A Operação Guahariba, que ocorreu em Roraima, em meados de 1992, pode ser considerada a primeira ação real dos Comandos do Exército Brasileiro e o o embrião do Destacamento de Reconhecimento e Caçadores do Batalhão de Ações de Comandos.
Por Coronel Fernando Montenegro (*)
A História dos Comandos no Exército
O 1º Batalhão de Ações de Comandos (1º BAC) é uma das principais peças de manobra do Comando de Operações Especiais (COpEsp) do Exército Brasileiro (EB) e é vocacionado para conduzir missões de alto risco nos níveis político e estratégico, contra alvos localizados em áreas hostis de valor significativo. A unidade é capacitada para operar isoladamente ou com outras tropas em qualquer ambiente operacional. O 1º BAC tem suas origens na Companhia de Ações de Comandos orgânica do 1º BFEsp, em sua versão do Camboatá, de 1983 a 2004.
Em sua estrutura atual, o 1º BAC possui três Companhias de Ações de Comandos (CAC) e um Destacamento de Reconhecimento e Caçadores (DRC).
O DRC é integrado por grupos de Reconhecimento e Caçadores que se subdividem em Equipes de Reconhecimento e Caçadores. As missões do DRC são em apoio aos Destacamentos de Ações de Comandos (DAC) e vão desde o reconhecimento e monitoramento dos alvos, até atualização da consciência situacional, guiamento dos DAC, dentre outras ações.
Desde 1957, por ocasião do primeiro curso de Operações Especiais, a formação de Operadores Especiais era restrita apenas a oficiais e sargentos de Carreira e, por volta de 1960, começou a funcionar o Estágio de Comandos como primeira fase do Curso de Operações Especiais, sendo oficializado em 1966 como Curso de Ações de Comandos, também restrito apenas a oficiais e sargentos de carreira, e tendo foco principal em Ações Diretas. Nesse momento, o Curso de Operações Especiais passou a se chamar de Curso de Forças Especiais e passou a dar mais atenção às Ações Indiretas e Guerra Irregular.
Em 1983, com a transformação do Destacamento de Forças Especiais em 1º BFEsp, as instalações ocupadas deixaram de ser na Colina Longa e passaram a ser no Camboatá. Até então, as missões de comandos e forças especiais eram cumpridas apenas por oficiais e sargentos possuidores dos cursos de Comandos e Forças Especiais. Eventualmente, devido à necessidade, algum militar com qualificações específicas, como piloto de bote, por exemplo, alguém não cursado poderia ser selecionado para participar das missões.
O recém criado 1º BFEsp, na sua primeira edição (de 1983 a 2004), possuía como peças de manobra uma Companhia de Ações de Comandos e duas Companhias de Forças Especiais ( Força 1 e Força 2), entretanto, desde 1989, a Força 2 passou a ter como principal missão a condução dos cursos de Ações de Comandos e de Forças Especiais, atividade muito intensa. A Companhia de Ações de Comandos, composta de Destacamentos de Ações de Comandos, foi concebida tendo a maior parte de seus efetivos previstos de cabos (Cb) e soldados (Sd) com a qualificação Comandos. Com a necessidade de mobiliar o efetivo da CAC, passou-se então, desde 1982, a formar Cb/Sd voluntários com a qualificação militar de Comandos, nas primeiras turmas eram todos paraquedistas. Com o passar do tempo, alguns desses Cb/Sd Comandos passaram a ser selecionados para completar o efetivo de operadores de forças especiais para as operações reais.
Surgiu então o Destacamento de Ação Imediata, mais conhecido como DAI, integrado por militares orgânicos das Companhias de Forças Especiais (Força 1 e Força 2) e da Companhia de Ações de Comandos (CAC). Entretanto, até a Operação Guahariba, 1992, as frações base de emprego sempre foram a Força 1 e os militares da CAC e da Companhia de Comando e Serviços apenas completavam os efetivos por falta de sargentos especializados ou necessidades logísticas. A concepção do DAI era organização por tarefas, inclusive participavam das missões alguns militares não Comandos, dependendo de sua expertise, como pilotos de salto-duplo, por exemplo, e em casos excepcionais, até mesmo alguns militares não paraquedistas.
Operação Guahariba, a primeira ação
O primeiro emprego de DAI, tendo como base principal de efetivo uma fração de tropa orgânica da Companhia de Ações de Comandos, ocorreu na região de Surucucus, no estado de Roraima (RR), por ocasião da Operação Guahariba, em meados de março/abril de 1992.
Era uma missão enquadrada na nossa doutrina de emprego de Forças de Operações Especiais do EB como Reconhecimento Especial e com a finalidade de fazer uma avaliação de área. A Polícia Federal também estava na região há algum tempo em operações, mas estava operando principalmente de helicóptero e não conseguia penetrar nos locais como o Exército porque seus deslocamentos a pé no terreno eram limitados.
Naquela ocasião, o Comandante do 1º BFEsp era o então tenente coronel Ruy Monarca da Silveira e, na prática, no terreno, foi um Destacamento Operacional de Forças Especiais (DOFEsp) e três equipes operacionais (Eqp Op) de Comandos.
O 3º Destacamento de Ações de Comandos (3º DAC) da CAC foi desmembrado em 3 equipes operacionais, que foram comandadas por três tenentes da Companhia de Ações de Comandos: Lauro Pinto Cardoso Neto, Aécio Mares Tarouco e Carlos Augusto Godoy Júnior.
A missão consistia nas seguintes tarefas:
- Identificar, confirmando localização geográfica, dimensões e direção, todas as pistas de pouso clandestinas identificadas em fotografia aérea no Estado de Roraima, provavelmente utilizadas para o garimpo ilegal;
- Manter contato com garimpeiros de toda área informando um prazo para evacuação voluntária da área com apoio da Força Aérea Brasileira (havia uma data e local para encontro e evacuação para Boa Vista, após o que poderiam ser presos);
- Caso encontrasse aeronaves ou garimpos em funcionamento, acionar a base para que a Polícia Federal procedesse às providências na área criminal; e
- Reconhecimento de área com ordem de prisão de venezuelanos armados em território nacional.
Naquela época, as dificuldades eram outras; as cartas disponíveis daquela área, assim como da maior parte da Amazônia, eram com escala de 1:250.000, não havia GPS, as comunicações com o rádio não eram tão fáceis, o terreno era bem acidentado e a selva era densa. Alguns guias indígenas, que acompanharam as equipes por alguns trechos, se desorientavam e começaram a atrapalhar, sendo dispensados. Como os comandantes de equipe estavam sempre orientados, não usaram mais os guias locais.
A cada cinco dias as equipes operacionais realizavam um deslocamento de helicóptero e recebiam ressuprimento de ração ou qualquer outra necessidade logística. As atividades duraram no total cerca de quinze dias. Nesse período, os integrantes do DOFEsp controlavam e planejavam o emprego das equipes operacionais de Comandos.
Ao final da missão, as equipes operacionais conseguiram os seguintes resultados:
- Verificar no terreno todas as pistas de pouso clandestinas (essa era a principal missão de reconhecimento);
- Realizar o cadastramento de dezenas de garimpeiros;
- Demover o garimpo ilegal;
- Dissuadir uma eventual presença de militares venezuelanos; e
Marcar a presença das Forças Armadas brasileiras nas terras indígenas (TI).
Um fato atípico ocorreu por ocasião do deslocamento aéreo de regresso. A aeronave C-130 Hércules, pertencente a Força Aérea Brasileira (FAB) e que dava apoio a operação, entrou num vácuo e despencou por quase 1.000 pés. Não era usual, em grandes deslocamentos de aeronaves de carga, que os militares transportados permanecessem sentados com cinto de segurança, sendo normal a montagem de redes presas à fuselagem, onde vários integrantes da tropa transportada descansam das exaustivas missões.
O “Gordo”, apelido dado aos C-130, normalmente levava seis horas voando desde a Base Aérea dos Afonsos até Manaus, onde fazia o reabastecimento. Nessa queda repentina da aeronave, quem não estava com cinto de segurança bateu no teto do avião com força e ficou lá “chapado” por alguns segundos enquanto o avião descia abruptamente, principalmente aqueles que estavam deitados em redes ou na porta de carga da aeronave. Alguns se machucaram de leve e saíram com “galos” na cabeça.
Poderia ter sido pior caso alguns equipamentos soltos tivessem comprimido o pessoal, mas felizmente não aconteceu. Embora a aeronave tenha estabilizado rapidamente, foi o tempo suficiente para algumas escoriações leves e um tremendo susto com a sensação de que o avião iria cair. Alguns poucos passageiros estavam de cinto, sendo o Comandante do Batalhão era um deles, e manteve o bom humor, é a voz da experiência…
Por ocasião da chegada à sede do 1º BFEsp, no Camboatá, houve uma constatação extremamente desagradável, pelo menos 90% do efetivo do 3º DAC contraiu malária ou Leishmaniose, inclusive, alguns contraíram as duas enfermidades. Apesar disso, os militares da CAC vibraram bastante porque nunca havia sido empregado um efetivo tão grande de Cb/Sd Comandos em uma missão real, elevando significativamente o moral depois disso.
Vale registrar também que essa missão ocorreu na região onde poucos meses depois foi criada a Reserva Indígena Yanomami, porque, em junho do mesmo ano, ocorreu no Rio de Janeiro a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, mais conhecida como ECO 92.
Por fim, embora essa missão tenha sido pouco comentada, acredito que possa ser considerada o embrião do Destacamento de Reconhecimento e Caçadores. Em que pese os empregos das equipes de Comandos não terem ocorrido em prol de uma fração de Comandos, como preconiza o atual emprego do DRC, a Operação Guahariba 1992 registra o primeiro emprego efetivo de equipes compostas, majoritariamente, por Cb/SD orgânicas de um Destacamento de Ações de Comandos em reconhecimento e monitoramento de alvos, dentre outras atividades.
Por uma coincidência, esse evento ocorreu poucas semanas antes da criação do Destacamento de Contraterror (DCT), por ocasião da condução de treinamentos específicos para o 3º DOFEsp, para atender às demandas do contraterrorismo na ECO 92.
COMANDOS, Tudo por um ideal!
Fotografias e registro de fatos baseado nos relatos operacionais de:
- Cap FE R/2 Lauro Pinto Cardoso Neto, em 08/08/2020
- Cel FE R/1 Fernando de Galvão e Albuquerque Montenegro
- Gen Ex R/1 Rui Monarca da Silveira, em 30/11/2020
(*) O Coronel (R1) Fernando Montenegro é operador de Forças Especiais nº 226, Comandos nº 404, Paraquedista nº 50.186 e oficial de Infantaria da Turma de 1987 da AMAN. É mestre em Ciências Militares pela ECEME (Escola de Comando e Estado-Maior do Exército), doutorando em Relações Internacionais pela UAL (Universidade Autônoma de Lisboa) e professor do Curso de Pós Graduação em Gestão e Direção de Segurança da UAL; atua como conferencista da Academia da Força Aérea de Portugal; conferencista convidado no USSOUTHCOM (United States Southern Command, ou Comando Sul dos EUA); auditor do Instituto da Defesa nacional de Portugal. É autor dos Livros “Comando Verde” e “Gestão de Riscos as Segurança de Eventos do Século XXI”.