Por Elígio Eliseu Prass
Até o desenrolar da guerra da Ucrânia, era amplamente aceito que os blindados constituem a espinha dorsal dos exércitos mais poderosos do mundo e que suas forças armadas não deixariam de manter e utilizar esses meios na resolução de conflitos.
O campo de batalha moderno, conhecido também como multidomínio, requer a integração completa das capacidades de combate para garantir superioridade no enfrentamento, incluindo-se o uso de veículos aéreos não-tripulados (“unmanned aerial vehicle” – UAV), e Sistemas Anti-UAV, hoje tão propalados e divulgados na citada guerra Ucrânia x Rússia.
Nos combates russo-ucranianos, vemos a grande intensidade do uso, e do seu efeito, de drones (para reconhecimento e ataque), munições vagantes (“loitering munition”), a saturação por fogos de artilharia, foguetes e mísseis, e o amplo uso de minas terrestres, onde a sobrevivência de viaturas é extremamente complicada.
Aqueles países que já estavam visualizando a substituição de blindados por outros meios, como Alemanha, França e Holanda, entre outros, após análise do campo de batalha ucraniano, já estão reconsiderando e reavaliando essa possibilidade, com o retorno certo dos carros de combate no estado da arte.
Podemos considerar que há basicamente três escolas principais de blindados: a norte-americana, a russa e a europeia. A primeira baseia-se no amplo emprego da logística, tendendo a colocar o maio número de blindados no campo de batalha, e mantê-los operando pelo maior tempo possível, tendo como consequência uma pesada cauda logística. A russa baseia-se no princípio da massa, com ataques sucessivos, e tendo reposição imediata dos blindados, e que são, de certa forma, descartáveis, e de construção fácil e com pouca tecnologia embarcada, mas rústicos e resistentes. Já a europeia, ou alemã, baseia-se no intenso adestramento das tripulações, com técnicas, táticas e procedimentos muito similares aos da escola americana, sendo mais austera nos meios, porém altamente sofisticados.
O Brasil segue, de forma aproximada, o método europeu, com economia de recursos materiais, mas com amplo e intenso adestramento das tripulações.
Em termos de Potência de Fogo, o calibre 90 mm foi consagrado após a Segunda Guerra Mundial, tendo durante a guerra fria evoluído para o 105 mm. Atualmente, os carros de
combate ocidentais utilizam o 120 mm, com tendência de evolução para 130 ou até 140 mm, e os russos o 125 mm. Porém, a potência de fogo do Carro de Combate moderno se dá pela combinação do armamento, sistema de controle de tiro e munições utilizadas, como por exemplo: anticarro (HEAT), cabeça esmagável (HESH), super flecha (APFSDS), canister, multipropósito, com capacidade de penetração estendida, dentre outras.
Nas viaturas blindadas de combate de fuzileiros (VBC Fuz) não há um consenso, variando entre 25 e 50 mm. Porém, é amplamente aceito que a guarnição deve ser constituída de três homens, com o máximo de incremento nos optrônicos, com o consequente aumento da capacidade de busca, aquisição, acompanhamento e transferência de alvos, conhecido como “hunter-killer”.
Na proteção blindada houve grandes avanços nas últimas décadas. Uma blindagem eficiente proporciona maior sobrevivência das guarnições, menos número de blindados destruídos, diminui a logística de recuperação e ou reparo do blindado, e proporciona aos comandantes mais opções de intervir no combate.
Houve uma grande evolução na composição da blindagem, sendo que atualmente a grande maioria utiliza a do tipo composta, com o emprego de reforço, como as blindagens modulares e ou sistemas ativos de proteção. Além disso, os blindados modernos, ou modernizados, estão recebendo cada vez mais sensores, como alerta laser e detecção acústica, combinados com atuadores e sistemas de gerenciamento por inteligência artificial, redundando em maior eficiência do blindado e capacidade ampliada de sobrevivência no campo de batalha.
Com o incremento das blindagens e sistemas embarcados, houve um aumento considerável no peso dos carros de combate, que passaram das 40 toneladas, chegando a 70 toneladas. Consequentemente aumentou a potência dos conjuntos de força, porém com limitação de locomoção, em função de pontes e terrenos não condizentes com esse peso, e até sobrecarga das suspensões.
Como solução, partiu-se para o aprimoramento da composição da blindagem, suspensões ativas, e até a redução da guarnição, tendendo a oscilar entre 40 e 50 toneladas.
Na busca de meios eficientes, à um custo acessível, países com maior tradição em desenvolvimento e aquisição de equipamentos militares, desenvolveram algumas soluções viáveis. Uma delas é a horizontalidade e comunalidade de meios, obtidos com o emprego de uma família de blindados, com base numa mesma plataforma, e que possibilita também a comunalidade, com a adoção de peças, sistemas e até torres em comum entre várias viaturas e versões.
O Exército Brasileiro (EB) não é diferente, buscando a horizontalidade com a adoção de uma família que compartilhe a mesma plataforma, onde temos como forte expoente a família do CV90, carro de combate médio (“medium main battle tank” – MMBT), com versão de VBC Fuz, engenharia, lança pontes, recovery, antiminas, de vigilância eletrônica, entre outras.
No contexto da horizontalidade e comunalidade, e dentro do panorama mundial, já temos o Projeto Guarani, que proverá todas as viaturas da tropa mecanizada, com veículos blindados 6×6 e 4×4, que possuem grande comunalidade de sistemas, componentes e de manutenção.
A comunalidade também pode (e deve) ser buscada entre as tropas blindada e mecanizada, a partir da adoção de um mesmo sistema de armas ou um mesmo calibre, como os sistemas de armas remotamente controlados (SARC) REMAX ou UT30BR, ou ainda optrônicos comuns, possibilitando uma escala de economia.
Diante da atual conjuntura da nossa tropa blindada, com grande defasagem tecnológica, onde nossos blindados são de uma ou duas gerações anteriores, de não possuirmos uma VBC Fuz, o Programa Forças Blindadas veio para trazer uma solução, contemplando também um carro de combate e uma viatura blindada de combate de Cavalaria (VBC Cav), além de modernização do Carro de Combate Leopard 1A5.
São processos de aquisição paralelos, mas que podem convergir para uma padronização de família, com os benefícios de comunalidade e de horizontalidade, como a do CV90, que preenche os requisitos definidos pelo EB. Há de considerar que a família CV90 já está em produção seriada, consagrada, e foi adquirida por nove países, num total de 15 versões. Ademais, já foi demonstrado pelo fabricante para o EB, onde foi amplamente elogiado, causando um grande interesse por parte dos militares. Soma-se a isso a origem sueca, a mesma do caça F-39 Gripen, recém adquirido pela Força Aérea Brasileira (FAB), e a disposição da Suécia de fazer transferência tecnológica, teremos possivelmente a família de blindados tão almejada pelo EB.
Outro fator de comunalidade poderia ser obtido no processo de modernização dos carros de combate Leopard 1A5BR, dotando estes com a torre de 120 mm do Centauro II, nova dotação de VBC Cav do EB, cuja viabilidade foi demonstrada na EUSATORY 2022, instalada em chassis do carro de combate Ariete C1, similar ao do Leopard 1.
Assim, teríamos a possibilidade de se utilizar os sistemas de armas que já estão em uso no EB, como a implantação da torre Leonardo HITFACT MkII, equipada com um canhão de 120 mm, na VBC CC, e a UT30BR (ou UT30 MK2BR), equipada com um canhão de 30 mm, na VBC Fuz, além do REMAX em ambas.
O fato é que o Programa Forças Blindadas veio para modernizar e alavancar o panorama de blindados do EB, o que já está ocorrendo, com a escolha do Centauro II de 120 mm, uma escolha acertada dentro da atual conjuntura, principalmente frente a dados advindos da guerra russo-craniana.
Respostas de 33
Excelente matéria, colocar a torre do Centauro II nos Leo 1A5 em sua modernização é um caminho técnico e logístico bem acertivo, se o EB deixar a desculpa de falta de verba e se organizar é o certo a se fazer caso já não parta pro substituto o que ,creio eu, demorará bem mais pra acontecer, ainda mais com base no cronograma de entrega do Centauro II .
É como colocar um som de última geração, caríssimo, num Fusca 73…
Exatamente. Um ótimo poder de fogo mais uma capacidade de resistir aos 120mm inimigos muito baixa. Então seria um MBT com muita dificuldade de sobreviver na linha de frente. A horizontalidade é necessaria, bem como sua comunalidade, porém tem um limite que é a capacidade de sobrevivência. Ainda mais se considerarmos que sempre são poucos MBTs no exército brasileiro.
Tb sou cotra em gastar vela no Leo, por mais que goste dele. Já partia para o CV90 e usava os Leos até acabar. Gastar dinheiro em sua modernização não é uma boa!!!
Penso que a melhor opção seria a aquisição de veículos modernos, ainda que seja em um número pequeno no inicio. Na mesma linha do CV90 temos os Lynx 120 da Rheinmetall. Outras alternativas mais tradicionais na casa das 50 Ton, temos o Leclerc, o T90’s , o caríssimo Panther, e o Type 90 japonês… Ou ainda a alternativa Chinesa do VT4, este inclusive com a possibilidade até de produção local a depender do tamanho daencomenda.
Leclerc e Type 90 (Kyū-maru) não são mais produzidos…sendo o Leclerc o fonte do sistema de carregamento do Type-90, K-2 e Type-10…
eu achava que o exército já tinha escolhido um VBC fuz e um Mmbt com essa publicação kkkk , não foi hoje
Talvez um mix de CV-90 e um verdadeiro MBT raiz (Tipo 10 japonês, Black Panther, M1-Abrams SEPV3, Lerclec, Aríete 2, o VT-4 chinês ou Mesmo o Merkava IV… O EB poderia desenvolver doutrina para utilização desse mix… Com os MBT liderando frações e servindo como ponta-de-lança ou unidades principais de choque e os CV-90 dando “massa” e se valendo da tecnologia superior…
Se o Projeto Guarani é um exemplo de programa de família horizontal tendo 3 plataformas automotivas diferentes, mas com componentes comuns isso indicar que a plataforma automotiva do VBCC e do VBC-Fuz podem ser ainda distinta deque tenham uma comumalidade de componentes entre elas…
Três plataformas automotivas diferentes?
Guarani, Centauro e LMV
EB na direção de fazer modernizações em veículos muito antigos, sem melhorias em blindagem,
mas que custarão aprox. o valor de veículos novos chineses/russos.
A colocação de uma torre atual, como já demonstrado no ARIETE, e uso de blindagem add on, no mínimo colocará os nossos LEOPARD 1 no nível dos LEOPARD 2 A4. Quanto aos chineses e russos, não passam nem perto das pretensões do EB.
O Ariete é uma leve evolução do Leopard 1 e tem fabricação mais recente. Sua modernização faz mais sentido do que a dos nossos Leopards 1.
O custo de colocar uma torre nova, blindagem adicional e provável troca de motor, a meu ver, sai caro o suficiente para não compensar a modernização, pois ficará abaixo dos MBTs modernos e será um chassi surrado tendo que durar 60/70 anos. Melhor comprar um blindado novo, ainda que em menor quantidade, e que aguente o tranco por 30/40 anos com mais tranquilidade.
É mais ou menos como modernizar o Cascavel. Gastar muito dinheiro para ter um veículo inferior aos atuais.
A indústria nacional não possui capacidade de desenvolver um blindado nacional e utilizar torres já consagradas de fabricantes estrangeiros?
Entendo que existem inúmeros componentes que não temos capacidade ou licença de produção, porém o casco, motor, transmissão e lagartas são itens com total capacidade de produção local.
Qual aço nacional vai usar no casco?
Qual motor e transmissão? Serão novos projetos ou que já são fabricados aqui?
Quem vai fabricar as lagartas?
A palavra “comunalidade” aparece umas 8 vezes no texto, um carro de combate CV90120 com torre Leonardo Hitfact (mesma do centauro) e uma viatura de combate fuzileiro CV9030 com torre do Guarani UT-30BR (embora mereça uma UT-30MK2), padronizaria o treinamento e o apoio logístico…solução acertada e bem pé no chão para cavalaria blindada.
A adoção do CV90 só fico pé atrás no custo de duas variantes, a versão lança pontes que eu nunca vi (acho que ainda não existe) e aquela versão morteiro com torreta (mjolnir), talvez uma versão morteiro nos moldes do M1064/M1287 (sem torre) seja mais interessante e barato de operar.
Rafael, realmente a lança ponte e a morteiro ainda não existem, apenas em projeto. Contudo, o EB tem previsão delas.
Eu ainda prefiro um MBT do que um MMBT.
CV90 seria uma ótima escolha para VBC Fuz, mas para VBC CC eu prefiro o K2 Black panther sul coreano ou o Merkava Mk4 ou Mk5 israelense.
Caro Elígio Eliseu
Uma pergunta de leigo:
Quais seriam os prós e contras (se é que existem) de trocar a turbina do Abrams por um motor diesel?
Ou ainda, já sair de fábrica com propulsão a diesel?
Antecipadamente agradeço
Meu amigo, o ABRAMS pode usar diesel na turbina. Quanto à trocar por um motor convencional, seria um enorme serviço de engenharia, com resultados talvez não compensadores.
Aliás, uma das vantagens da turbina está no fato de que se pode utilizar qualquer tipo de combustível.
Claro que cada um impacta de forma diferente na sua eficiência e durabilidade.
Obrigado pela resposta.
Abraço
Obrigado pela resposta
Abraço
Penso que o teatro de operações na América do Sul torna desnecessário pesados investimentos em blindados pesados. Não temos inimigos externos. Investiria sim em caça – tanques rápidos equipados com mísseis, além de maciço investimento em drones.
Mas José Carlos, ficou meio contraditório seu comentário! Se na América do Sul é desnecessáro investimento em blindados, para que ter caça-tanques e drones? Para acertar o que? Caminhões e ônibus? Não entendi!
Qualquer força que possua blindados, mesmo leves. Temos alguns regimentos de carros de combate equipados com os Leopard e Gepard. Suas tripulações são bem treinadas. Mas aí vem meu questionamento: combater quais forças? Em caso de força expedicionária, não teríamos estrutura nem para embarcar 10 blindados pesados. Temos que focar na defesa, principalmente a antiaérea. Viaturas rápidas dotadas de blindagem leve, baixo calibre e um lançador de mísseis são dez vezes mais baratas e 10 vezes mais letais do que um Leopard ou um T-90 no campo de batalha.
O valor de um único blindado Leopard ou equivalente daria para equipar vários blindados Guarani com lança mísseis. A letalidade do conjunto seria maior e com baixo custo.
Entendo o ponto de vista de todos os que postaram aqui. Particularmente, não consigo conceber batalhas de blindados pesados aqui na América do Sul. Penso que os investimentos deveriam focar a defesa antiaérea, além de viaturas rápidas – caça -tanques – ( sobre rodas ou lagartas) armadas com mísseis.
O M1 Abrams pode concorrer no programa ?
Para MBT sim porém teria que ter um IFV para ser oferecido e que tenha um comunalidade com ele…e com parte dos subsistemas embarcado nos veículos do programa Guarani (Guarani Centauro II e LMV)…
Flávio valeu pela resposta, então já podemos dar o Abrams como fora do programa para o MBT difícil os Americanos modificarem o Abrams para ser vendido ao EB.
O Exército deve ter MBT , um na faixa de 50 e 55 Ton , como não temos um grande poder aéreo ; a proteção deve ser prioridade além de ter uma grande capacidade de choque ! Gostaria muito que o EB transferisse um RCB para o norte do país , para a proteção da Foz do Rio Amazonas ; mesmo que nossos vizinhos não nos traga perigo , devemos lembrar que a Amazônia é cobiçada por muitos