Reportagem publicada em 2014 na edição impressa de Tecnologia & Defesa