DEFENDER: Alerta de Defesa Aérea na Amazônia

Por Kaiser Konrad

Tecnologia & Defesa foi conhecer as operações da Aviação de Caça brasileira na única Unidade Aérea sediada no Hemisfério Norte

Situada integralmente no Hemisfério Norte, a Base Aérea de Boa Vista (BABV) foi criada em 1985 pelo então Presidente da República, João Batista Figueiredo, com o intuito de integrar o antigo território federal de Roraima. No início, era equipada com as aeronaves U-7 Sêneca, C-95 Bandeirante e C-98 Caravan, e tinha como finalidade realizar a ligação da capital com os Pelotões Especiais de Fronteira, assim como prestar apoio administrativo local, às comunidades indígenas e à população da região que se encontrava, muitas vezes, isolada nesse que é um dos mais distantes rincões do Brasil.

Esta organização militar tinha como braço aéreo a 2ª Esquadrilha do 7º Esquadrão de Transporte Aéreo. Em 1995, para prover uma maior segurança das fronteiras e aumentar o policiamento do espaço aéreo naquela porção do País, foi criado o 1º/3º GAv, Esquadrão Escorpião. A partir desse momento a defesa aérea brasileira passou a atuar definitivamente no hemisfério setentrional da nação. Estando em situação privilegiada geografi camente, e com crescente importância devido à mudança do cenário estratégico e de hipótese de emprego das Forças Armadas, essa base passou a ser a guardiã dos interesses nacionais na região, sendo a ponta de lança e importante ponto para desdobramento de meios aéreos para qualquer operação militar que venha a ser necessária, seja defensiva, ofensiva ou humanitária.

Para se ter uma ideia das distâncias, Boa Vista está a 240 milhas de Auaris, na Cabeça do Cachorro, 99 milhas de Pacaraima, na fronteira com a Venezuela e a 60 milhas de Bonfim, fronteira com a Guiana. Com a reestruturação da Força Aérea Brasileira (FAB), a BABV se transformou na Ala 7, sendo atualmente comandada pelo coronel-aviador Eric Breviglieri. Dela podem ser engajados vetores tanto para a integração, quando utilizando aeronaves Caravan (C-98), quanto para manutenção da soberania do espaço aéreo, com os A-29 Super Tucano, do “Esquadrão Escorpião”, podendo receber e apoiar quaisquer aeronaves existentes no inventário da Força Aérea.

O BRAÇO ARMADO DO SIPAM

Desde que foi instalado em Roraima, o 1º/3º GAv estava, inicialmente, vinculado às missões operacionais da aviação de ataque, bem como elevação operacional de pilotos, com as aeronaves AT-27 Tucano. Em 2001, o Esquadrão passou a ser uma das mais novas unidades da Aviação de Caça da FAB e, além de realizar todas as missões dessa atividade, começou a formar os novos líderes de esquadrilha. Em 2005, foi o escolhido para ser a primeira unidade operacional a receber as modernas aeronaves A-29 Super Tucano. Em 2006, foi o Esquadrão de asa fixa pioneiro da FAB a voar com óculos de visão noturna. Desde os seus primórdios, o “Esquadrão Escorpião” vem sendo destaque em diversas operações, cumprindo diuturnamente missões de alerta de defesa aérea e neutralização de pistas clandestinas, bem como o eficaz patrulhamento com missões de reconhecimento visual e apoio aéreo aproximado. Também vem participando de inúmeras operações conjuntas e combinadas como VENBRA, PERBRA, PARBRA, COLBRA, Operação Amazônia, Ágata, Ostium e Cruzex, dentre outras. O seu símbolo, o Escorpião, resume a atitude guerreira dos pilotos que lá servem. Nesses mais de 22 anos de existência já voou, aproximadamente, 75mil horas, sendo que, somente com o A-29 Super Tucano, foram voadas mais de 50 mil horas nos céus amazônicos.

A mais importante das missões realizadas pela FAB em tempos de paz, ou de guerra, a defesa do espaço aéreo, é feita por caças pertencentes aos diversos esquadrões posicionados pelo território nacional. Em alerta 24 horas, sete dias por semana, 365 dias ao ano,  tradicionalmente chamadas como “Alerta Brasil”, essas aeronaves podem ser acionadas para realizar a interceptação de tráfegos aéreos desconhecidos (TAD), que entraram no espaço aéreo sem autorização, ou mesmo em missões de socorro em voo, para apoiar aviões que apresentem problemas, como falha no sistema de comunicação ou de transponder, ou ainda que tenham declarado emergência.

Controlar uma área de 22 milhões de km², e defender um espaço aéreo com 8,5 milhões de km² de extensão de território brasileiro, somado à Zona Econômica Exclusiva, que possui mais 3,5 milhões de km², de norte a sul é uma tarefa desafiadora e complexa, e a Força Aérea Brasileira está constantemente investindo em novas capacidades e se atualizando tecnologicamente para garantir o pleno emprego do Poder Aeroespacial, comprometida com a sua principal missão e razão maior de ser.

Nos Centros de Operações Aéreas Militares (COpM), dos Centros Integrados de Defesa Aérea e Controle de Tráfego Aéreo (CINDACTA), estão os controladores militares responsáveis por identificar e classificar todos os movimentos nos “céus do Brasil”. Dessa forma, os voos podem ser classificados de diversas formas e repassados ao chefe controlador de defesa aérea – CC (oficial responsável por coordenar as ações), que atuará de acordo com protocolos definidos nas Normas Operacionais de Defesa Aérea e orientações do Comando de Operações Aeroespaciais (COMAE), em Brasília (DF).

Uma dessas classificações é a TAD, e nessa situação, o CC é o responsável em acionar uma caça no alerta, o qual será o tipo mais adequado para aquela missão. Para tanto o CC entra em contato com o oficial de permanência operacional (OPO) da localidade que possui o alerta, que irá, em um tempo pré-determinado, decolar e efetuar chamada-rádio com o COpM. A partir desse momento, controladores o conduzirão para interceptar o alvo de interesse e realizar as Medidas de Policiamento do Espaço Aéreo, tais como averiguação, intervenção, persuasão e destruição, seguindo as orientações do CC e do supervisor de defesa aeroespacial, no COMAE.

Tais medidas devem ser tomadas em uma evolução gradual, cumprindo o protocolo estabelecido em lei. O alerta, normalmente, é feito a partir da sede do Esquadrão, porém, em caso de necessidade, as aeronaves podem ser desdobradas para qualquer localidade, tendo como requisito único o atendimento das características de operação em segurança da aeronave, neste caso o A-29. Tal desdobramento é realizado apenas em cumprimento de determinação específica do COMAE.

As fronteiras brasileiras têm sido a principal porta de entrada para os narcotraficantes e contrabandistas, e o espaço aéreo vinha sendo bastante utilizado em rotas para transporte de ilícitos, como drogas e armas. O Brasil, além de ser um grande mercado consumidor, é também uma das principais rotas de distribuição para a Europa e Estados Unidos, via continente africano. As drogas, vindas dos locais de produção e distribuição na Colômbia, Peru, Bolívia e Paraguai, chegam em pequenos aviões que operam a partir de pistas clandestinas em clareiras na selva ou em fazendas na faixa de fronteira. Esses aviões voam baixo, o que pode dificultar a detecção e, não raro, nem chegam a pousar em território brasileiro, simplesmente fazem uma passagem baixa, jogam a carga e se evadem para o outro lado da fronteira. A FAB, através de modernos sistemas e meios de detecção e inteligência, possui mapeadas as principais rotas e locais de operação das aeronaves utilizadas pelo narcotráfi co. Assim, em 2017, a FAB deflagrou a Operação Ostium, desdobrando aeronaves e radares para as fronteiras com Argentina, Paraguai e Bolívia. Na primeira fase, as cidades de Chapecó (SC), Corumbá (MS), Dourados (MS), Campo Grande (MS), Cascavel (PR) e Foz do Iguaçu (PR) receberam reforços de tropas e equipamentos para atuar no combate a tráfegos ilícitos. O resultado foi uma média de quatro interceptações por dia, apenas nessas regiões. Entre março e outubro de 2017, aconteceram 150 interceptações, levando a uma redução de 80% nos tráfegos aéreos desconhecidos na fronteira.  “O Brasil possui cerca de 17 mil quilômetros de fronteiras secas. Nesse sentido, o trabalho integrado entre a Força Aérea Brasileira e os organismos de inteligência é fundamental para que possamos evitar que drogas ilícitas cheguem ao País por via aérea. Um dos exemplos da importância desse trabalho foi o patrulhamento aéreo realizado pela FAB, por meio da operação Ostium, em 2017, o qual reduziu drasticamente o número de tráfegos aéreos desconhecidos na fronteira”, disse o Major-Brigadeiro do Ar Ricardo Cesar Mangrich, Chefe do Estado-Maior do COMAE.

ALERTA DE DEFESA AÉREA

No hangar do 1º/3º GAv, na Ala 7, toca a sirene e imediatamente os pilotos e pessoal de pista correm para as aeronaves. Quase que instintivamente fazem sua amarração enquanto que dão partida nos motores, resultado da massifi cação dos treinamentos e dos constantes acionamentos simulados, necessários ao aprestamento das unidades. Em poucos minutos já estão taxiando para decolarem em elemento, momento que iniciam contato com o controlador de defesa aérea do COpM 4 (Manaus-AM), responsável por  vetorá-los na intercepção. Somente em voo eles são informados sobre o caráter da missão, se é um acionamento real ou simulado. Após 20 minutos de voo, e próximos da fronteira com a Guiana, chegamos à posição de reconhecimento à distância e acompanhamento discreto, duas medidas de policiamento do espaço aéreo previstas, quando fizemos então a verificação dos dados da aeronave alvo, como prefixo e modelo, e se ela carrega algum tipo de armamento ou sensor (no caso de ser militar). Logo após, o interceptador posiciona-se a uma distância segura à esquerda, para ser visto pelo piloto interceptado. Ele carrega uma placa com a frequência internacional de emergência 121,5, pela qual vai fazer a interrogação. Pelo rádio diz – “Aeronave interceptada pela Força Aérea Brasileira, seu ingresso no território nacional não foi autorizado. Esse é o meu indicativo de chamada. Obedeça as determinações da Defesa Aérea”.

Na interrogação são checadas, entre outras, procedência, destino, carga e número de passageiros ou qual é a sua missão. Todas essas informações são passadas ao controlador. Com base nelas o COpM, sob a supervisão do COMAE, verifica quais atitudes serão tomadas. Se for ordenado o pouso obrigatório e houver tentativa de evasão, seja entrando numa nuvem ou buscando uma área de pouso, ou não obedecer às instruções, são aplicadas as demais medidas previstas, que incluem o tiro de advertência, que tem a finalidade de persuadir ao cumprimento das determinações. Em não havendo colaboração alguma ou ser constatado um tipo de ação classificada como hostil, poderá ocorrer o tiro de detenção ou destruição, conforme previsto no Decreto nº 5144/2004, que normatizou as Medidas de Policiamento do Espaço Aéreo. O primeiro tiro de detenção realizado pela FAB aconteceu em 24 de outubro de 2015, contra um monomotor vindo do Paraguai que, durante as ações iniciais, constatou-se que se tratava de uma aeronave envolvida em crimes transnacionais.

Na missão acompanhada por T&D, um C-98B Grand Caravan do 7º Esquadrão de Transporte Aéreo simulou um voo suspeito, tendo recebido ordens para que fizesse uma mudança de rota, com o consequente pouso obrigatório em Boa Vista (duas medidas de policiamento previstas). A partir disso, os interceptadores realizaram acompanhamento ostensivo até o pouso, onde as medidas de controle de solo (MCS) seriam executadas pelos órgãos de polícia especializados. O trabalho executado pela FAB, buscando blindar o espaço aéreo nacional contra aeronaves a serviço do tráfico internacional tem um impacto direto na segurança pública, e pode ser sentido pelo cidadão com a diminuição da violência nas cidades. Entretanto, à medida que os meios de detecção e intervenção “fecham a porteira” aos narcotraficantes, são buscados outros meios, e novas rotas terrestres e fluviais para evitar serem interceptados, ou até mesmo derrubados.

Por isso, o trabalho integrado interagências junto aos diferentes órgãos federais e estaduais de segurança e de inteligência torna-se fundamental. Vale ressaltar que, desde a implementação do SIVAM/ SIPAM, o binômio operacional E-99 – aeronave de alerta aéreo antecipado – e do A-29 Super Tucano, tem se mostrado bastante efi ciente no controle e combate aos tráfegos desconhecidos e ilícitos nas mais distantes fronteiras nacionais.

Os E-99, do 2º/6º GAv “Esquadrão Guardião”, conduzem a missão de controle e alarme em voo, e podem monitorar os tráfegos aéreos com o seu radar Erieye de grande alcance, rastrear frequências de rádios e monitorar sinais de radar, além de vetorar os caças nas interceptações. Os A-29 Super Tucano da FAB possuem o que há de mais moderno atualmente. Suas capacidades de emprego e manutenção da consciência situacional são excelentes. Logicamente, aeronaves que cumprem missões deste tipo devem constantemente ser atualizadas com vistas a permanecerem com seu estado de prontidão e operacionalidade em seu mais alto nível. A FAB já iniciou estudos com vistas à adequação de alguns sistemas que irão melhorar ainda mais o uso deste vetor como plataforma de armas.

Voar na Amazônia tem suas peculiaridades, as distâncias são maiores, o clima é mais agressivo e o apoio logístico é mais complexo. No voo em um ambiente amazônico, o planejamento deve ser bastante minucioso pois as pistas de apoio são distantes umas das outras; voa-se por grande tempo sobre a selva, onde as árvores chegam a medir 40 metros e, no caso de alguma emergência que exija um pouso forçado ou ejeção, a chegada do resgate é mais demorada e complexa.

A importância do 1°/3° GAv para FAB e para o Brasil decorre principalmente de sua localização, sendo integrante direto do Sistema de Defesa Aeroespacial Brasileiro. É a primeira barreira de defesa aérea e controle dos tráfegos que circulam na porção localizada mais ao norte do Brasil. O “Esquadrão Escorpião” forma, anualmente, líderes da Aviação de Caça que poderão ser empregados para qualquer ação de Força Aérea ligada a esta aviação. Por último, e não menos importante, a unidade prepara com rigor esses novos pilotos, lapidando-os para serem os caçadores do futuro, algo que se reveste de muita grandeza tendo em vista a aquisição de novos vetores como o F-39 Gripen.

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