Centauro II, a produção seriada

O Centauro II, um dos candidatos ao principal programa do Exército Brasileiro (EB) na atualidade, o projeto de obtenção da nova Viatura Blindada de Combate de Cavalaria (VBC Cav) e que atualmente está entrando em sua fase final, atinge a etapa de produção seriada com a entrega do primeiro lote adquirido pelo ao Exército Italiano (EI), que está prestes a ser concluída, e já está incorporado às suas fileiras, utilizado pela Escola de Cavalaria do Exército, em Lecce, região da Puglia, no Sul da Itália, onde forma seus operadores.

Desenvolvido como o sucessor da viatura blindada de combate 8X8 Centauro, com mais de 500 unidades construídas e operadas por quatro países, é considerado o melhor blindado de combate sobre rodas de sua geração. O Centauro II conseguiu superar em muito seu antecessor, tanto em mobilidade, proteção e poder de fogo, quanto em tecnologia embarcada.

Dotado de um poderoso canhão de 120 mm (sendo o único blindado sobre rodas operacional com tal calibre) e equipado com optrônicos e sistemas de controle de tiro extremamente avançados, é capaz de localizar, identificar e colocar fora de ação qualquer veículo blindado hoje existente, inclusive os mais modernos carros de combate do mercado. E foi com essa configuração que o EI já adquiriu 106 viaturas em três lotes (10 + 86 + 10), de 150 pretendidas, em um primeiro momento, além do protótipo, que foi atualizado, e um amplo pacote de suporte logístico.

Centauro II

Tendo como origem e referencial a evolução dos conflitos que exigem maior poder de fogo, mobilidade tática e estratégica junto à capacidade de sobrevivência do veículo e de sua tripulação, teve o contrato para seu desenvolvimento assinado no final de 2011.

O Centauro II foi idealizado como um sistema de armas leve, com peso de combate na ordem de 30 toneladas, mas com poder de a “device”, ou artefatos explosivos improvisados, que se tornaram comuns, com capacidade para operar em qualquer cenário, de guerra convencional às missões de imposição e/ou manutenção da paz.

De acordo com os preceitos da guerra centrada em rede (“network centric warfare” – NCW), um sistema de armas moderno perde boa parte de seu valor se não conseguir atuar de forma integrada com outras unidades e o comando de operações. Durante a campanha de experimentação do projeto “Forza NEC” (“network enabled capability”) do EI, realizada no ano passado, no Polígono Militar Torre Veneri, em Lecce, ficou demonstrado o avançado nível de maturidade do sistema de comando, controle e navegação SICCONA, que fornece informações precisas e oportunas sobre a área de operação e às unidades envolvidas, em conjunto com um avançado sistema de comunicação.

O blindado Centauro II mostrou toda sua capacidade de operar de forma integrada à brigada durante campanha de experimentação do projeto “Forza NEC” (Foto: EI)

Domínio da produção

Uma das principais vantagens do Centauro II, em relação a muitos de seus concorrentes, está no domínio completo de projeto e produção de seus sistemas mais críticos pelo Consórcio Iveco – OTO Melara (CIO), formado pelas empresas Iveco Defence Vehicles (IDV) e a antiga OTO Melara, atual Leonardo.

A linha de montagem final do carro fica na cidade de Bolzano, localizada no extremo Norte da Itália, a cerca de 650 km de Roma, onde está sediado o principal parque fabril da IDV. Com uma área de 125.724 m² e cerca de 800 funcionários, está em pleno vapor a produção seriada da viatura.

Essas instalações, fundadas em 1937 e que originalmente pertenciam à empresa automotiva Lancia (que se tornou parte do Grupo Iveco em 1975), estão entre as mais modernas da Europa, com um elevado grau de automação e grande capacidade fabril, com diversas linhas de montagens de viaturas diferentes ocorrendo ao mesmo tempo, atendendo as necessidades das Forças Armadas Italianas e dos clientes de exportação. Além da fabricação, abriga um departamento de engenharia e oficina de prototipagem, marketing e pós-venda.

O seu atual parque fabril é dividido em diversas seções, que abrangem a linha de montagem do conjunto de força (“powertrain”), suspensão, carroceria, montagem final e controle de qualidade, sendo um de seus equipamentos mais sofisticados um sistema robótico de soldagem de carrocerias, que consegue executar o serviço total em até 60% de um veículo blindado, deixando apenas o restante para os profissionais da área, e esse é apenas um de seus diversos robôs.

Para se ter uma ideia, a soldagem de carrocerias blindadas é uma das etapas mais críticas (e custosa, necessitando de elevada capacitação técnica e difícil qualificação, exigindo diversos cursos muito específicos. Com esse sistema automatizado, a IDV consegue uma elevada qualidade no processo, a um custo mais baixo e com mais velocidade.

A linha de produção do Centauro II trabalha em dois turnos, podendo produzir diversas dezenas de viaturas por ano, conforme a demanda. Já seu principal sistema de armas, o canhão de 120 mm e 45 calibres, de alma lisa (ou o de 105 mm e 52 calibres, de alma raiada) é inteiramente fabricado pela Leonardo, em sua planta de produção na cidade de La Spezia.

Vista de parte da linha de produção em La Spezia (Foto: Leonardo)

Esta instalação também conta com muita história. Foi fundada em 1905, como uma “joint venture” da empresa inglesa Vickers com as italianas Terni Steelworks, Cantiere Navale Fratelli Orlando e Cantieri navali Odero, para a produção de canhões; em 1929 a empresa foi renomeada pata Odero Terni Orlando (OTO), fabricando canhões navais de grosso calibre; em 1953, teve sua denominação alterada para OTO Melara; e , em 2016, juntou-se à empresa Leonardo como Defence Systems Business Unitdentro da Divisão Eletrônica. Hoje a unidade de negócios inclui também a antiga WASS (Whitehead Alenia Sistemi Subacquei).

Mesmo mantendo toda sua tradição, seu parque fabril é um dos mais modernos da Europa, em uma área de 243.166 m² e cerca de 900 funcionários. Responde pela produção dos sistemas de armas, como as torres HITFACT MkII e a estação remota de armamento HITROLE, que equipam os Centauro II, e as navais OTO 127/64 LW Vulcano, OTO 76/62 Super Rapid Multi-Feeding (SRMF), que equipará a nova Classe Tamandaré da Marinha do Brasil, e Marlin 30, instalado nos navio-patrulha oceânico da Classe Gowind da Armada Argentina, além de sistemas eletrônicos embarcadose da produção de munições guiadas terrestres e navais.

A torre HITFACT MkII, de terceira geração, para três ou dois ocupantes, possui um perfil mais baixo e pode utilizar um canhão 120 ou 105 mm, com sistema de carregamento manual ou automático, novas miras eletro-ópticas e capacidade de utilização de munição programável. Tem uma escotilha para o comandante com oito periscópios, e outra, para o carregador com cinco periscópios. Na parte de trás da torre fica o compartimento de munições, colocadas separadas do compartimento da tripulação, a fim de proteger os operadores de qualquer possível evento de deflagração.

O Centauro II, que já era tido como um forte candidato para o programa VBC Cav, por suas características operacionais e por ter sido desenvolvido especificamente para essa missão, proporciona às forças mecanizadas uma capacidade de combate similar às unidades mais pesadas, com maior mobilidade e autonomia, e é considerado o “estado-da-arte” na categoria, que possui a segurança de ser um veículo em produção e operação em um país da OTAN aliado com a vantagem de ter todos os seus principais sistemas ofertados por uma única empresa, garantindo uma maior facilidade em negociar não só sua aquisição, mas todo o suporte logístico no país, incluindo uma unidade já consolidada, bem como a transferência de tecnologia e sua contínua evolução no EB.

Outra vantagem bem significativa, caso o Centauro II seja o escolhido para este programa, reside no fato de sua torre poder ser utilizada em uma eventual modernização das viaturas blindadas de combate – carro de combate (VBC-CC) Leopard 1A5, caso o EB opte por trabalhos mais profundos, sem grandes riscos, já que uma versão anterior já foi instalada em um CC Ariete do EI, com chassi similar. Também pode ser adotada pelo seu sucessor, no programa VBC-CC Futuro, que o EB pretende lançar ainda este ano, o que possibilitaria maior comunalidade operacional e logística, garantindo um poder de fogo igual aos carros de combates mais modernos.

A adoção de um mesmo sistema de armas para os principais sistemas de armas da Cavalaria brasileira não só facilitaria em muito a sua logística, como permitiria uma maior absorção desta tecnologia que poderia gerar novos sistemas nacionais no futuro.

MBT Ariete com a torre HITFACT MKII (Foto: Leonardo)

Veja a matéria completa, com imagens exclusivas, e uma entrevista com Giovanni Luisi, vice-presidente sênior e diretor de marketing e vendas do CIO, na próxima edição da revista Tecnologia & Defesa

COMPARTILHE

Respostas de 19

    1. Que transferência de tecnologia cara pálida???
      De mim para mim mesmo.
      A Iveco de la e a de ca tem o mesmo sangue na veia.

  1. Paulo, a demanda do EB continua a mesma?

    Houve ou acredita que possa haver mudanças no quantitativo justificado pelo cenário global atual?

    Quantas unidades de fato seriam adquiridas e quais as reais possibilidades de a IVECO Brasil participar deste processo?

    1. Pelo que sei, posso afirmar que o Estado-Maior do EB acompanha com muita atenção o desenrolar dos eventos na invasão russa à Ucrânia, mas, até o momento, não houve mudanças em seus programas.

  2. Eis ai o muito provavelmente vencedor desta licitação, ainda mais com a possibilidade de uso da torre no Leo 1A5 M o que trará uma padronização fantástica ao EB, agregando muito na logística de manutenção.

  3. Ola T&D! Por favor uma questão, este vetor, se comparado a antiga ENGESA, ficaria na categoria do Cascavel ou do Sucuri, visto sua classe de armamento? Sds ao editores.

    1. Desculpe a intromissão, mas ficaria na categoria do Cascavel ,tanto que ,se não me engano, a torre do Centauro II é a terceira geração da torre do Cascavel .

    2. Na verdade são veículos diferentes, de épocas diferentes e para funções diferentes.
      O Cascavel nunca foi pensado como um caça-tanques, esse seria o papel do Sucuri, mas sim como apoio de fogo para a tropa mecanizada.
      O Sucuri podemos dizer que seria da mesma categoria do Centauro, e o Centauro II seria sua evolução.

  4. O Centauro II, se comparado aos outros concorrentes, não há dúvidas de que é o blindado sobre rodas que sai na frente por vários fatores. E é por isso que eu acredito que ele sairá como vencedor brevemente. É um baita de um blindado sobre rodas, com um baita canhão, baita tecnologia embarcara; de fácil negociação com o EB, já que existe essa aproximação muito grande se comparado aos outros concorrentes. Enfim. O Centauro II tem tudo pra ser o novo blindado sobre rodas do Brasil.

  5. Paulo,

    O ROB do EB do Novo Carro de Combate (SL) exige, como requisito mínimo, que o canhão de 120mm seja de, no mínimo, 50 calibres. Isso coaduna com a tendência mundial que é de aumentar a potência dos canhões do MBTs. A Iveco seria capaz de colocar na HITFACT MkII um canhão mais potente, que atenda as necessidade do EB? Caso não saiba, sugiro que procure saber. Seria uma importante informação.
    Obrigado

    1. “O ROB do EB do Novo Carro de Combate (SL) exige, como requisito mínimo, que o canhão de 120mm seja de, no mínimo, 50 calibres”.
      O único documento publicado pelo EB neste tema é o EB20-RO-04.056, publicado pelo GT NOVA COURAÇA, onde são apresentadas sugestões para o futuro programa do VBC-CC futuro, que seria o sucessor do Leopard 1A5.
      Os requisitos definitivos deste programa serão definidos quando o mesmo for iniciado, cuja previsão é para ocorrer ainda este ano.

      1. Não, publicaram também os requisitos técnicos. Documento EB20-RTLI-04.062
        Os requisitos são atualizados, eu sempre acompanho. Atualizados quando precisam ser. O que não é caso.

        1. Esse é o RTLI do RO que citei, ou seja, faz parte do mesmo estudo.
          E este é o caso sim, pois os requisitos já foram revisados e, como eu já disse, ainda este ano você poderá acompanhar em T&D estas mudanças.

  6. Parabéns pela matéria. Se especula muito pela internet a possível volta do tanque Osório, seria viável integrar a torre HITFACT MkII no mesmo para fins te estudos técnicos e de viabilidade para a volta do MBT Osório e padronizando com o Centauro II já que o EB conseguiu fazer o Osório voltar a funcionar.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *