Os bastidores da articulação que reinseriu o Brasil, no cenário aeroespacial mundial
Por Miriam Rezende Gonçalves (*)
Irmã gêmea de Apolo, filha de Zeus com Leto, Artemis era a deusa da caça, da luz suave e da vida selvagem na mitologia grega. Nome escolhido para o programa da NASA que pretende levar a primeira mulher à superfície Lunar.
A inserção brasileira, institucional, na arena espacial pela sua agência dedicada ao tema era errática até 2019. A administração que assumiu em 2019, buscou atuar, para desenvolver uma nova estratégia para o Brasil ser inserido no contexto mundial. Com exceção de atuações individuais, pouco engajamento institucional foi identificado. Para entender melhor a participação do Brasil, conversei com o brigadeiro-do-ar Paulo Eduardo Vasconcellos, principal responsável pela articulação desse acordo.
Segundo Vasconcellos, a Agência Espacial Brasileira (AEB) atuou em duas linhas, uma de repensar o programa espacial e seus desdobramentos nacionais e internacionais, e outra, de reestruturar a organização responsável por promover o desenvolvimento das atividades espaciais, ou seja, coordenar todas as ações.
Com a clareza da relevância de desenvolver uma estratégia e redesenhar o futuro da atividade espacial brasileira, o brigadeiro Vasconcellos, como parte do time da nova AEB, com o propósito de estabelecer um novo paradigma para o setor espacial, e, para tal, sua equipe propôs a estruturação da diretoria de inteligência estratégica e novos negócios. O objetivo era desenvolver uma estratégia de inovação das atividades espaciais futuras e a reconexão, de forma institucional, com alinhamento junto aos diversos fóruns de discussão internacionais, neste contexto, surgiu a oportunidade do Programa Artemis.
Mas o que é o Acordo Artemis e o que esse acordo significa na prática e quais os benefícios pode trazer para o Brasil? No dia 15 de maio de 2021, o administrador da NASA Jim Bridenstine comentou por meio de uma publicação pelas redes sociais: “É um novo amanhecer para a exploração espacial! Hoje, tenho a honra de anunciar os Acordos de Artemis – estabelecendo uma visão compartilhada e um conjunto de princípios para todos os parceiros internacionais que se juntam ao retorno da humanidade à Lua. Nós vamos, juntos”.
Partindo dessas informações, agências espaciais de diversos países podem se unir a NASA, com o objetivo de facilitar a exploração e atividades científicas em solo lunar, ancorados pelos fundamentos do Tratado do Espaço Sideral, de 1967. Podemos afirmar que a principal finalidade do acordo é garantir que nenhuma nação declare o Espaço Sideral como sua propriedade. O acordo já foi assinado pela Rússia, Japão e Canadá. Entre as propostas que ele traz, estão termos como transparência, assistência emergenciais a astronautas, divulgação de dados científicos, proteção do patrimônio lunar, entre outros. Possivelmente, o benefício brasileiro seria o de voltar a cena aeroespacial internacional, após acordos desastrosos realizados no passado.
A iniciativa de juntar-se ao Programa Artemis, tomou corpo no International Astronautical Congress (IAC), de 2019, onde a AEB, pela primeira vez na história, fez uma apresentação institucional, defendendo sua realização no Brasil em 2022, em comemoração dos 200 anos da Independência. Nesta oportunidade, a AEB pode conversar dentro do escopo de aproximação do Brasil e EUA, no campo diplomático.
Deve-se ter em mente que após algumas posturas do Brasil, em relação aos EUA, no passado, como por exemplo, o “calote” brasileiro no acordo com a ISS (Estação Espacial Internacional), que foi fortemente preterido tanto no governo do então ex-presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, quanto no de Luís Inácio Lula da Silva. Mas também, o compromisso, iniciado no Governo FHC, de um programa com a China, que resultou em desconfiança por parte dos EUA, os resultados do programa CBERS são objeto de discussão no setor espacial.
Buscando uma abordagem que retirasse a dependência do setor espacial, em todos os níveis, do orçamento público, que atingiu patamares muito baixos nos últimos 5 anos, endossou-se a estratégia de inserir a indústria espacial nacional no fornecimento de componentes e sistemas nos projetos de outros países, neste ponto ingressa, como parceiro, no Programa Artemis se apresenta com uma oportunidade.
“Esta estratégia, exige que componentes e sistemas desenvolvidos no Brasil sejam qualificados em voo, assim, foi desenhada uma estratégia de missões operacionais, com algum tipo de teste tecnológico, ou quando possível, missões com satélites de menor porte para este tipo de atividade. Ao juntar-se ao Programa Artemis, abre-se a oportunidade das empresas nacionais fornecerem componentes para as atividades de diversos países, para tal, necessita de uma ação conjunta da AEB e das relações exteriores, pois será necessário o contato com os outros países. Essa iniciativa não bloqueia as outras atividades previstas para o programa espacial, pois em teoria seriam tratadas pelo setor privado diretamente, como acontece em diversos países.”, relatou o brigadeiro da Aeronáutica.
Entretanto, tal ação conjunta foi essencial para a assinatura da carta de intenções do Programa Artemis, em 14 de dezembro de 2020, pelo Ministério da Ciência e Tecnologia e a NASA. Como parte do planejamento já descrito, mas também vale a pena ressaltar a relevante atuação da embaixada brasileira nos EUA, na pessoa do embaixador Nestor Foster e do conselheiro Lauro de Castro Beltrão, no Brasil do ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo .
Para colocar nossas empresas e academia em nível adequado para participar do programa, o desenvolvimento tecnológico e científico foi reorganizado por intermédio do programa estabelecido pela Lei 9.994, de 14 de julho de 2000, que continua ocorrendo com fomento governamental, viabilizando o desenvolvimento, todavia, com foco nas aplicações de interesse de programas como o Artemis, mas também das pesquisas que permitirão a exploração da Lua de forma segura e sustentável.
Dentro do novo escopo desenhado, a Diretoria de Inteligência Estratégica e Novos Negócios, na ocasião dirigida pelo brigadeiro Vasconcellos, engajou em diversos fóruns como International Space Exploration Coordination Group (ISECG), o Moon Village Association (MVA), Habitat Marte (RN-BR), realizou dois workshops sobre mineração espacial.
A adesão ao Programa propriamente dito, ocorreu em junho de 2021, permitindo ao governo do presidente Bolsonaro realizar uma aproximação positiva com o recém-eleito Governo do presidente Biden, mais uma vitória da estratégia diplomática idealizada, em 2019/2020.
Em paralelo ao Programa Artemis, recentemente os Estados Unidos anunciaram um orçamento de oito bilhões de dólares para os próximos cinco anos, a criação da Space Force, descrito como sexto braço das Forças Armadas Americanas, para assumir operações militares no Espaço Sideral. Sem dúvida, este é outro campo que merece atenção do Brasil, os temas, mesmo que não se deseje, estão conectados.
O Acordo Artemis é, em síntese, um conjunto de boas práticas que permite estabelecer uma base inicial de discussão para revisão dos tratados de espaço exterior (1967) e da Lua (1979). Assim, a janela de oportunidades para as empresas está aberta, mas requer dedicação e ainda o trabalho conjunto com o setor diplomático para permitir este tipo de participação.
(*) Miriam Rezende Gonçalves, é escritora e jornalista. Autora do livro “Alcântara, a história inspirada na História”, uma obra de ficção científica, resultado de mais de 18 anos de pesquisa sobre o Programa Espacial Brasileiro.