A revista Tecnologia & Defesa entrevistou o comandante do 1°/12° GAv, “Esquadrão Hórus”, unidade responsável pela operação de aeronaves não tripuladas Hermes 450 e 900 na Força Aérea Brasileira.
Tecnologia & Defesa – Coronel, como é comandar um esquadrão aéreo sem pilotos embarcados onde o relacionamento entre esses e as aeronaves acontece à distância?
Tenente-Coronel Renato Alves de Moraes – O desafio em comandar qualquer unidade aérea da Força Aérea Brasileira é grandioso e motivante. Estar à frente de uma equipe com diferentes capacitações e competências, extraindo de cada um de seus integrantes o melhor que cada um pode proporcionar para, então, uni-los e direcioná-los ao cumprimento da missão, com o máximo de operacionalidade e segurança, sintetiza o trabalho de um comandante de esquadrão.
Quando a missão se volta ao controle de aeronaves remotamente pilotadas (ARP), um tema singular que, sobretudo nos últimos tempos, tem provocado enorme interesse de diversos segmentos no meio militar e civil, faz-nos refletir continuamente sobre a maneira como empregamos nossos vetores.
Ao mesmo tempo em que tais equipamentos permitem a preservação do elemento humano, atuando distante do cenário de emprego e sem os naturais riscos inerentes à atividade aérea, oferecem menos recursos de se ter a consciência situacional acerca do voo e do que há no ambiente ao seu redor.
Assim, esse “gap” necessita ser extremamente trabalhado: as informações apresentadas exigem análise apurada para a exata interpretação, a coordenação a bordo da estação de controle e com equipes de apoio deve ser precisa, as emergências insistentemente treinadas, entre outros aspectos doutrinários que nos permitem a operação com similar padrão de operacionalidade e segurança às demais aeronaves.
Em complemento, as funções técnicas e operacionais necessárias para a operação dos sistemas requerem diferentes “expertises”. Para algumas, a aprendizagem no domínio cognitivo é mais expressiva, em outras, a psicomotricidade tem predomínio. Com pilotos da unidade oriundos de diversos segmentos: Aviação de Caça, Reconhecimento, Patrulha, entre outras; temos um grupo heterogêneo em conhecimento e habilidades, no entanto, sinérgico e unido em propósitos. Os resultados apresentados nas operações e exercícios ao longo dos anos falam “per si”. Estar à frente de uma equipe diferenciada, com foco em resultados, é um privilégio e traz-me muito orgulho disso.
T&D – Quais as principais mudanças culturais, de doutrina e estruturais (instalações) observadas desde a introdução e operação de ARPs em Santa Maria(RS), nesses quatro anos de existência da unidade (balanço)?
Ten Cel Renato – O advento de uma unidade aérea que desenvolve uma nova vertente de emprego do Poder Aeroespacial traz em seu bojo a necessidade de adaptações em diversos segmentos da Força. As adequações ocorreram e, com o conhecimento cada vez mais amplo de seu emprego, ainda poderão acontecer.
A princípio, os ajustes legais com relação ao espaço aéreo. Sabemos que, não somente no Brasil, mas também nas nações mais desenvolvidas, essa questão suscita muitas discussões e deve ser muito bem analisada. Para isso, na Força Aérea Brasileira, o Departamento de Controle do Espaço Aéreo (DECEA) vem tratando do assunto. Para o 1º/12º GAV, por ser militar, existe uma legislação específica, mas que requer acordos operacionais que permitam a operação.
Nesse contexto, os órgãos de controle de tráfego aéreo, especialmente em Santa Maria, onde estamos sediados, necessita compreender muito bem as características e, sobretudo, as limitações de operação de nosso sistema. Esse conhecimento mostra-se fundamental para a prestação do serviço com fluidez e segurança, o que, até o presente momento, indubitavelmente, tem ocorrido.
Antes da criação do 1º/12º GAv, em 2011, foi estabelecido o chamado Grupo de Trabalho Victor, que analisou a implantação e operação dessas aeronaves na Força Aérea. Naquele momento, muito foi estudado, avaliado e alicerçado para que, com o desenvolver da atividade, a capacidade operacional fosse cada vez mais aprimorada.
Assim, foram identificadas não somente questões relacionadas ao tráfego aéreo, mas também, estabelecidos requisitos para exercer as funções operacionais, a bordo e fora da estação de controle; analisados critérios fisiológicos para o exercício da atividade e limites de jornada para os tripulantes, bem como realizado o levantamento das capacidades necessárias às equipes de voo e de apoio técnico, entre outras.
Com isso, novas missões foram atribuídas à unidade, intensificou-se a integração com as demais aeronaves militares, de maneira a permitir o emprego conjunto em um mesmo cenário tático; houve o aprimoramento doutrinário em operações conjuntas com as demais Forças Armadas e com a Polícia Federal e, de maneira mais recente, estamos experimentando uma reformulação em nosso programa de formação de tripulantes, o que, até o presente momento, tem trazido maior fluxo e treinamento mais focado no desempenho esperado.
As mudanças estruturais também tiveram que ser consideradas: houve a necessidade de se estabelecer um sítio operacional que abrigasse todos os equipamentos empregados na operação rotineira e, a despeito de ainda utilizarmos instalações provisórias, as quais possuem suas naturais limitações, a atividade é bem conduzida e, para os próximos meses, está programada a inauguração do novo hangar, sede da unidade aérea, uma construção moderna que já vem com a filosofia de emprego desse tipo de vetor.Enfim, considerando as múltiplas possibilidades de aplicação dos sistemas não tripulados, não há que considerar o trabalho de implantação encerrado. Por isso, sempre há ensinamentos em cada operação ou exercício de que participamos. Nossa grande preocupação é a síntese desse conhecimento e o registro em manuais de maneira a perpetuá-lo e permitir aos novos integrantes aperfeiçoá-lo incessantemente.
T&D – O que acrescenta à estrutura já existente no Hórus, a introdução de um vetor tão sofisticado quanto o Hermes 900?
Ten Cel Renato – A aeronave remotamente pilotada RQ-900 tem em sua configuração um novo sistema sensor, o SkEye, o que exigiu o acréscimo de novas funções operacionais à unidade, ou seja, o “commander”, que atua como um gerente de missão; o “controller”, que envia comandos ao equipamento, monitora seus parâmetros e faz a interface com os pilotos; e os “operators”, que se utilizam das imagens geradas, em tempo real, para enviá-las, sob a coordenação do “commander”, ao Centro de Operações. Tudo isso ocorre a bordo de um novo módulo de controle denominado “SkEye Control and Management Center” (SCMC).
O Sistema SkEye consiste na integração de 16 câmeras eletro-ópticas de boa resolução espacial, que operam com um “Field of View” (FOV) estreito, mais pontual, e uma câmera “Wide View”, a qual abrange toda a área coberta pelo campo de visada das anteriores, porém, com uma resolução espacial inferior. Ao mesmo tempo em que há o “downlink” dos “streams” de vídeo, estes são gravados a bordo da “Mass Storage Unit” (MSU), o que introduz o conceito de “Video on Demand” (VOD). Segundo ele, múltiplos usuários acessam os vídeos e eventos marcados pelos operadores do sistema de maneira simultânea e independente, podendo, inclusive, um ou vários “operators” realizarem um “playback” para análise mais apurada, enquanto os demais prosseguem na vigilância de outras áreas.
O sistema RQ-900 também incorpora o sensor eletro-óptico DCoMPASS (“Digital Compact Multipurpose Payload Advanced Stabilized System”), idêntico ao do sistema RQ-450. No entanto, para pilotos e operadores desse sistema, houve a necessidade de adaptá-los à nova interface, mais moderna e interativa, que também equipará, em breve, a estação de controle do RQ-450.
O RQ-900 possui autonomia de até 30 horas, o que, associado à capacidade de enlace de dados via satélite (SATCOM) na banda “Ku”, potencializa o emprego do vetor. Considerando o “uplink” e “downlink” em linha de visada na banda “C” restrito a 350 km, não restam dúvidas de que o emprego satelital é um recurso que proporciona versatilidade e pronta-resposta.
Com tantos recursos, o sistema RQ-900 mostra-se tecnológico e inovador para os profissionais da unidade, que têm a oportunidade de cumprir a missão com maior nível de operacionalidade.
N. da R.: Matéria sobre o Esquadrão Hórus está publicada na edição 141 de Tecnologia & Defesa, que está chegando às bancas.