Risco à Soberania Nacional

País não pode depender de produtos de segurança fabricados fora

Carlos Erane de Aguiar (*)

A pandemia mostrou o que acontece quando países abdicam de eles próprios produzirem artigos de primeira necessidade, como EPIs e equipamentos hospitalares. Quando as cadeias globais de fornecimento se encurtaram, com bloqueio de exportações, o planeta se deu conta de que havia delegado à China e à Índia a função de ser o parque fabril médico do mundo. Ficamos todos de joelhos. O mesmo acontecerá na área da Defesa e Segurança Nacional se não compreendermos o desmonte em curso no Brasil.

A julgar pelas notícias recentemente publicadas, tudo indica que o governo está levando adiante ideia externada pelo ministro da Justiça, André Mendonça, em entrevista à GloboNews, em 2 de agosto de 2020, de criar uma representação da Polícia Federal e da Polícia Rodoviária Federal nos Estados Unidos para poderem adquirir diretamente da fonte produtos de segurança made in America.

Uma portaria nesse sentido já estaria em elaboração, informou a coluna da jornalista Bela Megale, do GLOBO, em 27 de agosto. Para o ministro, que pretende adquirir material de segurança também para as PMs dos estados, utilizando para isso o Fundo Nacional de Segurança Pública (R$ 1,2 bilhão de orçamento em 2020), os equipamentos estrangeiros são “de melhor qualidade e mais baratos” que os nacionais.

É urgente que a sociedade brasileira compreenda o que essa medida representa. A força dos exércitos e das polícias em geral, cuja missão é, respectivamente, garantir a soberania dos países e a segurança dos seus cidadãos, só existe porque, ao lado deles, existe uma base industrial nacional de defesa igualmente forte. Indústrias que não apenas fabricam e fornecem equipamentos, mas investem em tecnologias próprias em território nacional, geram emprego, renda e estão a postos em situações de emergência.

A Base Industrial de Defesa e Segurança do Brasil (BID), que tem hoje cerca de 121 empresas, 99 delas consideradas estratégicas de defesa, gera cerca de 285 mil empregos diretos e 850 mil indiretos, movimentando 3,7% do PIB. É importante saber que, na pandemia, em razão da nossa capacidade instalada e pelo fato de nunca paralisarmos as atividades, pudemos fazer em tempo recorde uma reconversão industrial, ajudando no esforço de guerra para a produção de produtos para o enfrentamento da Covid-19.
Nas manifestações de 2013, quando o mundo estava em ebulição, um banho de sangue nas ruas teria ocorrido não tivesse o Brasil uma empresa de armas não letais, líder global no seu segmento. Naquele ano, essa empresa postergou as entregas de seus clientes internacionais para atender à demanda interna. Pois é assim que as empresas nacionais de defesa e segurança agem quando o seu país está em perigo.

Não é concebível, portanto, governos atentarem contra a sua própria Base industrial de Defesa e Segurança. Pelo contrário. Em todo o mundo, eles a incentivam. O pressuposto de que o equipamento estrangeiro é de melhor qualidade que o nosso é um equívoco, que desconsidera inclusive que várias indústrias brasileiras líderes em seus segmentos estão presentes no exterior, com sua qualidade mais do que reconhecida. Se somos mais caros, isso se deve às regras tributárias impostas pelo próprio governo.

Que fique claro: não somos contra o livre comércio e a concorrência, desde que se deem de forma isonômica e sadia. As indústrias de defesa e segurança estrangeiras são bem-vindas, desde que se instalem aqui, arquem com nossos custos tributários, gerem empregos, transfiram tecnologia. Itens importados são vendidos no Brasil sem enfrentarem a nossa carga tributária. Já no caso dos aqui fabricados, o ICMS médio é de 40%. Sem falar no custo Brasil, no ambiente desfavorável para os negócios, na alta burocracia, nos meios de produção caros, na logística ineficiente, no custo excessivo da energia, na complexidade na apuração de impostos, etc.

A prosperar a equivocada visão de privilegiar a aquisição de materiais de defesa e segurança do exterior, o governo federal conseguirá acelerar a desindustrialização/desnacionalização da nossa Base Industrial de Defesa. Forçar a retirada da nossa indústria para outros países, como já anunciado pela gaúcha Taurus, não atende à Estratégia Nacional de Defesa, coloca em risco nossa soberania e reduz empregos, divisas, impostos e desenvolvimento social.

Convidamos as autoridades de Segurança Pública para montarmos uma agenda de visitas às empresas de defesa e segurança do Brasil, de maneira que verifiquem por si mesmos a tecnologia, o profissionalismo e a qualidade que nossas indústrias têm.

 

Texto publicada na coluna Opinião do jornal O Globo em 04 de setembro de 2020

 

(*) O Dr. Carlos Erane de Aguiar é presidente do Grupo Condor e do Sindicato Nacional das Indústrias de Material de Defesa (SIMDE).

 

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Respostas de 9

  1. Isso tudo porque nosso mandatário veio da área de defesa, imagine se fosse ao contrario?
    Não gosto de falar de politica em espaço de defesa, mas fica claro que estamos sendo vendidos para o EUA, lá trás houve a tentativa de venda da Embraer para Boeing afirmando que seria bom. A tal empresa não tem como se sustentar, pensa o que iria acontecer com a Embraer. O governo americano está nos governando, aplicando taxas sobre nossa produção e não há reação por parte de nosso governo. Tudo porque quer comprar sucata via FMS. Todos achamos que um governo de direita realizado por um ex-militar seria bem diferente do que está ai. Ao meu ver a única defesa que esse governo se importa é com o da família dele mesmo, extinguindo o COAF para não verem suas movimentações financeiras. De ante mão, peço desculpas aos editores por esse desabafo, mas como a matéria é de cunho politico, não tem como não falar de politica. Onde está o jargão “Brasil acima de tudo”? Mais um politico enganador em nossas vidas.

  2. O problema aqui é outro. As forças de Segurança Pública precisam de produtos de qualidade internacional e preço internacional. Esses são dois pontos que estão levando às licitações internacionais.
    Os valores praticados no Brasil são exorbitantes. As empresas reclamam de impostos, mas não querem demonstrar seus custos Ex-Works, ou seja, quanto custa para produzir o produto; livre de qualquer imposto. Isso porque as margens de lucro são enormes.
    As empresas nacionais exportam para centenas de países, mas não querem ter que competir no quintal de casa, aliás exportam itens de qualidade e para o mercado interno vendem baixa qualidade.
    Basta verificar o valor da munição da CBC no Brasil e nos EUA. Qual o motivo da munição custar 5 vezes mais aqui do que lá?
    O Mesmo vale para a Taurus; Condor e Imbel.

  3. So reclamam, mas querem o mercado nacional, fechado e cativo.
    Pq., não abrem os custos e mostrem o quanto custariam sem os impostos.
    Isto sem falar na qualidade.

  4. Vocês leram a matéria????? Não viram o custo de ICMS de 40% adicionais???? Mais o fato da exigência do produto nacional ter que possuir certificado do exercito e as importadas não precisar?? A Taurus fabrica pistolas no EUA mais barata que aqui e consegue vender mais barato aqui do que comprar da unidade no RS.
    Vocês estão de brincadeira né? Não se trata de bairrismo, mas de defesa e soberania nacional. Quer vender aqui? Monte uma fabrica aqui ou que a licitação tenha as mesmas regras para todos. Mas recomendo que vocês leem a matéria antes de escrever seus comentários. Lá cita o exemplo da necessidade de comprar em meio a pandemia e só apenas uns e outros conseguiram os respiradores. Na hora que você precisar, não adianta importar.

      1. Para exporta não precisa de certificado do exercito brasileiro, que custa caro. Começa por ai. Também tem impostos cobrados por estados que não serão cobrados nos EUA. O texto é claro, as industrias querem condições de venda em pé de igualdade, apenas isso. EU trabalhei na WV no Paraná e os caros exportados para lá eram 1/4 mais barato lá do valor praticado aqui. O problema é o custo Brasil, não são as empresas.

        1. O certificado do Exército que você se refere é o RETEX que é pago somente uma vez para certificação do produto e tem validade indeterminada e custa cerca de R$ 40.000,00. Para um colete de proteção balística, nos EUA, exige-se a certificação NIJ, que tem validade de 5 anos e custa US$ 80.000,00.
          A diferença é que o lucro aqui é de, no mínimo, 100% e lá é de, no máximo, 30%.
          Como a Taurus vende uma pistola à US$ 250,00 em Miami e a mesma pistola custa US$ 1.000,00 aqui? Quais os impostos que incidem sobre o valor de produção? Lembre-se que esse valor já tem o lucro do lojista.

  5. Os valores praticados no Brasil deveriam ser bem menores para beneficiar aos brasileiros, sejam policiais ou CACs. Não sei se são os impostos; os lucros das empresas ou qualquer outro ponto, mas o fatos é que os valores são muito elevados.

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