O Super Tucano em operação na Força Aérea dos Estados Unidos (USAF)

O repórter de Tecnologia & Defesa, Kaiser Konrad, esteve na Base Aérea de Moody e voou o A-29 no 81º Esquadrão de Caça.
Reportagem originalmente publicada da edição impressa de T&D em 2017.

Por Kaiser David Konrad

Moody é, desde 2006, a casa da 23ª Ala Aérea do Comando de Combate da USAF. Ali estão baseadas suas três principais unidades: o 23º Grupo de Caça, que reúne dois esquadrões e a maior frota de A-10C Thunderbolt II, com mais de 90 pilotos, sendo esta uma unidade de pronto emprego capaz de ser desdobrada para qualquer lugar do mundo em pouco tempo; o 347º Grupo de Resgate, composto por três esquadrões; um equipado com aeronaves HC-130P Combat King; outro com helicópteros HH-60G Pave Hawk; e um terceiro formado por Anjos da Guarda, sendo o mais antigo da USAF exclusivamente dedicado a missões de resgate em combate (C-SAR). Finalmente, três anos atrás, a base aérea foi escolhida para abrigar o 81º Esquadrão de Caça, sendo sede do programa Light Aircraft Support e dos novos A-29 Super Tucano.

81st FS

As atividades começam cedo na Base Aérea de Moody, no Estado da Geórgia.  eunidos no auditório do 81º Esquadrão de Caça (81st Figther Squadron), os pilotos da Força Aérea do Afeganistão são sabatinados por experientes pilotos de combate da USAF. Naquela manhã eles deveriam saber identificar nas imagens aéreas a localização exata de um alvo passado pela tropa em solo, mas que não era designado por laser. Não seria uma tarefa fácil, pois estava numa zona urbana e, vistas de cima, as construções são muito parecidas umas das outras. Seria como encontrar uma agulha no palheiro, mas os pilotos que cumprem missões de ataque ao solo devem ser capazes pois deles dependem as vidas dos colegas lá em baixo, que requisitam imediato apoio aéreo aproximado. Esses pilotos também precisam evitar os danos colaterais e saber escolher o armamento correto e utilizá-lo da forma mais precisa possível, pois as tropas assim como os civis que vivem ao redor são seus nacionais ou de forças aliadas cuja proteção precisa ser assegurada.

O 81º Esquadrão de Caça foi criado em 15 de janeiro de 1942, tendo como primeira aeronave o P-40 Warhawk. Em março de 1944 recebeu os P-47 Thunderbolt e foi enviado para a Inglaterra com a 9ª Força Aérea. Entre abril daquele ano até o fi nal da guerra, voou centenas de missões de escolta, apoio aéreo aproximado e interdição, participando do Dia D (a invasão da Normandia). Operando a partir de várias bases avançadas em solo europeu, dava cobertura ao avanço das forças aliadas até a conquista da Alemanha.

À unidade foram creditadas 30 vitórias em combate aéreo. Em 1953 o Esquadrão foi novamente enviado à Europa com a United States Air Forces in Europe, e vinte anos depois foi instalado na Base Aérea de Spangdahlem (Alemanha), equipado com F-4G Phantom, com a função de supressão de defesas aéreas (SEAD), sendo o único esquadrão “Wild Weasel” à disposição da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). Em 1988 recebeu os F-16 Fighting Falcon e se tornou a primeira unidade da Força Aérea a utilizar duas diferentes aeronaves no mesmo elemento de combate. Seis anos depois, em 1994, o 81st FS passou a usar o A/OA-10 e, finalmente, recebeu a variante A-10C em 2009. Em 2013 foi desativado, o que marcou o fim das operações do “Warthog” no continente europeu.

Retornando aos Estados Unidos, o 81st FS foi reativado em 2014, em Moody, e recebeu de forma pioneira na USAF um programa de treinamento para a versátil e poderosa aeronave de contrainsurgência A-29 Super Tucano, que havia sido selecionada para o programa Light Aircraft Support, cujo contrato de US$ 427 milhões foi assinado com a Sierra Nevada Corporation, parceira da Embraer, e que tinha como objetivo fornecer 20 unidades para a Força Aérea do Afeganistão. O avião brasileiro venceu o Hawker Beechcraft AT-6B Texan II. O programa LAS tinha como requerimento uma aeronave leve e de alta resistência e confiabilidade, uma plataforma madura genuinamente de combate, mas que tivesse um custo operacional signifi cativamente inferior aos caças em operação. Deveria ainda executar missões de inteligência, vigilância e reconhecimento, realizar ataques empregando uma grande variedade de armamentos convencionais e inteligentes, operar em terrenos acidentados e em condições extremas, em cenários de confl itos de baixa intensidade e de contrainsurgência.

FORMANDO PILOTOS AFEGÃOS

A rotina diária em Moody compreende aulas teóricas, atividades no simulador de voo e a realização de pelo menos dez surtidas por dia, cada piloto faz uma no período da manhã e outra à tarde. Um piloto de A-10 e flyer commander (instrutor) disse que geralmente há um tempo de seis meses para um piloto realizar a conversão de uma aeronave a outra, mas com o Super Tucano isso é bem suave e somente 19 surtidas são suficientes. “A aviônica do A-29 é muito parecida com a do F-16. O painel com três grandes telas multifuncionais coloridas é fantástico e o sistema é muito amigável, permitindo ao piloto e copiloto acessar informações de vários sensores. É desafiador, a USAF está aprendendo muito com a aeronave e todas as suas capacidades. É precisa e útil”.

O programa de treinamento abrange aproximadamente 30 pilotos de ataque afegãos e 20 A-29. Até o momento 12 aeronaves já foram entregues ao Afeganistão. “Os alunos vêm de diversas origens, mas todos eles são os melhores de onde vieram”, afirmou o tenente-coronel Ryan Hill, comandante do 81st FS. “Alguns receberam treinamento inicial no T-6 aqui, enquanto outros treinaram no Afeganistão.

Muitos dos nossos alunos têm experiência anterior no Cessna 208, voando CASEVAC (evacuação aeromédica) e missões de transporte em todo o Afeganistão”. O A-29 é uma excelente plataforma de treinamento e de apoio aéreo aproximado. Uma vez que os afegãos estão usando o mesmo avião para treinar e lutar, eles são capazes de explorar as habilidades que são ensinadas e aplicá-las diretamente em situações de combate.

Pelo menos 17 instrutores norte-americanos apoiam a formação dos afegãos, a maior parte deles capitães e majores com experiência em combate e provenientes de esquadrões de A-10, F-16 e F-15E. A fase de treinamento inclui voo em formação, navegação à baixa altura, manobras táticas, modalidades de ataque com diversos tipos de armamento com foco em apoio aéreo aproximado. Enquanto se preparam em Moody, os alunos usam munição de treinamento, incluindo as bombas BDU-33, foguetes com cabeça de guerra inerte e munição de metralhadora de 12.7mm não-incendiária. Em casa, vão para o estande de tiro nas cercanias de Cabul treinar com armamento real antes de empregá-los em combate.

HAAMLA – ATAQUE – O SUPER TUCANO EM COMBATE

Os primeiros quatro Super Tucano chegaram ao Afeganistão em janeiro de 2016 e receberam o certificado de capacidade operacional inicial (IOC) no dia 1º de abril, fi cando baseados no Aeroporto Internacional Hamid Karzai, em Cabul. A estreia em combate não demorou a acontecer.

No dia 15 do mesmo mês, na província de Badakhsan, no nordeste do país, três ataques aéreos noturnos foram conduzidos no vale de Khostak e mataram 12 insurgentes, incluindo três líderes rebeldes. Desde então, começaram a executar de duas a quatro missões por semana. Durante todo o ano realizaram 320 surtidas de combate e empregaram armamento em 138 delas. O Super Tucano tem fornecido poder aéreo estratégico ao governo afegão e à renascida Força Aérea local. Essas aeronaves possuem maior alcance, capacidade de resposta e potência de fogo do que outros sistemas de armas. Elas poderão substituir em breve os helicópteros MD 530F Cayuse Warrior, que até então vinham dividindo as missões de CAS com os helicópteros de fabricação russa Mi-24/35.

Graças a sua flexibilidade, baixo custo e precisão, ao A-29 cabe a função de duas das principais modalidades de ataque no teatro afegão, o Close Air Support (CAS), para qual a aeronave mostrou-se ideal para a missão, que é conduzida quando um controlador aéreo avançado (responsável pela ação) de um comboio ou patrulha sob ataque, requisita e coordena fogo imediato sobre o inimigo localizado muito próximo; e o Close Combat Attack (CCA), que é similar ao CAS mas com a diferença que o piloto realiza um ataque deliberado contra o alvo em questão com o armamento e modo de livre escolha, respondendo pela ação e suas consequências. Os A-29 têm sido usados para atacar alvos pré-selecionados, veículos, bases de treinamento e para eliminar lideranças insurgentes e terroristas, tal qual foi feito com sucesso na Colômbia. Parte dessas missões é realizada à noite.

Outra tarefa importante é a escolta de comboios, onde as aeronaves se mostraram mais efi cientes que os helicópteros armados ou genuinamente de ataque. Nesses casos os aviões fazem o reconhecimento da rota e dentro de um raio de 4 a 6 milhas para depois manter o comboio na condição visual entre 25 e 30 graus, na posição da metralhadora da asa esquerda. No caso de perder contato com os veículos o piloto deve fazer um rasante sobre eles para ser visto.

O importante é sempre pensar como o inimigo. Se o comboio for atacado ou sofrer uma emboscada o A-29 deve escalar a força mostrando sua presença. O objetivo é fazer com que o inimigo abandone sua intenção hostil, por isso a aeronave precisa ser vista e ouvida. Seguindo as regras de engajamento o piloto deve subir a 5.000 pés e realizar manobras em máxima velocidade enquanto lança flares. Se inimigo mantiver sua atitude signifi ca que fez opção pelo embate e, então, o A-29 vai mergulhar sobre ele e realizar o ataque perpendicular ou paralelo ao comboio com 100% de validação de armas, ou seja, seu objetivo é destruir a ameaça. Nas missões no Afeganistão os A-29 estão sendo equipados com bombas guiadas a laser do tipo Paveway II, as GBU-58 (baseada na Mk.81) e GBU-12 (baseada na Mk.82) ou são equipados com até 40 foguetes de saturação ou um pod com metralhadora de 20mm sob a fuselagem, além das duas metralhadoras orgânicas de 12.7mm, uma em cada asa. “Os pilotos têm sido muito bem sucedidos. Eles trabalham em coordenação direta com as forças terrestres e têm conseguido extrema precisão no seu emprego de armas contra as forças inimigas.“

O Afeganistão possui 407 distritos, 133 dos quais estão sendo contestados e 41 sob controle do Talibã, o que tem dado muito trabalho às forças de segurança do país. Para agravar ainda mais a situação, existe o avanço do Estado Islâmico naquela região. Em resultado os Super Tucano têm sido cada vez mais requisitados. Eles podem responder a um ataque a comboio a uma velocidade três vezes maior que a de um helicóptero e carregam uma maior quantidade e variedade de armas de precisão e saturação, um fator decisivo.

Para o tenente-coronel Hill o “Super Tucano foi a escolha certa para o Afeganistão. Os pilotos que treinamos aqui no 81st FS alcançaram sucesso imediato no campo de batalha. A aeronave tem se comportado bem no ambiente hostil, fornecendo uma plataforma de armas confi ável e efi caz para os militares afegãos. Foi uma oportunidade maravilhosa para nós treinar os afegãos nessa plataforma e ajudá-los a construir sua Força Aérea de combate. Também, como aprendemos mais sobre o emprego do Super Tucano, nós tivemos a oportunidade de trocar conhecimentos com os brasileiros e colombianos. Esses relacionamentos são importantes para nós e nos fornecem algumas ótimas ideias e técnicas. Planejamos continuar esses relacionamentos no futuro”, finalizou.

VOANDO COM O 81º

a Base Aérea de Moody o ritmo é frenético, com dezenas de voos sendo realizados todos os dias. Os pilotos vestem uniforme de voo de cor cáqui, o mesmo utilizado nas missões reais. As aeronaves estão dispostas na linha de voo junto aos A-10C. Os dois A-29 Super Tucano que nos acompanhavam tinham uma tripulação composta por um instrutor da USAF e um piloto afegão. O meu piloto, que não quis se identificar, tinha idade e muita experiência, e provavelmente era mais um dos tantos generais de Washington D.C. que visitam regularmente a Unidade para conhecer e avaliar o programa de treinamento e o novo vetor de contrainsurgência. Diz-se que o 81º é um dos esquadrões da USAF mais visitados por ofi ciais do Pentágono, e motivos não faltam para isso.

Junto a meia dúzia de A-10C entramos numa fila para decolar. O objetivo era realizar mais uma missão de emprego de armas nos estandes de tiro localizados a apenas duas milhas da base. Menos de dez minutos após a decolagem já foi iniciada a série de modalidades de ataque que simulavam o lançamento de bomba guiada a laser, sendo que o alvo era sempre marcado pelo designador. Na sequência vieram ataques com foguetes de 70mm. A segunda parte do voo consistiu em ataque aéreo aproximado usando as duas metralhadoras com munição real de 12,7mm. O circuito incluiu várias passagens sobre o alvo, alguns simulando construções, outras vezes veículos e indivíduos, também.

A cada nova passagem a altitude e a distância do alvo diminuíam, às vezes restando apenas poucas centenas de metros, com o avião voando abaixo da copa das árvores para o piloto descarregar uma rajada de metralhadora para então subir e realizar manobras evasivas. Fizemos isso até acabar a munição e depois seguimos para uma navegação tática, em baixa altura, sobre o território da Geórgia. Pelo intercomunicador o piloto elogiava bastante as capacidades da aeronave, como detectava e identifi cava os alvos e a precisão na entrega do armamento.

Em Moody, talvez por coincidência – ou não, também operam esquadrões de A-10 e outros especializados em C-SAR, cujas missões podem ser combinadas com o Super Tucano. A aeronave brasileira, fabricada nos Estados Unidos, poderia perfeitamente realizar a escolta armada dos helicópteros HH-60G Pave Hawk nas missões de resgate em combate ou dentro de território inimigo. Seria também um excelente complemento às missões de ataque dos A-10, pois é mais lento e pode voar num nível mais baixo, o que facilitaria a localização e a destruição de alvos menores ou que estejam dentro de área urbana, sendo, inclusive, muito mais efi caz quando executa o apoio aéreo aproximado. Além de ser complementar ao A-10, o A-29 pode gradualmente assumir muitas das suas missões por uma fração do custo.

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