Conhecendo as operações da mais secreta ferramenta de combate ao tráfico de drogas no México.
Por Kaiser David Konrad, do México
Reportagem originalmente publicada em 2016 em Tecnologia & Defesa
Em 2006, após tomar posse como presidente do México, Felipe Calderón teve a corajosa iniciativa de declarar guerra aos cartéis que controlam o narcotráfico. As forças de segurança não eram mais capazes de combater o mal provocado pela droga e pelos grupos que vinham disputando o controle de um mercado ilegal que ainda movimenta bilhões de dólares anualmente. Isso se devia ao fato de possuírem efetivos e meios insuficientes, agravado pela corrupção nas suas fileiras. A atividade criminosa era responsável por milhares de mortes violentas todos os anos, degradando a sociedade mexicana, exportando uma imagem de “terra sem lei”, fato que não necessariamente condizia com a realidade. Além disso, o narcotráfico havia se tornado uma séria ameaça à segurança nacional. Buscando uma solução, Calderón decidiu tirar os militares dos quartéis e os colocar nas ruas para fazer frente à poderosa ameaça, cujos tentáculos, inclusive, alcançavam algumas das próprias estruturas de governo e se espalhavam pelo mundo.
O presidente confiava no treinamento, profissionalismo e nas capacidades das Forças Armadas para uma tarefa que veio a se mostrar difícil e que até hoje está em andamento, mas ao que parece, trazendo resultados positivos. Na atualidade, o México é o país que tem o maior número de militares engajados em operações de segurança pública e combate urbano no mundo, com 35 mil soldados engajados e desdobrados em pontos chave de todo o território nacional, em missões que vão desde patrulhar as ruas diuturnamente em comboios formados por caminhões e camionetes protegidos por guerreiros com fuzis e metralhadoras em pé sobre os veículos, a até complexas operações de amplo espectro em conjunto com a Polícia Federal e demais órgãos de segurança pública, quando são empregados todos os recursos militares e tecnológicos disponíveis em terra, ar e no mar.
Segundo dados da imprensa local esta estratégia de combate direto aos cartéis do narcotráfico teria provocado a morte de quase 30 mil pessoas, sendo que grande parte delas estaria envolvida direta ou indiretamente com o crime, enquanto que muitas outras foram vitimadas em consequência dos embates. O governo passou então a focar nas atividades de inteligência, e não necessariamente no confronto direto. Assim, em julho de 2008, a Secretaria de Defesa Nacional (SEDENA) assinou um contrato para aquisição de um lote de sistemas aéreos não tripulados do tipo Hermes 450 da empresa israelense Elbit Systems Ltd, uma das líderes mundiais em tecnologias de aeronaves remotamente pilotadas (ARP), com seus produtos já tendo acumulado mais de 500 mil horas de voo operacionais nos mais diferentes teatros.
Com essa aquisição, as atividades entraram numa nova fase passando a ser realizadas com tecnologias de ponta, através de equipamentos e sensores especiais, que trouxeram uma vantagem não somente tática, mas estratégica, pois a capacidade de coletar dados de forma remota e segura, com precisão e em tempo real, proporcionada pelo Hermes 450, o transformou na principal ferramenta nesta luta. Ao privilegiar as atividades de inteligência, foram evitados os constantes confrontos, o que veio a se confirmar anos depois, com a redução drástica no número de mortes em comparação ao início da operação, que também se refletiu no número de soldados e policiais mortos e feridos em serviço, junto à redução do custo dessas ações. O objetivo não era que os criminosos fossem mortos, mas sim que eles fossem presos e levados à Justiça, a qual julgaria e sentenciaria, o que nada mais é do que o resultado do processo legal decorrente do delito cometido, um claro exemplo de que havia lei no México.
FERRAMENTA SECRETA
Em maio de 2009 a Força Aérea Mexicana criou o Escuadrón de Sistemas Aéreos No Tripulados (ESANT), numa cidade isolada no Estado de Tlaxcala, cuja localização exata é sigilosa. Sua base de operações está situada a uma altitude de 8.300 pés acima do nível do mar e em meio a uma bela região pouco habitada e cercada pelos vulcões La Malinche, Iztaccíhuatl e Popocatépetl. A unidade tem um efetivo de 250 militares. Ironicamente, em Tlaxcala está apenas a base, pois há restrições para operar ali devido à grande altitude, mas oferece tranquilidade e segurança para os militares e suas famílias, já que são muito visados pelos narcotraficantes. Sua estrutura é composta por um chefe de missão, três pilotos internos e dois externos, três especialistas em manutenção de aeronaves e outros três em eletrônica.
As operações são sempre sigilosas e os desdobramentos acontecem de acordo com as necessidades e em proveito da SEDENA, com missões frequentes nos Estados de Sinaloa, onde está o cartel mais poderoso do mundo, que era comandado por “El Chapo Guzmán”, e Durango, Chihuahua, Nuevo León, e na fronteira com os Estados Unidos. Entretanto, suas aeronaves estão prontas para serem enviadas em apenas 96 horas para qualquer região do país, bastando desmontá-las, encaixotar e colocar num C-130 Hércules. Por segurança e sigilo, os destacamentos do ESANT somente atuam a partir de aeródromos militares, os quais devem estar a uma distância de até 250 km da área de operação, pois o Hermes 450 faz a comunicação através de linha de visada, cujo enlace de dados é feito num canal principal em banda C e, de forma alternativa, em UHF. Cada sistema é composto por três aeronaves mais uma estação de controle terrestre (UGCS) e pode ser preparado para voo em menos de duas horas. Dentro da cabine, cada tripulação fica no máximo quatro horas, antes de ser trocada. Ali, além da pilotagem do voo e do gerenciamento da missão,
também são carregados os mapas, programadas as rotas normais e de emergência, se conduz a decolagem e o pouso automáticos e a recepção e o monitoramento dos dados do voo e do vídeo em tempo real, sendo que sua transmissão é feita via satélite ao escalão superior por uma unidade móvel “Global Light”.
REUNINDO INTELIGÊNCIA
O México é a principal rota da cocaína sul-americana para os Estados Unidos e também um dos maiores produtores de maconha, ópio e seu subproduto, a heroína, e que está tomando o lugar da asiática no mercado norte-americano. Identificar essas plantações é uma das atribuições do ESANT, mas é a menos complexa. A principal missão é a coleta de inteligência por intermédio da busca, localização, obtenção e difusão de informações em tempo real, de dia e à noite, sobre alvos fixos e móveis em áreas urbanas e rurais. O mais importante na guerra contra o narcotráfico é prender as lideranças, como foi feito com “El Chapo”. Por isso é necessário conhecer seus líderes; saber onde vivem ou se escondem, e com quem; quais são seus hábitos; que visitas recebem; suas ligações pessoais; e lugares que frequentam e com quem se encontram e quando. Infiltrar agentes nos cartéis é muito difícil e perigoso, e manter a observação ininterrupta em solo também, pois nas localidades ou nas suas vizinhanças qualquer pessoa é um potencial “olheiro” a serviço do cartel. É praticamente impossível conduzir uma operação disfarçada, de longa duração, sem ser descoberto e capturado, e a pena imposta pelos narcotraficantes nesses casos é a execução. Dessa forma, a vigilância aérea tornou-se o método mais eficaz de coletar dados e produzir inteligência por longos períodos sem comprometer o sigilo da operação e arriscar vidas.
Essas missões de vigilância requerem inteligência prévia, e é preciso saber qual é o alvo e o que se espera descobrir. Deve ser “direta”, ou seja, 24/7 e pode durar até dois meses, como já foi feito diversas vezes. Enquanto uma aeronave está sobre o objetivo, outra está preparada em terra e pronta para decolar e tomar o seu lugar, e uma terceira encontra-se em manutenção sendo preparada para a próxima substituição on station. A inteligência proporcionada pelos Hermes 450 tem possibilitado ao comando superior utilizar as unidades táticas em solo, escolhendo o melhor momento para abordagem ou efetuar prisões, minimizando o perigo e a possibilidade de haver vítimas, surpreendendo os criminosos num momento de fragilidade e despreparo. Graças às ARPs o efetivo utilizado é bastante reduzido. O que antes envolvia centenas de policiais e soldados, agora se faz com pequenas frações e unidades especializadas de elite, com ações mais pontuais, rápidas e discretas.
Durante essas operações a ARP coleta imagens georreferenciadas que são disseminadas em tempo real para as tropas em solo, equipadas com terminais remotos de vídeo (RVT) fornecidos pela fabricante da aeronave. O equipamento portátil provê consciência situacional única para as forças envolvidas, que mesmo em movimento e estando a mais de 15 km da aeronave, podem receber imagens aéreas, coordenadas e acompanhar qualquer movimentação de interesse dentro do perímetro, com a atualização em tempo real do cenário tático e sobre todos os atores, podendo ser informadas, por exemplo, sobre o modelo e placa do veículo utilizado pelos criminosos, se carregam armas automáticas e de qual tipo. O sensor CoMPASS IV possui um apontador laser, compatível com óculos de visão noturna (NVG), muito usado para iluminar os alvos para as unidades táticas durante os assaltos noturnos. As imagens coletadas pelos Hermes 450 são também enviadas para o Centro de Comando e Controle do Sistema Integrado de Vigilância Aérea, que consolida todas as comunicações e os sinais das estações de radar e das aeronaves de alerta aéreo antecipado Embraer 145 AEW&C da Força Aérea Mexicana. Este link direto com Ciudad de México possibilita um trabalho interagências e o acompanhamento e a interferência, se necessária, de autoridades civis e militares, colocando os diferentes escalões em contato com o pessoal no terreno.
Como ressaltou para T&D o comandante do ESANT, “a qualidade da inteligência produzida depende dos sensores empregados”. No caso do CoMPASS IV, ele permite realizar a vigilância de dia ou à noite a uma distância de até 13,5km do alvo, e está equipado com uma câmera de vídeo color CCD e outra termal (FLIR), a qual possibilita operações à noite ou com baixa luminosidade. “Durante o dia, a câmera termal ajuda a localizar pessoas dentro de um veículo ou detectar as diferenças de temperatura, de brilho, de emissividade, entre outras, dos objetos como, por exemplo, um motor ligado”. O teto de operação do Hermes 450 é de até 16 mil pés, e a altura do voo é definida em função das características de cada missão. A uma distância entre 3 e 5 km do alvo os operadores conseguem as melhores imagens. Nessas condições, o silenciador do escape do motor, a pintura de baixa visibilidade, a altura de voo, e o ruído típico em zonas urbanas tornam sua presença imperceptível para quem está no solo.
O reconhecimento aéreo é outra responsabilidade, aliás secundária, do ESANT visando uma área em particular, de coordenadas conhecidas, quando não existem informações suficientes sobre a mesma. Nesses casos, voa-se automaticamente uma rota pré-definida buscando identificar movimentos suspeitos ou atos ilícitos, e a qualquer sinal de interesse ou ato suspeito, a aeronave passa a ser controlada no modo de guiagem pela câmera, operada pelos pilotos internos direto da estação de controle terrestre. Esses profissionais sabem encontrar indícios de atividade criminosa e os mais experientes conseguem até identificar a atividade de informantes, os “olheiros”, devido ao padrão de comportamento que apresentam e a forma como fazem contato com seus interlocutores. Nem todos os pilotos são aviadores, uma exigência apenas para os pilotos externos.
Para a Força Aérea Mexicana o Hermes 450 é mais do que uma ferramenta no combate ao narcotráfico, devendo ser empregado no PLAN-III-E, em auxílio à população civil em desastres naturais, como enchentes, furacões e terremotos, fazendo a avaliação dos danos, busca de comunidades isoladas e no auxílio à resgates, pela sua capacidade de manter-se por mais tempo em voo cobrindo grandes áreas e distâncias, e por ser a única aeronave capaz de operar sem parar à noite, o que é bastante difícil para as convencionais. O Hermes 450 tem sido o principal meio utilizado em reconhecimento por imagem, vigilância aérea de áreas e de pontos e acompanhamento de alvos móveis no solo, podendo cumprir missões pré-planejadas ou não, numa única saída de maneira contínua e aproveitando sua autonomia. Faz a guiagem de tropas e unidades especiais até pontos selecionados, ou indicando a localização de um alvo através do apontador laser, visível apenas aos seus efetivos, apresentando as condições de um eventual confronto.
O emprego desses sistemas revolucionou a forma de operar das forças militares e policiais num cenário tão singular e desafiador quanto é o mexicano, mostrando-se essencial para obtenção de dados e produção de inteligência rápida, precisa e segura, sem as limitações humanas causadas pelos diferentes fatores de rendimento e fadiga. Nas asas da Força Aérea Mexicana o Hermes 450 superou a marca de 3.700 horas de voo, e abriu caminho para o novo membro da família, o Hermes 900, que voará lado a lado com seu irmão mais velho, com novas capacidades, potencialidades e os sensores mais modernos, DCoMPASS e o Skyeye.
O ESANT também tem servido como um fomentador da inovação e do desenvolvimento tecnológico na área de sistemas não tripulados mantendo estreito contato com instituições acadêmicas e da Base Industrial de Defesa mexicana. Essa interação resultou no desenvolvimento e produção de diversos tipos de sistemas, como o Ehecatl, da empresa Hydra Tech, um mini-UAS para aplicações táticas que está sendo utilizado como repetidor de comunicações telefônicas e de rádio, operando em conjunto com o Hermes 450 na maior parte das missões. Com o conhecimento angariado em quase uma década de emprego num cenário tão exigente e complexo, onde está na vanguarda em termos operacionais na América Latina, a Força Aérea Mexicana pretende criar uma escola de pilotagem de sistemas aéreos não tripulados, com foco no intercâmbio com os países mais ao sul, como Colômbia, Chile e Brasil, que também são usuários da família Hermes, e outros que estão em fase mais inicial e já reconheceram a importância desse tipo de tecnologia que transcende as aplicações militares. Como visto em Tlaxcala, servir no ESANT é um motivo de orgulho na instituição. Trata-se de uma unidade de vanguarda e que emprega a mais alta tecnologia disponível para o combate ao narcotráfico, sendo o “Olho que Tudo Sabe e que Tudo Vê” das autoridades mexicanas, ganhando a cada dia mais importância e reconhecimento, sendo mais que uma especialização e caminhando no rumo de transformação em uma carreira na estrutura da Força Aérea Mexicana.