Por Miriam Rezende Gonçalves (*)
No dia 28 de abril de 2021, a Força Aérea Brasileira (FAB) anunciou o resultado do chamamento público, informando o nome das empresas selecionadas e autorizadas a realizar operações não militares no Centro Espacial de Alcântara (CEA), sendo estas as americanas Hyperion, Virgin Orbit e Orion Ast e a canadense C6 Launch Systems. Porém, por questões jurídicas, a Hyperion atrasou o processo e a startup sul-coreana Innospace assumiu o sítio principal de lançamento (SISPLAT-VLS).
Foram criadas algumas regras para que estas empresas operassem no CEA, dentre elas possuir sede no Brasil, fomentando à geração de emprego e criando um ecossistema de inovação local e, consequentemente, para que os impostos permanecessem no país, cumprindo a legislação brasileira que ainda está em fase de regulamentação.
O ineditismo do setor espacial no país apresenta algumas questões desafiadoras, como por exemplo, o seguro exigido pela Agência Espacial Brasileira (AEB) para a emissão da autorização de lançamento, sendo necessário para cobrir os prejuízos causados à infraestrutura ou perda de vidas em caso de acidentes.
A explosão de um veículo lançador pode destruir parte da estrutura do centro de lançamento, causar danos a estruturas nas proximidades ou mortes de trabalhadores, como o acidente ocorrido no próprio centro de lançamento de Alcântara em 2003, onde a torre de lançamento foi destruída e 21 trabalhadores perderam a vida.
Os valores para esse tipo de seguro são elevados, não sendo possível uma única seguradora arcar com todo o valor em caso de acidentes catastróficos, aliás, dependendo da seguradora, o valor do seguro pode sair até mais alto que a própria operação, inviabilizando o lançamento. Assim, países como Estados Unidos, por exemplo, utilizam um teto limite a ser coberto por seguradoras privadas, sendo que o valor acima deste limite seria coberto pelo Estado.
Essa é uma medida para auxiliar e incentivar as atividades espaciais, pois sem seguro, a maior parte das empresas não conseguiria exercer suas atividades. Importante ressaltar que a probabilidade de acidentes catastróficos é baixa, por conta dos procedimentos de segurança adotados tanto pelas empresas quanto pelo próprio centro de onde o lançamento será realizado, contudo, esse “seguro complementar” ainda não está pacificado na Lei Geral de Atividades Espaciais (LGAE).
A Economia entendeu como um subsídio à atividade espacial não compatível com a política adotada pelo Brasil para incentivos às atividades comerciais, e isso precisa ser resolvido, pois as empresas não irão assumir sozinhas o risco. Uma possível solução seria utilizar o mesmo instrumento do caso do acidente de Brumadinho, onde foi aberto crédito extraordinário pelo Congresso para atender às famílias afetadas pelo acidente. Basta, portanto, utilizar esse Fundo.
O Brasil tem uma chance de se inserir entre os poucos países que possuem centros de lançamento comerciais, mas sem os incentivos corretos ele pode perder a chance de se colocar como um importante player em um mercado que deve atingir mais de U$ 1 trilhão de dólares já em 2040, sem contar a possibilidade de geração emprego altamente qualificado em território nacional. Pela Constituição, a exploração é competência da União, sendo necessária uma norma para permitir a exploração privada, como foi feito nos setores de aviação civil, portos e telecomunicações.
Todavia, para que questões como essas sejam solucionadas com mais facilidade, existe a Lei Geral do Espaço, que rege e prevê uma legislação para a exploração e uso do espaço exterior, incluindo a Lua e demais corpos celestes, motivo este que têm gerado debates e polêmicas na atualidade. Justamente pela ascensão do setor privado, diversos países têm feito movimentos de alterar suas leis gerais ou tem divulgado suas leis gerais do espaço, já com instrumentos que permitam o incentivo. O cerne da questão é o bem em comum de todos os países, independente do desenvolvimento econômico e científico do país, são incumbência de toda humanidade. Já existe, em andamento, uma revisão do Tratado do Espaço Exterior.
Pelo tratado o espaço é de todos, mas como garantir que os benefícios da exploração espacial sejam compartilhados com todos os países, principalmente com aqueles que não possuem nenhum tipo de infraestrutura espacial ou satelital? Países como Estados Unidos, China e Rússia podem fazer um lobby para garantir a apropriação privada dos benefícios alegando que as empresas privadas têm direito a serem ressarcidas pelos investimentos alocados na exploração. Os resultados da mineração espacial serão trazidos para terra? Se sim, isso poderia desestabilizar os mercados de minérios hoje existentes? Como isso seria regulado?
Entretanto, os tratados internacionais abordam questões mais genéricas e de interesse internacional, é imprescindível desenvolver e aprovar normativas que regulem o âmbito interno, para dar segurança jurídica nacional para as empresas, pois o setor espacial oferece um universo de possibilidades infinitas a ser explorado. Alguns países já adotaram algumas regras e a legislação brasileira segue os mesmos moldes, são eles, África do Sul, Austrália, Áustria, Bélgica, Cazaquistão, França, Holanda, Japão, Noruega, Suécia, Reino Unido, Rússia Ucrânia, entre outros, Luxemburgo, Portugal e Austrália têm criado suas leis gerais e têm despontado na área comercial do setor, um mercado pujante.
Esta é uma tarefa complexa, contudo, oportuna e que têm exigido um conjunto de esforços de alguns órgãos oficiais como, Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República (GSI), Ministério da Defesa (MD), Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), Comando da Aeronáutica (COMAER), Comissão de Coordenação e Implantação de Sistemas Espaciais (CCISE) e AEB.
O Comitê de Desenvolvimento do Programa Espacial Brasileiro (CDPEB) foi inicialmente criado em 6 de fevereiro de 2018, dentro do GSI, por meio do decreto 9.279, surgiu com o intuito de proteger o setor espacial de possíveis políticas contrárias ao seu progresso, e também, fixar diretrizes e metas para potencializar o Programa Espacial Brasileiro.
Assim sendo, o comitê, durante reunião plenária de 30 de setembro de 2020, apresentou e aprovou o relatório final do Grupo técnico 12 (GT-12) inaugurando a tão esperada fase preliminar da tramitação formal da futura norma, se concluindo desde então um estudo que resultou em um dos primeiros e mais completos arquivos sobre legislação espacial, inclusive, com determinações específicas que envolvem o conteúdo e cargas que serão levadas na coifa de um foguete, ou seja, tal documento irá regular, dentre outros, a exploração comercial do espaço.
Pautado em registros de quatro tratados internacionais, dos quais o Brasil é signatário e que nortearam este trabalho, e após passar pelo crivo de diversos ministérios, onde seus representantes emitiram incontáveis pareceres sobre o documento, a minuta de projeto de lei sugerida passou a contar com 67 artigos, divididos em oito capítulos, que foram amplamente discutidos pelo grupo composto por civis e militares, que trataram de garantir que existisse grande representatividade de diversos setores da sociedade civil, que eventualmente foram convidados a apresentar ideias com o objetivo de ampliar a explanação.
Seguindo todos os trâmites burocráticos, a iniciativa foi validada preliminarmente pelo Ministério da Economia, após uma discussão árdua e desde então, coube ao MCTI, órgão responsável pela política espacial no país (A FAB e MD são responsáveis pela atividade espacial de interesse da Defesa), encaminhar o documento final para a Casa Civil, o que não ocorreu até a presente data. Aparentemente, o MTCI, o MD e o COMAER não chegaram a um consenso sobre o resultado final do documento.
Todavia, recentemente, um Deputado Federal do Estado do Maranhão, protocolou o documento de maneira autônoma, e segundo especialistas, um parlamentar não pode apresentar um Projeto de Lei, no caso PL 1006 de 2022, que disponha sobre a organização administrativa do Poder Executivo, pois viola o artigo 61, S1, II, da Constituição Federal, inclusive, é distinto do que foi produzido em quase dois anos de reuniões realizadas por representantes dos órgãos que compunham o GT-12.
A proposta apresentada pelo parlamentar possui alguns elementos que diferem do escopo final do trabalho realizado pelos membros do CDPEB e ainda não resolve alguns problemas que precisam de solução. O caminho natural do referido processo seria pelo órgão do Poder Executivo, por último, cabe as duas casas legislativas debater e deliberar sobre o conteúdo. Mas se o parlamentar o fez, é porque encontrou uma lacuna e paira a questão: por que o Executivo não o fez?
É importante ressaltar que a demora em assinar os contratos põe em risco o interesse das empresas em lançar do Brasil. Já existem muitos centros privados sendo criados na Austrália, Alaska (EUA), Portugal, Reino Unido e Nova Zelândia, e, em caso de morosidade no Brasil, as empresas podem buscar outras opções.
Segundo fontes consultadas, o grande entrave para o consenso é a gestão do CEA, inclusive, até o momento, a Gestão de Governança da AEB não apresentou resultados significativos, para que investidores tenham o mínimo de acesso e infraestrutura acerca do local de lançamento.
Concomitante a isso, a tão aguardada LGAE tem sido tema de debates, artigos e lives que envolvem e fomentam o futuro da política espacial brasileira, com o intuito de que o mercado espacial interno continue em plena expansão. Ao infinito e além!
Referências
Uma tentativa de mensurar o retorno do investimento público no setor espacial brasileiro – Publicações Tesouro: https://publicacoes.tesouro.gov.br/index.php/cadernos/article/view/138, acesso em 22 de junho de 2022.
O primeiro passo para a futura lei geral do espaço – AGÊNCIA INFRA: https://www.agenciainfra.com/blog/infradebate-o-primeiro-passo-para-a-futura-lei-geral-do-espaco/#:~:text=Em%2030%20de%20setembro%20de,geral%20do%20espa%C3%A7o%20no%20Brasil, acesso em 22 junho 2022.
Lei das Atividades Espaciais – PL 1006 de 2022, Câmara dos Deputados: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2320339, acesso em 22 de junho de 2022.
Jornalista e escritora, pós-graduada em Argumento e Storytelling pela FAAP, especialista em inovação, com duas décadas de experiência e pesquisa sobre o Programa Espacial Brasileiro.
Autora do livro de ficção “Alcântara, a história inspirada na História”.
Respostas de 7
Matéria Perfeita. Nunca soube muito sobre a base de Alcântara e fora, só nos últimos 4 anos que ouvi falar mais. Sempre me perguntei porque a base no Brasil não é usada por outros países. Espero que suas questões e avaliações cheguem aos responsáveis pelas leis e regulamentações. Parabéns.
Muito obrigada pela gentileza comigo e com meu trabalho. Ad astra!
Parabéns pelo artigo.
Muito oportuno no momento em o país se prepara para se tornar um Estado lançador de foguetes. Precisamos urgentemente de um marco legal moderno para o setor espacial.
Muito obrigada pela gentileza com meu trabalho. Ad astra!
De fato, a governança da AEB está devendo.
Não realizou nenhuma entrega até o momento. Acabei de chegar do Maranhão e constatei esse fato, infelizmente. Obrigada pela colaboração.
Alcântara não possui vantagem geográfica de economia de propelente se o formato da Terra não for exatamente esférico.