Produtos militares usados: ilusão ou barganha?

Por 388 milhões de dólares, a Romênia adquiriu da Noruega, em novembro passado, uma frota de 32 caças Lockheed Martin F-16MLU além de peças de reposição, equipamentos de suporte para manutenção e operação, e treinamentos diversos.

Este é o terceiro passo daquele na renovação da sua frota de aviões de defesa aérea em menos de 10 anos.

Lidando com orçamentos de defesa restritos e tendo a necessidade de retirar do serviço ativo os já ultrapassados MiG-21 Lancer, mesmo que esses tenham sido modernizados por Israel com novos aviônicos e sistemas eletrônicos, a Romênia optou pelo caminho do “bom e barato” para essa reestruturação.

Embora todos saibam que o “bom e barato” seja uma utopia, de fato, a barganha paga pelo governo de Bucareste pode impressionar, num primeiro momento, políticos e a população do seu país. Mas esse foi um bom negócio ou apenas um jogo de ilusionismo?

Não que o F-16 seja uma plataforma ultrapassada e dispensável. Pelo contrário. O caça de fabricação norte-americana continua sendo a ponta da lança inclusive nos próprios EUA.

A primeira cartada da Romênia para renovar a sua defesa aérea foi feita em 2013 num acordo de 600 milhões de euros com Portugal para 12 F-16 MLU. Treinamentos, lotes de peças de reposição, ferramentais e equipamentos de suporte vieram no pacote e as primeiras entregas aconteceram a partir de 2016.

Apesar da bela camuflagem em tons de cinza, tratavam-se de caças com mais de 30 anos de operação naquela ocasião, e que hoje encontram-se num estágio muito avançado de fadiga de material que pode resultar na baixa disponibilidade e confiabilidade para o cumprimento das missões operacionais.

Isso porque os aviões negociados por Portugal eram do segundo lote de 25 exemplares que o país recebeu pelo acordo Peace Atlantis II, em 1998. Todos foram fabricados no período de 1983 a 1985 no padrão Block 15OCU e que posteriormente passaram para o Block 50 MLU com a modernização de meia-vida. Os caças foram entregues a custo zero e Portugal apenas pagou pelo translado e por novos motores. Os demais 20 exemplares do acordo Peace Atlantis I, comprados novos de fábrica em 1994, permaneceram em serviço na Força Aérea Portuguesa.

A frota romena foi ampliada em 2019 com mais cinco aviões comprados novamente de Portugal por 333 milhões de euros.

Apesar das aquisições, as quantidades ainda eram insuficientes para substituir os velhos MiG-21.

Então, veio a oportunidade de norueguesa. Os 32 exemplares comprados foram fabricados no período de 1980 a 1983 e são das variantes iniciais do F-16, ou seja, o Block 1 e Block 5. Todos passaram para o padrão Block 15 por meio de um MLU no final dos anos 1990. No momento da sua entrega para a Romênia, prevista para ocorrer a partir de 2023, esses acumularão mais de 40 anos de operação.

Mesmo operando com um avião que foi amplamente provado em combate e contando com mísseis ar-ar modernos como os de longo alcance AIM-120 AMRAAM guiados por radar ativo e os de curto alcance orientados por infravermelho AIM-9X, a Romênia deve enfrentar uma série de dificuldades com a chegada desses “novos” 32 caças.

Isso porque o país vai operar com F-16 que pertencem a lotes distintos e que guardam grandes diferenças estruturais entre si, criando um problema logístico.

Além disso, sistemas como os hidráulicos, elétricos, o motor e o trem de pouso, que sofreram elevado atrito operacional ao longo dessas quatro décadas, vai em panes corriqueiras na linha de voo como vazamentos e falhas, esvaziando as linhas de voo e enchendo os hangares de manutenção.

A prontidão operacional será comprometida e o índice de missões abortadas por pequenos defeitos será cada vez maior.

Outro ponto em questão está na eficiência do sistema como um todo. Com o acúmulo da idade, o motor não possui o mesmo desempenho da fase inicial de operação, fruto do desgaste sofrido. Em termos práticos, o caça não atingirá as mesmas velocidades e manobrabilidade de quando tinha 10 ou 20 anos de operação. A quantidade de pista necessária para decolar totalmente armado será maior do que nas décadas anteriores. O consumo de combustível, fatalmente, será cada vez mais superior.

Não há nada de novo nisso, acontece com toda e qualquer frota durante o seu ciclo de vida. Na fase de amadurecimento, tende-se a ter um custo maior, que é gradativamente reduzido ao longo dos anos de operação, voltando a se tornar mais custoso conforme se aproxima da sua desativação.

É justamente nessa fase que se encontra a frota adquirida pela Romênia. Nesse caso em particular, Portugal e a Noruega certamente levaram as maiores vantagens na negociação.

Cenário regional

Infelizmente, na América Latina, a opção por equipamentos militares usados ainda é uma prática corriqueira.

Usando o caso romeno do F-16 como exemplo, o Chile sofre com a questão logística por operar com modelos distintos na sua frota. Depois de comprar, no início dos anos 2000, 10 F-10 Block 50 novos de fábrica, o país incorporou outros 36 F-16 Block 15 MLU da Holanda, todos os tipos fabricados no início dos anos 1980 e que foram repassados à nação latino-americana 30 anos depois.

F-16MLU do Chile. Foto: João Paulo Moralez

A vantagem para o Chile foi que os aviões, apesar da idade, tinham poucas horas de voo e muitas das diferenças entre os lotes estão sendo resolvidas com uma nova modernização, embora a solução do novo radar ainda esteja pendente.

A doação ou compra de equipamentos usados afeta esses segmentos na América Latina, como é o caso dos incontáveis Bell UH-1H repassados para Bolívia e Paraguai, por exemplo, ou frotas diversificadas de aeronaves leves da linha Piper e Cessna apreendidas dos narcotraficantes e incorporadas ao serviço ativo.

Até mesmo as modernizações, em alguns casos, apresentam as suas falhas. Por falta de recursos, a abrangência dos trabalhos é reduzida e itens que erroneamente são vistos como menos importantes são cortados da lista de atualizações.

Na Argentina, com o C-130H Hercules, a não adequação do sistema elétrico para suportar a nova carga de energia dos aviônicos instalados acabaram por prejudicar o desempenho das missões. A prontidão operacional, em todos esses exemplos, acaba sendo comprometida.

Os Super Etendard Modernisé da Armada Argentina ainda não entrarem em operação por falta de peças de reposição. Foto: Sergio García Pedroche

Outro caso emblemático da Argentina foi a compra de cinco Super Etendard Modernisé da França por aproximadamente 13 milhões de euros. Os tipos, recebidos em 2019, têm apenas 10 anos de vida útil depois da longa carreira em serviço. Até o momento, nenhum avião sequer entrou em operação por falta de peças de reposição, como os cartuchos dos assentos ejetáveis.

Dessa maneira, à primeira vista, aviões usados são um bom negócio no ato da compra, mas ao longo dos anos essa matemática resulta no barato que saiu caro.

O Airbus A330-200 adquirido usado pela FAB se mostrou como um ótimo negócio. Foto: SO Johnson Barros / FAB

Mas nem toda a compra de material usado é arriscada. Em algumas situações, servem como transição ou solução temporária até que um novo equipamento seja entregue ou adquirido. Assim foi o caso dos Mirage 2000C/B comprados usados da França em 2006 e que voaram até o final de 2013 na Força Aérea Brasileira. A frota contou com um pacote de suporte logístico que garantia um número de horas de voo por avião por ano. Mais recentemente, o Brasil comprou dois Airbus A330-200 para recuperar a sua capacidade de transporte estratégico. Os tipos, apesar de serem usados, possuem poucas horas de voo e tem longa vida útil até serem desativados, o que representou uma boa oportunidade de negócios para o país.

Linha de voo de Mirage 2000C/B durante a Cruzex 2013, antes de sertem desativados em 31 de dezembro de 2013. Foto: João Paulo Moralez

 

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Respostas de 5

  1. Bom o texto. O barato sai caro em muitas vezes. Não se remenda tecido gasto/usado. O triste q nestas barganhas ou transações politicas/militares os mais fracos e pobres são os maiores prejudicados.
    Penso q os países pobres se ajuntando e comprando em conjunto de um bom fornecedor de equipamentos e armas, eles poderiam baratear o contrato pela grande quantidade sendo comprada e negociada, isso ocorre qd supermercados se ajuntam e compram em conjunto de fornecedores, e ou empresas compram muitos p trocar ou renovar sua frota de veículos, por exemplo.
    Situações como estas, q empresas novas ou pequenas poderiam aproveitar e vender seus produtos e serviços.
    Dependendo do q compra, há ainda “o dedo dos Eua”, q auxilia só os seus “capachos e parceiros”…
    O texto ensina q “coisas antigas”, continuam sendo “novas”…
    Abraços…

    1. nenhum fornecedor “sério” ou “não sério” venderia bons produtos sob um bom contrato a um consórcio de países pobres. O “end user”, as sanções, o FMS e os produtos chineses estão aí exatamente para isso, para impedir nações pobres de ter uma real soberania militar e econômica. Material russo/chinês servem para endividar, enquanto FMS impede que indústrias locais surgem ou progridam.
      Feliz ano novo a todos!

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