Diante do recente anuncio da aquisição do HMS Bulwark pela Marinha do Brasil (MB), T&D reedita parte do artigo “Classe Albion, referência em navios para operações anfíbias”, publicada em sua última edição impressa, devido a importância do assunto.
Por Paulo Maia
Celebrado oficial do Exército britânico, marechal de campo Sir Bernard Law Montgomery, postulou que: ‘’Desde os dias em que o homem começou a usar os mares, a grande lição da história é que o inimigo que se limita a uma estratégia terrestre acaba por ser derrotado’’. Esta relevante constatação do herói da Segunda Guerra Mundial preconiza que a existência de uma cooperação entre as forças navais, terrestres e aéreas é fundamental na condução vitoriosa de um conflito.
Passados 80 anos, as conflagrações modernas têm demonstrado o acerto deste pensamento estratégico. As operações conjuntas entre diversos segmentos são uma realidade da guerra contemporânea e as Forças Armadas mais modernas buscam aperfeiçoar a interoperabilidade entre seus profissionais de mar, terra e ar.
A crônica militar indica que os primeiros laços de interoperabilidade foram estabelecidos na época da navegação a vela, entre os fuzileiros navais e os marinheiros que tripulavam os navios das frotas destinadas a transportá-los. Os Royal Marines, estabelecidos em 1664 e a Royal Navy (RN), são exemplos desses laços fortalecidos ao longo do tempo até a consolidação atual dos princípios doutrinários das operações conjuntas.
Os integrantes dos Reais Fuzileiros Navais sempre tiveram à disposição navios de esmerada construção, representantes da qualidade da indústria naval britânica, desde as grandes naus do passado até os navios anfíbios atuais, que refletem a evolução do emprego do Poder Naval e a perfeita adaptação a um mundo em constante evolução, combinando nos dias de hoje as ações de caráter humanitário com capacidades militares.
A construção de navios anfíbios pela Inglaterra no século 20 é marcada pela adaptação e inovação. Inicialmente, a conversão de navios mercantes e outras embarcações foi necessária para atender as necessidades da guerra. Em paralelo as conversões foram projetadas, por exemplo, as primeiras LCA (“landing craftassault” – embarcações de desembarque de assalto) e LCI (“landing craftInfantry” – embarcações de desembarque de Infantaria). Esses projetos foram a base do desenvolvimento dos primeiros navios concebidos especificamente para a RN, um marco na época, os HMS Fearless e o HMS Intrepid, que foram substituídos pela Classe Albion, o que representou um significativo avanço em termos de tecnologia e capacidades, por poderem transportar um expressivo número de tropas e veículos, além de aeronaves.

A CLASSE ALBION
No dia 18 de julho de 1996, o Ministério da Defesa britânico anunciou um contrato no valor de £ 450 milhões com a Vicker’s Shipbuilding and Engineering, agora BAE Systems Marine, para a construção de dois LPD (“landing platform dock” – plataforma de desembarque doca), com o objetivo de substituir os navios da Classe Fearless que haviam provado suas capacidades e valor durante o conflito no Atlântico Sul em 1982.
Denominados HMS Albion (L14) e HMS Bulwark (L15), foram construídos no estaleiro em Barrow-in-Furness, Cumbria. O L14 foi lançado em março de 2001 e comissionado em junho de 2003. Já o L15 seguiu o mesmo caminho em novembro de 2001, entrando em serviço em dezembro de 2004.
A doutrina naval britânica define que: “A frota anfíbia (LPD, porta-helicópteros e outros navios dedicados) especializada da RN deve descarregar, sustentar e recuperar taticamente a força de desembarque sem recorrer a portos ou aeródromos, em ambientes (ou potencialmente) hostis. Ela fornece plataformas de lançamento para ataques e incursões por embarcações de desembarque e helicópteros. A frota anfíbia possui as instalações de comando e controle necessárias para operações do tamanho de uma brigada e é capaz de desembarcar um grupo de companhia de assalto à superfície, equipamentos pesados e veículos e equipamentos da força de desembarque.”
Os LPDs da Classe Albion deslocam 21.500 toneladas e têm um comprimento de 176 metros, boca de 28,9 metros e calado de 7,1 metros. Quando em serviço, devido às suas características operacionais, atendiam plenamente às missões previstas. A tripulação é de 325 militares e podem acomodar até 700 soldados em um determinado período de tempo, incluindo veículos de transporte e suprimentos de combate. Para as operações anfíbias ou missões de caráter humanitário os navios contam com uma área hospitalar de 600 m², localizada abaixo do convés de voo, equipada com dois centros cirúrgicos e 47 leitos.
Os navios foram pioneiros na introdução do sistema de impulsão diesel-elétrica nos navios de superfície da RN que, entre outras vantagens, proporciona uma redução significativa de pessoal na sala de máquinas. A propulsão que possibilita uma velocidade máxima de até 18 nós e uma autonomia de 8.000mn (13.000 km) é fornecida por dois geradores a diesel Wärtsilä Vasa 16V 32E de 6,25 megawatts, dois motores diesel Wärtsilä Vasa 4R 32E de 6 megawatts acionando dois motores elétricos, dois eixos e um “bowthruster” (propulsor de proa) de 108 KW, que permite uma melhor manobrabilidade nas operações portuárias ou em águas restritas.
As operações aéreas são realizadas através de um convés de voo de 64 metros capaz de receber aeronaves do porte do Boeing CH-47 Chinook com um peso máximo para decolagem de 22.680 kg. Apesar da ausência de hangar possuem toda a infraestrutura operacional e de segurança adequadas para receber helicópteros de diversos tipos, que permitem o ataque anfíbio OHT (“over thehorizon” – além do horizonte). A doca de poço inundável e o convés de veículos, posicionados abaixo da plataforma de voo, podem ser empregados por veículos e embarcações de desembarque para o movimento navio-terra.
O convés de veículos, conforme a missão, pode transportar 30 caminhões e 36 seis veículos de menor porte ou seis carros de combate do tipo Challenger 2 de 62,5 toneladas e 30 veículos blindados de transporte de pessoal, pelo sistema “roll-on/roll-off “(carregamento e descarregamento de veículos ou cargas sobre rodas). Integram os equipamentos fixos dos dois navios um veículo de recuperação com esteiras, de 52 toneladas e dois tratores, sendo um capaz de abrir uma trilha na praia e outro equipado com uma caçamba e garfos de escavação. A doca pode transportar quatro LCU (“landing craftutility” – embarcação de desembarque utilitária) MK 10, que foram especificamente encomendadas. Esses meios têm uma configuração do tipo “drive-through” (auto-serviço) com rampas na proa e na popa e a casa do piloto deslocada para estibordo. Deslocam 240 toneladas e medem 29,8 metros de comprimento, 7,40 metros de largura e 1,5 metros de calado. Com sete tripulantes transportam um carro de combate, ou dois caminhões pesados, ou até 120 soldados.
Completando as capacidades quatro LCPV (“landing craftvehicle personnel” – embarcações de desembarque de veiculos/pessoal) MK 5, do mesmo tipo utilizadas no navio-aeródromo multipropósito Atlântico (A140) da MB, são transportadas em turcos aos pares em cada bordo dos navios.


As amplas capacidades de comando, controle e comunicação dos LPD originariamente eram garantidas pelo sistema de dados de combate ADAWS 2000 (“Advanced Deployable Airspace Management System” – Sistema Avançado de Gerenciamento do Espaço Aéreo), da BAE Systems, sistemas de suporte de comando CSS, da EDS Defense; de comunicações integrado que abrange transmissões seguras de voz e dados, tanto interna quanto externamente ao navio, incorporando satélite, rádio de alta frequência e uma variedade de redes de comunicação interna; e de comunicação por satélite Scot, da Astrium. O sistema de apoio ao comando do LPD compreende 72 estações de trabalho para o Grupo de Tarefa naval e para o comando da força de desembarque anfíbio. O software é baseado em Windows e o projeto é baseado em hardware comercial disponível no mercado.
Quando comissionados, os navios foram equipados com dois radares Kelvin Hughes Tipo 1007/8 de banda I, para navegação e controle de aeronaves. Para busca aérea e de superfície foi instalado um radar SelexSensorsandAirborne Systems Radar Tipo 996 de banda E/F. A previsão é que o RT996 seria gradualmente substituído pelo Artisan 3D de banda E/F, o que ocorreu apenas no HMS Bulwark .
Para a defesa contra ataques de mísseis e aeronaves encontram-se disponíveis quatro canhões CIWS Goalkeeper, da Thales Nederland e General Dynamics Phalanx, além de canhões de 30mm. O conjunto de contramedidas inclui lançadores de “chaft/flare” Sea Gnat e um sistema eletrônico de apoio/contramedidas UAT/1-4, da Thales Defence.

APOSENTADORIA
No início da década de 2010, apesar das qualidades dos navios e importância para as missões dos Royal Marines, os LPD da Classe Albion foram alvos de estudos visando a redução de suas atividades, que indicaram que ambos deveriam, alternadamente, serem colocados em prontidão prolongada (reserva sem tripulação), o que efetivamente ocorreu até a comunicação oficial do descomissionamento. Em paralelo aos planos de desmobilização de navios, a RN estava desenvolvendo importantes programas, entre eles os Type 45, submarinos nucleares de ataque Classe Astute e navios-aeródromos Classe Queen Elizabeth.
Entre 2014 e 2016 o HMS Albion foi submetido a um período de manutenção geral, sendo que, em 2018, se encontrava em serviço enquanto que o HMS Bulwak estava de prontidão prolongada com previsão de retirada no ano de 2034 quando estaria entrando em serviço uma nova Classe de seis navios anfíbios denominados MRSS (“Multi-Role Strike Ship” – navio de ataque multifunção).
Em outubro de 2017 a imprensa inglesa relatou que estava sendo considerada a saída de serviço dos dois LPDs como parte de um projeto de medidas de redução de custos destinadas a atenuar as despesas com os dois novos navios-aeródromos. Entretanto, em 30 de setembro de 2018, em Conferência do Partido Conservador, o secretário de Defesa do Reino Unido, Gavin Williamson, encerrou as especulações sobre a baixa antecipada dos Classe Albion.
Em julho de 2023, o HMS Albion retornou a seu porto base em Devonport depois de um longo período de operações, entrando em um estado de prontidão reduzida (tripulação a bordo apenas para manutenção). A previsão era que o HMS Bulwark assumiria as tarefas do HMS Albion na linha de frente no ano seguinte, após a conclusão de grandes reparos e modernizações.
No final de 2020, o HMS Bulwark foi colocado em doca seca para trabalhos, com o retorno planejado à Esquadra em 2023. Contudo, em meados de 2023, saiu a informação de que o navio ficaria pronto somente no ano seguinte, em data a ser confirmada, o que aconteceu em março de 2025. Durante a fase final da reforma, em março de 2024, foi revelado que quando fossem concluídas as obras haveria o retorno às operações apenas se fosse extremamente necessário, sugerindo que ficaria na reserva sem tripulação. Tal decisão foi totalmente revertida pelo recém-eleito governo trabalhista em novembro de 2024, que decidiu que o HMS Bulwark seria retirado de serviço, apesar do fato de terem sido investidos £ 72,1 milhões em sua reforma, juntamente com seu irmão gêmeo.
A desativação dos dois LPDs, navios relativamente novos, está inserida em um amplo plano de modernização e otimização de recursos, com o objetivo de incorporar novas tecnologias e plataformas multifuncionais que ofereçam maior eficiência com custos reduzidos, permitindo assim que RN continue a ter um Poder Naval de projeção global.
Embora a aposentadoria dos LPD Classe Albion coloque fim em uma época notável nas operações de projeção de poder sobre terra da RN, foi destacado que a capacidade anfíbia permanecerá incólume. Os três navios de desembarque da Classe Baye o RFA Argus continuarão a fornecer o apoio crítico necessário, até a chegada dos novos navios de apoio multifunção MRSS, garantindo que os Royal Marines possam operar com eficácia tanto em tempos de paz quanto em cenários de crise.

NDM OIAPOQUE
No dia 2 de abril de 2025 durante a LAAD Defence& Security, os Ministérios da Defesa do Brasil e do Reino Unido assinaram uma carta de intenções como base de negociações formais, incluindo avaliações técnicas detalhadas e discussões sobre os termos financeiros e logísticos, visando a incorporação dos LPD Classe Albion à MB e, em 30 de abril, a ministra de Estado para Aquisições e Indústria de Defesa do Reino Unido e deputada Maria Eagle confirmou da Câmara dos Comuns a intenção de vender os dois navios ao Brasil.
Já na ultima quarta-feira, dia 10 de setembro, durante a Defence & Security Equipment International United Kingdom (DSEI UK) 2025, a MB formalizou a aquisição do HMS Bulwark, que passará a se chamar Navio-Doca Multipropósito (NDM) Oiapoque.
A nova designação segue a tradição da Força de homenagear marcos geográficos nacionais e destaca a relevância estratégica da região Norte do País. O nome simboliza a presença do Estado brasileiro em áreas de interesse marítimo, refletindo o compromisso da Marinha com a soberania, a integração nacional e o apoio a comunidades isoladas, especialmente em ações cívico-sociais e de Defesa.


Artigo publicado na edição 179 da revista Tecnologia & Defesa