O outro lado da Guerra das Malvinas: a participação dos países sul-americanos – Parte 1

Na semana do aniversário de 43 anos do fim do conflito das Flaklands/Malvinas, que se encerrou com a rendição argentina em 14 de junho de 1982, uma visão completamente diferente é apresentada, com informações, que mesmo hoje não são oficiais, relatam a participação de diversos países do continente que, de forma direta ou indireta influenciaram nos rumos da guerra. Tecnologia & Defesa, a partir de várias fontes bibliográficas, traz país por país um histórico dessa participação sul-americana com alguns detalhes até hoje inéditos no Brasil.

Hélio Higuchi e Paulo Roberto Bastos Jr.

Em 02 de abril de 1982, A Argentina invadiu o arquipélago da Falkands, um território ultramarino britânico, resultando em um conflito direto contra uma das maiores potências militares da época, com duração de 74 dias, no “fim do mundo” e colocou em chequealgumas alianças e reavivando algumas diferenças regionais.

A invasão argentina aconteceu em 02 de abril de 1982, na chamada “Operación Rosario”, que rapidamente subjugou as tropas britânicas (Foto: via Internet)

Devido à urgente necessidade de obter material militar para continuar numa luta que parecia ser prolongada, a Argentina procurou ajuda aos países vizinhos, e pelo menos três, de formas diferentes, prestaram auxilio.

BRASIL, UM APOIO COM DIPLOMACIA

O Brasil, que detinha (e ainda detém) o maior parque industrial bélico da América Latina, sempre apoiou a reivindicação da soberania argentina sobre as Malvinas, Geórgia do Sul, Sandwich do Sul e os espaços marítimos circundantes. No entanto, devido aos seus laços com o Reino Unido, manteve sua tradicional posição de neutralidade durante o conflito, porém na realidade suas atitudes revelam outra posição…

Amparado pelo Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (TIAR), o governo brasileiro, naépoca general João Baptista de Oliveira Figueiredona Presidência da República, decidiu não aderir a uma ajuda direta, com uma possibilidade do envolvimento de suas forças armadas, mas de forma pragmática não apresentou objeções a negociações para fornecimento de equipamento a partir das indústrias nacionais e, dentre os vários itens fabricados no Brasil que a Argentina necessitava,um deles eramaviões de patrulha marítima.

O Comando de La Aviación Naval (COAN) possuía em operação aviões de patrulha e anti-submarino quatro Lockheed SP-2H Neptune e seis Grumman S-2E Tracker, cujo emprego era crucial para a localização da frota britânica e para a orientação dos ataques dos caças. Como a Força Aérea Brasileira (FAB) possuía aviões Embraer EMB-111 Bandeirante Patrulha (P-95) em sua frota, a Argentina consultou o governo brasileiro sobre a possibilidade de cedê-los para essa finalidade.

O Brasil concordou em ceder através de um empréstimo, duas aeronaves, porém, a fim de não configurar uma ajuda direta entre as duas forças militares, fez com que o empréstimo não fosse realizado entre os dois governos, mas sim uma operação entre a Embraer, fabricante do EMB-111, e o governo argentino.  Assim,como a Embraer não possuía em seu estoque nenhuma aeronave disponível, a FAB repassou as duas aeronaves para a empresa, que imediatamente removeu suas as insígnias e marcações militares, substituindo por matrículas civis, e iniciou a capacitação de militares, com instrutores civis da empresa, em sua unidade de São José dos Campos (SP).

Entre os dias 04 a 06 de maio, oito militares argentinosselecionados por estarem já familiarizados na operação de bimotores turboélice Beech E200, participaram da capacitação, sendo estes o capitão-de-fragata Julio E. Kalauz, tenentes Miguel “Mike” A. Salvador, Luis Navarro e guarda-marinha Gustavo Zurdo, como pilotos; o suboficial Hugo Kaless e cabo Miguel Ramírez, como operadores de radar; e os suboficiais Juan Appehans e Carlos Guajardo, mecânicos, que receberam uma instrução básica muito rápida, cumprindo cada um apenas três horas de vôo de adaptação.

Em seguida as aeronaves foram entregues mantendo a pintura original da FAB, mas com prefixos de aviões civis,e voaram com destino à Base Aeronaval Comandante Espora (BACE), em Bahia Blanca, no dia 12 de maio, com a tripulação argentina, apenas oito dias após iniciarem os treinamentos de conversão.

Os EMB-111 cedidos à Argentinaforam os seguintes:

  • 2-P-201 (ex-FAB 7058), que utilizou matrícula civil PP-ZQT durante o vôo de entrega; e
  • 2-P-202 (ex-FAB 7060), matrícula civil PP-ZQV.


Para não configurar uma ajuda militar, por ordem do governo brasileiro, as aeronaves passaram por um “downgrade” em suas capacidades operacionais, sendo retirados alguns equipamentos e, principalmente, os que permitiam a realização de missões de ataque, como a retirada de sua capacidade de disparar foguetes de 70 e 127mm, além do analisador de espectro radioelétrico (MAE).

Os EMB-111 Bandeirante Patrulha era inferior as aeronaves em uso na COAN para as missões de patrulha, os SP-2H e S-2E, pois seu radar, o Eaton/Telephonics NA/APS-128, tinha menor alcance, além da ausência do MAE. Outro equipamento que não era de fábrica, mas fazia falta por ter que operar em regiões frias era o de degelo nas asas. Entretanto, apesar dessas limitações, os EMB-111 ofereciam muito mais espaço e conforto aos tripulantes, incluindo até um pequeno “galley”, possibilitando efetuar missões de maior duração com menor fadiga.

Para serem entregues, todas as insígnias da FAB foram retiradas e foram colocadas matrículas civis. Os oito pilotos e técnicos da COAN (sem uniforme militar) posam junto com três técnicos da Embraer, em frente a um dos EMB-111 na Embraer, em São José dos Campos (Foto: Aparecido Camazano Alamino)


Os Bandeirantes em ação

Chegando à Argentina, ainda com a pintura da FAB, imediatamente receberam as matrículas da COAN e depois passaram por uma série de modificações,sendo alguns dias depois repintados na cor cinza escuro e recebendo um sistema de alerta de radar (“radar warning reciever”- RWR), um MAE (similar aos retirados na Embraer), e lançadores de contramedidas despistadoras (“Chaff/flare”) e, no dia 20, já foram colocadas em operação na Esquadrilla Aeronaval de Reconocimiento, no intitulado “Grupo Embraer”, comandado pelo capitão-de-fragata Julio E. Kalauz.

O EMB-111 2-P-201 fotografado na Base Aeronaval Comandante Espora em Bahia Blanca logo após a chegada a Argentina, ainda com as cores da FAB, mas insígnias da armada argentina (Foto: Defensa y Seguridad)


No dia 21 à noite, os dois EMB-111 decolaram rumo a Rio Gallegos, sede das operações de patrulhamento aéreo do teatro de operações, e no dia seguinte iniciaram as missões. 

Com uma tripulação de seis militares (piloto, copiloto, navegador, mecânico de bordo,operador de radar e sistemas eletrônicos), voavam perto das ilhas Malvinas para rastrear a força naval inimiga. Cada missão durava em média um total de nove horas, incluindo seis horas de voo e três de pré e pós-cheque, havendo a possibilidade de encontrar com aviões inimigos, tinham como alternativa de emergência pousar no aeroporto de Port Stanley, que ainda estava operativo. Cada tripulante usava colete salva-vidas, traje de voo anticongelante, caso precisassem realizar um pouso no mar, e alguns portavam uma submetralhadora Halcón, de 9mm, e granadas de mão.

O EMB-111 2-P-102 após receber pintura cinza escuro, padrão dos S-2E Tracker, fotografado em Rio Gallegos (Foto: Defensa y Seguridad)

Nas conversações durante o voo eram codificadas, sendo que os Bandeirantes possuíam codinome “Escarola” e as Ilhas Malvinas eram chamadas de “Pastorino”, em alusão a atriz argentina Malvina Pastorino.

O “Grupo Embraer” foi composto por quatro tripulações completas, mecânicos de solo e equipes de apoio de terra, além de dois mecânicos brasileiros da Embraer, totalizando 49 pessoas e, de 22 de maio a 13 de junho,seusBandeirantes Patrulha realizaram 39 missões,com um total de 206 horas de vôo, sendo devolvidos ao Brasil somente em 14 de julho, um mês após o final do conflito.

Os dois EMB-111 do “Grupo Embraer” estacionados junto com quatro S-2E Tracker na Base de Rio Gallegos. (Foto: Defensa y Seguridad)


Uma ajuda inusitada e o pós-conflito

Outra participação relevante do Brasil durante o conflito, e que auxiliou a Argentina, foi a retenção do bombardeiro Avro Vulcan B.2 XM597, da Royal Air Force (RAF), juntamente com um míssil antirradar AGM-45 Shrike, interceptado por caças F-5E Tiger II no dia 03 de junho, após invadir o espaço aéreo brasileiro devido a um problema no reabastecimento aéreo numa das missões “Black Buck”, de ataque a posições argentinas na ilha. A aeronave e a tripulação ficaram retidas no país por uma semana, só retornando de volta no dia 10, com a condição de que não fosse mais usado contra os argentinos. Já o míssil só foi devolvido após o encerramento das hostilidades.

O Vulcan da RAF no aeroporto do Galeão (Foto: Eurico Dantas)
Os seis tripulantes do Vulcan interceptados pelos F-5E da FAB posam em frente ao bombardeiro junto com o adido militar inglês, sua família e um oficial da FAB (Foto: Internet)

Em 25 de outubro, cerca de quatro meses após o término das hostilidades, a COAN adquiriu 11 Embraer EMB-326GC Xavante (AT-26), que pertenciam originalmente à FAB, por U$ 27.585.583,00, além de U$ 6 milhões de peças de reposição e equipamentos de apoio terrestre, 22 pods com metralhadoras Macchi M-910, onze miras de tiro RFR-01 e 44 cabides para cargas externas.Devido ao estado de conservação distinto de cada avião selecionado, o preço estabelecido foi individual para cada aeronave, cujos valores variavam de U$ 1,5 a 2,1 milhões.

As aeronaves selecionadas foram transferidas para a fábrica da Embraer, em São José dos Campos (SP), onde passaram por completa revisão(“inspection and repairas necessary” – IRAN), sob a supervisão do tenente-engenheiro E. Ventura, da Armada Argentina (ARA).

Os EMB-326 incorporados foram:

  • 0775 4-A-131(ex-FAB 4576), número de série 77 118361, posteriormente rematriculado como 1-A-431;
  • 0776 4-A-132(ex-FAB 4573), número de série 77 115358, rematriculado 1-A-432;
  • 0777 4-A-133 (ex-FAB 4588), número de série 77 130373, rematriculado 1-A-433;
  • 0778 4-A-134 (ex-FAB 4602), número de série 77 116359, rematriculado 1-A-434;
  • 0779 4-A-135(ex-FAB 4545), número de série 75 084327, rematriculado 1-A-435;
  • 0781 4-A-136(ex-FAB 4574), número de série 77 116359, rematriculado 1-A-436;
  • 0782 4-A-137(ex-FAB 4612), número de série 79 157400, rematriculado 1-A-437;
  • 0785 4-A-138 (ex-FAB 4561), número de série 76 100343, rematriculado 1-A-438;
  • 0780 4-A-101 (ex-FAB 4609), número de série 79 154397;
  • 0783 4-A-102 (ex-FAB 4606), número de série 79 151394; e
  • 0784 4-A-104 (ex-FAB 4610), número de série 79 155398.


Esses Xavantes seriam para repor as perdas de aviões em combatedurante o conflito, principalmente dos McDonnell Douglas A-4 Skyhawk, e foram extensamente utilizados, sendo o último deles desativado em 2005.

O EMB-326 4-A-133 nas cores da COAN fotografado na Embraer, em São José dos Campos, antes de ser entregue (Foto: Aparecido Camazano Alamino)

PERU, A SOLIDIFICAÇÃO DE UMA ALIANÇA

O Peru, que sempre foi um tradicional aliado da Argentina, principalmente pelo fato de terem o Chile como adversário comum, também manteve uma política oficial de neutralidade durante o conflito, porém, de forma discreta, foi um dos países que mais auxiliou os argentinos.

Assim que ocorreu a invasão às ilhas, os argentinos iniciaram os contatos a fim de obter ajuda militar do governo peruano, enviando uma delegação, composta pelo general Héctor Iglesias, da Fuerza Aérea Argentina (FAA), e o almirante José Benito Moya, da ARA, para Lima a fim de ter uma audiência como presidente Fernando Belaúnde Terry.

As figuras que influenciaram para a concretização da ajuda foram o ministro da Aeronáutica do Peru, tenente-general José Gagliardo Schiaffino, e o comandante da Fuerza Aérea Peruana (FAP), tenente-general Hernán Boluarte Ponce de León, que era amigo do comandante da FAA, o brigadeiro-general Basilio Lami Dozo.

Ficou estabelecido que o Peru fornecesse equipamentos, mas que não permitiria a participação de militares peruanos nos combates, pois havia a necessidade da manutenção do contingente intacto em razão das tensões fronteiriças com o Chile e Equador, que poderiam também culminar em um conflito.

Outra decisão foi de não enviar equipamentos de origem soviética, como carros de combates T-55 e aeronaves de ataque Sukhoi Su-22, que existiam em quantidades consideráveis, mas que necessitariam de um treinamento e adaptação demorados por parte dos argentinos, além de que não queriam demonstrar ostensivamente a ajuda militar.

Entretanto, uma exceção ocorreu: foram enviados 40 mísseis antiaéreos portáteisde curto alcance (MANPADS) 9K32E Strela-2E (ouSA-7 Grail, na classificação OTAN), junto com um instrutor treinado na União Soviética, o tenente FAP Alberto Ramirez Guillén. Esses mísseis participaram de combate nas ilhas, sendo disparados contra os caças britânicos, mas sem lograr nenhum sucesso.

Todavia, os mais importantesequipamentos enviados foram dez caças Dassault Mirage 5P, junto com peças sobressalentes, e trinta mísseis ar-superfície Nord AS-30 e dois de instrução AS-20 durante o conflito, que foram vendidos por U$55 milhões na primeira semana de maio de 1982 e transferidos,sob sigilo, no final do mês para a Base Aérea La Joya,em Arequipa, no Sul do país. 

O voo secreto

O traslado dos Mirage com destino a Argentina, que mantinham a pintura camuflada da FAP, mas já portando insígnias e matrículas argentinas, ocorreu em 03 de junho, sobrevoando sem autorização o território boliviano.

As aeronaves voaram a uma altitude de 33mil pés, em completo silencio radioelétrico e utilizaram uma rota que não permitia sua detecção pelos radares chilenos, localizados em Antofogasta e Iquique, e foram lideradas por Lockheed L-100-20 (versão civil do C-130 Hercules), pertencente à FAP, comandado pelo o major Aurelio Crovetto e transportando sobressalentes e outros materiais militares.

Os pilotos dos caças eram todos da FAP, sendo eles os majores Cesar Gallo, Augusto Mengoni, Rubén Mimbela e Mario Nuñez del  Arco e os capitães Pedro Ávila, Augusto Berrantes, Marco Carranza, Ernesto Lanao, Pedro Seabra e Gonzalo Tueros.

Um dos sobressalentes mais desejados pelos argentinos eram os tanques subalares, com capacidade para 449 galões, compatíveis para todos os Mirage e Dagger argentinos, e que eram descartados no mar a cada missão de combate sobre as ilhas.Para não causar suspeitas, durante essa missão, o Hercules utilizou para comunicação com o solo, matrículas civis de uma aeronave da companhia aérea comercial Aeroperú.

A fim de despistar o Serviço Secreto de Inteligência britânico, o famoso MI-6, os Mirage 5P saíram do Peru portando matrículas que pertenceram originalmente aos caças Dagger argentinos perdidos em combates durante a guerra, mas, após o termino do conflito passaram a receber outras matrículas, sendo essas:

  • C-403 (ex-FAP 102), posteriormente trocada para C-603;
  • C-404 (ex-FAP 104), posteriormente C-604;
  • C-407 (ex-FAP 105), posteriormente C-607;
  • C-409 (ex-FAP 188), posteriormente C-609;
  • C-410 (ex-FAP 106), posteriormente C-610;
  • C-419 (ex-FAP 103), posteriormente C-619;
  • C-428 (ex-FAP 107), posteriormente C-628;
  • C-430 (ex-FAP 183), posteriormente C-630;
  • C-433 (ex-FAP 185), posteriormente C-633; e
  • C-436 (ex-FAP 186), posteriormente C-636.


A esquadrilha pousou no aeroporto de Jujuy, no norte da Argentina, foi reabastecida e decolaram com destino a base aérea de Tandil, chegando em 04 de junho.

O C-430 com a camuflagem original (Foto: via Jorge Felix Nuñez Padin)

Um fato marcante na operação foi que, dentre os pilotos argentinos designados para recepcionar os pilotos peruanos na escala de Jujuy, estava o major Luis Puga, que havia sobrevivido em um combate ar-ar sobre as ilhas dez dias antes dessa missão. Ele se ejetou quando seu M-5 Dagger foi abatido por um míssil AIM-9L Sidewinder, disparado de um Sea Harrier do tenente inglês Dave Smith. Puga ficou visivelmente emocionado quando ao avistar a chegada dos Mirage 5P pousando, um deles portava a matrícula C-410, a mesma da aeronave abatida.

Segundo o relato dele, ao oferecer um almoço aos pilotos peruanos durante o reabastecimento dos Mirage, o capitão peruano Gonzalo Tueros informou que estaria disposto a combater junto com os argentinos, utilizando uniforme argentino, mas foi informado que não era possível, pois havia um veto do comandante da FAP.

Ao serem vistoriados, os militares argentinos constataram que a maioria das aeronaves não estavam aptas de imediato para combate, pois apresentavam problemas na parte elétrica e de corrosão no trem de pouso, que requereram um extenso trabalho de revisão, sendo colocados em condições operacionais somente no final de 1982. Porém, pelo menos dois deles foram enviados para Base Aérea de Rio Gallegos, onde estavam concentrados os Mirage e Dagger que combatiam a frota britânica, para realizar o lançamento de mísseis AS-30, mas isso acabou não ocorrendo.

Os Mirage C-419, C-403 e C-428, ainda portando camuflagem da FAP, passam por uma revisão. (Foto: via Jorge Felix Nuñez Padin)

Este míssil francês, projetado na década de 1960, era guiado visualmente, por link de rádio, e controlado por um joystick. Entretanto, para maior eficiência no acerto, era necessário guiar o míssil, mantendo o avião lançador em linha reta, uma manobra perigosa que tornaria a aeronave lançadora em um alvo fácil dos mísseis antiaéreos ingleses Sea Wolf e SeaDart,e seu uso foi descartado pelos argentinos.

Os Mirages que vieram do Peru não efetuaram qualquer missão de guerra, e após o final do conflito foram utilizados para repor as perdas dos caças IAI M-5 Dagger (Nasher) argentinos.

Além dos caças e mísseis, o Peru realizou cinco voos entre Israel e a Argentina para transportar mísseis ar-ar Rafael Shafrir-2, tanques suplementares de combustível, munição para os Mirage e peças de reposição. As aquisições foram feitas como se o Peru fosse o país comprador, e foram transportados a bordo de duas aeronaves Douglas DC-8 da FAP, matrículas FAP 370 e 371.

O país também participou na triangulação de uma compra de 20 Mirages III (18 monoplaces e dois biplaces) de Israel para a Argentina, a partir de junho de 1982. Para despistar o MI-6 britânico, o scaças receberam insígnias peruanas e foram recebidas somente depois do conflito, sendo utilizadas até 2006.

Houve uma tentativa de aquisição de mísseis Exocet, para depois ser enviada a Argentina, mas foi descoberta e rejeitada. Porém essa ideia se concretizou com outro aliado…

Um dos Mirage III adquirido de Israel portando insígnias peruanas antes de ser entregue para despistar os britânicos (Foto: coleção Hernan Casciani, via Jorge Felix Nuñez Padin)

VENEZUELA E O OBJETO DOS DESEJOS

Dos países que estiveram ao lado dos argentinos no conflito, a participação da Venezuela era a que se tinham menos informações disponíveis, mas a recente publicação do o livro “Operación Exocet, Venezuela y la Guerra de las Malvinas”, trouxe mais dados sobre o assunto. Apesar de ter alguns equívocos, o livro conta com documentos e entrevistas com veteranos que tiveram participação direta em fatos ocorridos, abordando também um assunto polêmico: o envio à Argentina de pilotos de caça venezuelanos e a intermediação para a aquisição de mísseis ar-superfície antinavio Aérospatiale AM39 Exocet junto aos franceses.   

As negociações para obter a ajuda militar venezuelana começou logo após a invasão às ilhas e também se iniciou através de um contato do comandante em chefe da FAA, brigadeiro-general Basilio Lami Dozo, com o comandante da Fuerza Aérea Venezolana (FAV), o general-de-divisão (AV) Maximiliano Hernandez. Os dois eram amigos de longa data, que teve origem quando ambos eram jovens tenentes e colegas em um curso de guerra psicológica do US Army na Escola das Américas, no Panamá. Anos antes da invasão às ilhas, a Argentina realizava um intercâmbio de pilotos utilizando simuladores de vôo de Mirage e C-130 Hercules da FAV.

Durante a negociação, a Argentina entregou uma lista de requerimentos, que foi analisada e discutida numa audiência reservada com o presidente venezuelano Luis Herrera Campins, que, invocando o TIAR, foi favorável a ajuda militar.

Na lista de equipamentos requisitados, obviamente o mais importante era o fornecimento de caças Mirage IIIEV e 5V, que na época eramos mais importantes do inventário da FAV. Porém o pedido foi negado, pois era uma época de instabilidade militar, devido às ameaças de conflitos com seus vizinhos Cuba, Guiana, Granada e Colômbia, portanto não podia desguarnecer seu arsenal. Entretanto, não recusou em fornecer uma grande quantidade de equipamentos e suprimentos para auxiliar o esforço argentino,e esses foram transportados por via aérea.

A relação de equipamentos era extensa, e os argentinos tinham grande conhecimento do que havia, graças ao intercâmbio militar entre os dois países, eles até detalharam em alguns itens da lista, o local onde estavam armazenados. Um dos itens, eram os trajes de vôo anticongelante para pilotos de Mirage, que possibilitavam a sobrevivência dos pilotos em caso de queda em águas gélidas do atlântico sul. Esse material teria vindo no pacote logístico entregue pela França junto com as aeronaves, em 1973, e estavam estocados sem uso, no almoxarifado do Grupo Aéreo Nº 5, pois não tinham serventia em utilizar nas águas caribenhas.

A aeronave escolhida para o transporte foi o C-130H Hercules, matrícula FAV 3134, pertencente ao Grupo Aéreo de Transporte Nº 6 e que era o exemplar mais bem conservado da frota, pois havia recém saído do programa de manutenção SMP-515, da Lockheed.

O FAV 3134 que foi escolhido para transportar os equipamentos militares para a Argentina (Foto: Edwin Borremans, via Freddy Pedrique)

O plano de vôo previa como destino a base aérea argentina de El Palomar, sede da I Brigada Aérea, a 18 km a oeste de Buenos Aires, com escala para reabastecimento em Manaus, no Brasil, se passando por um dos muitos vôos rotineiros do Correo Aéreo Militar Interamericano (CAMI), e continha a seguinte tripulação:

  • Major Frank Lares (piloto e chefe da missão);
  • Major Oscar Cordova (2º piloto);
  • Tenente Pablo Pérez (co-piloto);
  • Tenente Pedro Jane Monferrer (2º co-piloto);
  • 1º Sargento Juan Yánez (engenheiro de vôo);
  • 1º Sargento Marcos Bolívar (2º engenheiro de vôo);
  • 1º Sargento Rodrigo Castillo (navegador);
  • 1º Sargento Pedro Yusti (mestre de carga); e
  • 2º Sargento José Arana Pinto (ajudante de carga).


O material destinado a Argentina foi coletado e guardado com toda segurança dentro de um hangar do Grupo Aéreo de Caza Nº 11 e no manifesto de carga foram relacionados os seguintes itens:

  • Cabides externos de bombas de caças Mirage;
  • Espoletas para bombas (vários modelos);
  • Munição para canhões DEFA 550, de 30x113mm, para caças Mirage e Super Étendard; 
  • Munição para canhões Colt Mk 12, de 20x110mm, para caças A-4 Skyhawk;
  • Cartuchos para o assento ejetável Martin-Baker Mk.4, para caças Mirage;
  • Tanques externos de combustível, com capacidade para 449 galões, para Mirage;
  • Radares de Interceptação Cyrano para Mirage;
  • Trajes de vôo anti-G e anticongelante;
  • Baterias de 24 volts para aeronaves;
  • Pneumáticos para Mirage;
  • Turbina Rolls-Royce Avon para bombardeiros BAC Camberra;
  • Tanques externos para Camberra;
  • Sobressalentes para Camberra; e
  • Vários sobressalentes para apoio.


O FAV 3134 foi rebocado desde a área de manobras do Grupo Aéreo de Transporte Nº 6, até a área contígua do Grupo Aéreo de Caza Nº 11 “Los Diablos”, na Base Aérea El Libertador, localizada entre as cidades de Maracay e Palo Negro, a 80 km oeste de Caracas. Porém, após toda a carga ser carregada e devidamente distribuída, foi constatado que o peso da carga, adicionado com o combustível necessário, excedia o máximo recomendado.

Enquanto a carga máxima recomendada pelo fabricante era de 155.000lb (70 ton), a aeronave estava com cerca de 175.000lb (79,4 ton). Mesmo assim optaram pela dar continuidade à missão, e a fim de evitar uma alta temperatura ambiente dificultando a decolagem, escolheram decolar na pista de três mil metros, à uma hora da manhãnos primeiros dias de junho.

O vôo do primeiro trecho de 1.900 km transcorreu sem problemas, e durante a escala para reabastecimento em Manaus, as autoridades brasileiras questionaram sobre o objetivo da missão bem como a carga que estava transportando, o que foi respondido pela tripulação como sendo uma missão do tipo A-12 (administrativa), havendo uma “vista grossa” no caso.

Uma segunda escala foi programada, pois a base argentina de El Palomar não dispunha de combustível, já que a prioridade era prover combustível para as bases aéreas que operavam os aviões que estavam combatendo, sendo escolhida uma segunda escala na Base Aérea de Assunción, no Paraguai (distante 2.500km de Manaus), para reabastecimento.

Em Assunción, a aeronave foi reabastecida até o limite, e durante a decolagem, um dos motores não queria ligar, e para fazê-lo funcionar foi efetuado um procedimento que simulava uma decolagem com o avião correndo na pista com apenas três motores ligados, para que o motor desligado acionasse devido ao movimento do ar.

O procedimento deu certo, mas, ao reposicionar o avião para decolagem, devido ao excesso de peso, um dos pneus estourou. Como não havia pneu sobressalente, foi enviada uma aeronave da FAA, que trouxe o pneu e um motor de arranque da Argentina, o que adiou sua decolagem, chegando ao destino somente no dia seguinte.

Os argentinos queriam que o C-130H levasse a carga até a Base Aérea de Rio Gallegos, distante 2.000 km, o que foi negado pelo governo venezuelano, sendo a carga entregue em El Palomar e que o avião retornasse à Venezuela.

Além dos tripulantes, o C-130H levava dois passageiros para a Argentina, o major José Augustin Borges Blasco e o capitão José Antonio Rodriguez Espinosa, ambos experientes pilotos de Mirage da FAV. Eles foram convocados pelo coronel Roberto Gruber Odreman, comandante do Grupo Aéreo de Caza Nº 11, que lhes entregou um envelope com instruções para se apresentarem ao comandante da Base Aérea de Rio Gallegos, onde estavam concentrados os Mirage e Dagger que combatiam contra os ingleses, e colocarem à disposição para realizar missões de combate em prol do esforço de guerra argentino.

Entretanto, os combates estavam no fim, pois a guerra terminaria alguns dias depois (em 14 de junho) e nenhum dos dois pilotos venezuelanos participou em missões de combate, e sequer voaram nos Mirage argentinos. Mas isso não impediu deles se inteirarem junto aos pilotos argentinos, e discutirem manobras de combate, táticas aprendidas pelos pilotos norte-americanos e franceses. Com o fim das hostilidades, os dois pilotos retornaram à Venezuela trajando roupas civis, e embarcando num vôo comercial.

A saga dos Exocet

Além de mais aviões de combate, obviamente o armamento mais desejado pelos argentinos eram os mísseis Exocet, tidos por muitos como a maior “estrela” de todo o conflito.

O binômio Super Étendard/Exocet era um Nêmesis para os britânicos (Foto: COAN)

Em 1980 a COAN havia encomendado 14 caças Dassault-Breguet Super Étendard e 20 mísseis antinavio Aérospatiale AM39 Exocet, porém, até a data da invasão, somente quatro caças e cinco mísseis haviam sido entregues, pois, segundo os franceses, o atraso na entrega dos mísseis, se devia a urgência de fornecer ao Iraque que estava em guerra contra o Irã.

Todos os cinco AM39 Exocet recebidos foram disparados, sendo dois no afundamento do destroyer HMS Sheffield (D80), dois no cargueiro SS Atlantic Conveyor e o ultimo na tentativa de atingir o porta-aviões HMS Invencible (R05). Pelo menos mais três mísseis foram lançados, porém da versão superfície-superfície MM-38 e utilizando um lançador terrestre improvisado, sendo dois deles contra o destroyer HMS Gramorgan (D19), com um atingindo o alvo, avariando-o e matando 14 tripulantes, e o oitavo foi disparado contra a fragata HMS Penelope (F27), porém sem atingir o alvo.


O sucesso desta arma, tida como a mais eficiente de seu arsenal, levou a Argentina em tentar receber osmísseis restantes pelos franceses, porém, devido aos embargos impostos pelos países da OTAN, isso não foi possível, optando por uma abordagem diferente: a aquisição indireta, através da triangulação com um terceiro país, tendo a primeira tentativa ocorrida com o Peru, mas essa foi desmascarada e a venda vetada.

Embora fontes argentinas neguem a versão de que a COAN tivesse recebido mísseis adicionais, na versão publicada no livro “Operación Exocet, Venezuela y la Guerra de las Malvinas”, escrito pelo pesquisador venezuelano Jesús Aveledo, informa que pelo menos dois AM39 teriam sido adquiridos pela Venezuela e repassados à Argentina.

Através de entrevistas de algumas pessoas que participaram da transação, foram narrados alguns indícios que tal fato realmente teria ocorrido. A operação teria sido idealizada pelo ministro da defesa da Venezuela, o general-de-divisão do Exército Bernardo Leal Puchi, com anuência do presidente da República. Essa operação consistia em conseguir adquirir dois mísseis AM39 junto ao “mercado internacional”.

Quatro oficiais foram escolhidos para o planejamento da missão:

  • Vice-almirante Andrés Eduardo Brito Martinez, que por ter sido presidente a Companhia Anónima Venezolana de Navegación (CAVIM), foi encarregada da logística de transporte;
  • General-de-divisão (AV) Carlos Humberto Pinaud Arcila, ex-piloto de caça, com bom conhecimento das fábricas francesas;
  • Coronel-aviador Jesús Ramón Aveledo Penso, pai do autor do livro e que se tornou comandante da FAV no final da década de oitenta; e
  • Coronel-aviador Roberto Gruber Odreman, o mesmo que enviou os dois pilotos de Mirage da FAV para a Argentina;


As negociações iniciaram com um jantar em Paris, França, na casa do representante na Venezuela do Office François d’Exportation de Materiel Aeronautique (OFEMA), Fermín Fernández, e o general-de-divisão Fernando Paredes Bello, embaixador da Venezuela na França. Após o jantar ocorreram outras reuniões com Fermín Fernandes, mas com o general Carlos Humberto Pinaud Arcila.

Pouco se sabe de como ocorreu à negociação, entretanto durante uma entrevista,realizada em2004 com o general-de-divisão Humberto Alcade Álvarez,ministro da Defesa da Venezuela entre os anos de 1983 e 1984, e o autor do livro, o general afirmou que, quando participava de um despacho ministerial no Fuerte Tiuna durante sua gestão, o então diretor de finanças do Ministério,general-de-divisão do Exército Silvio Mibelli Acuña, apresentou uma fatura a ser quitada referente à compra de dois mísseis AM39 Exocet da gestão anterior. Segundo Acuña os mísseis estariam registrados no inventário das Forças Armadas Venezuelanas, porém é importante esclarecer que naquela época a FAV não possuía mísseis ar-superfície AM39 Exocet, que viriam a ser operados somente após 1989, com a modernização dos caças Mirage 5V para o padrão 50V. Surpreso com essa informação, o general Alcade Alvarez levou o assunto pessoalmente ao presidente Herrera Campins, que pediu para deixar o documento com ele, pois iria pessoalmente cuidar do caso, pois se tratava de um segredo de Estado, encerrando assim a discussão.

Somente no final da década os AM39 passariam a integrar o arsenal da FAV (Foto: Alys Blanchard, via FAV Club)

Continua…



Na parte dois do artigo será explicitada a participação do país que alterou os rumos desse conflito.

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