Editorial – O preço de uma guerra

Recentemente foi anunciada a venda de 100 mísseis ar-ar de longo alcance MBDA Meteor para equipar a frota de caças Gripen E/F da Força Aérea Brasileira (FAB).

O contrato é avaliado em 200 milhões de euros, ou algo em torno de 900 milhões de reais.

MBDA Meteor (Imagem: Divulgação)

Anúncios dessa natureza sempre geram uma série de discussões. Afinal, o que poderia ser feito com esse dinheiro num momento tão crítico em que vivemos da nossa economia?

Daria para fazer muita coisa, isso é fato.

O País parou de afundar, mas ainda não começou a se recuperar efetivamente.

Investimentos em educação, saúde e segurança ou em tantas outras áreas carentes desse montante de dinheiro.

Não me recordo, no passado, de o Brasil ter adquirido esse volume de armamento dessa categoria. Nem mesmo algo tão avançado.

O Meteor movimentou a edição 2019 do Paris Air Show.

A primeira plataforma a voar duas vezes a velocidade do som, com radar de bordo e o primeiro a dispor de um míssil foi o saudoso Dassault Mirage III D/E.

Para o delta francês, de linhas incomparáveis, foram adquiridos 20 Matra R.530 de curto alcance e guiado por infravermelho. Uma das primeiras gerações de mísseis da sua época, desenvolvido no final dos anos 1950.

Era pesado, manobrava pouco, tinha precisão duvidosa e teve pouco sucesso em combate – apenas três vitórias. Nem nas mãos dos israelenses, peritos na arte da guerra moderna, o míssil deu certo. Mas ele foi a espinha dorsal do armamento guiado do Mirage III D/E durante décadas até que o Brasil optasse por um outro sistema muito melhor e mais preciso: o israelense Rafael Python III de curto alcance e guiado por infravermelho.

Já os Nothrop F-5EM/FM tiveram mais sorte e operaram, além do Python III, com o Python IV (por infravermelho) e o Rafael Derby, esse de longo alcance e guiado por radar.

Mesmo assim, quando da sua aquisição, já não representavam a ponta da tecnologia, apesar de serem armamentos muito superiores. Nem mesmo foram adquiridas grandes quantidades.

Voltando ao Meteor, esse sistema foi desenvolvido pela MBDA, uma joint-venture formada pela italiana Leonardo, a Airbus Defence & Space e a BAE Systems.

Possui um sistema de guiagem que combina a navegação inercial, radar ativo e com a atualização da posição do alvo feita constantemente via datalink.

Possui ainda a tecnologia Ramjet que projeta o míssil em velocidades superiores a Mach 4 (ou mais de 4.700km/h), além de outras vantagens. Em determinadas distâncias, é improvável que a sua presa consiga escapar do Meteor.

A quantidade adquirida daria para equipar cada um dos 36 Gripen E/F com dois Meteor cada e ainda sobrariam 18 em estoque.

Ou quase três por avião, num cabide triplo posicionado no ventre do Gripen E/F.

E aí, chegamos ao Gripen.

O Brasil desembolsará mais 5,4 bilhões de dólares numa transação para comprar 36 aviões de caça que deverão permanecer em serviço ativo, no mínimo, pelos próximos 40 anos.

São outros R$ 20 bilhões, uma cifra difícil de imaginar para milhares de brasileiros.

O acordo firmando entre o Brasil e a Suécia talvez seja um dos mais importantes na área de defesa em toda a história do País. É difícil analisar e projetar o impacto que esse programa trará em termos de transferência de tecnologia e aprendizados para o Brasil pelas próximas décadas.

Os frutos a serem colhidos certamente irão muito além do que conseguimos prever hoje (e que nessa estimativa inicial já são extremamente vantajosos para a Nação).

Mas enfim, quantas creches poderiam ser construídas? Quantos hospitais? Quantas milhares de pessoas seriam beneficiadas com saneamento básico com o dinheiro que está sendo gasto com Defesa? Certamente, muitas pessoas.

Entretanto, as perguntas que muitos estão fazendo nesse momento talvez estejam equivocadas. É preciso, antes de mais nada, mudar o verbo de “gastar” para “investir”. O Brasil está investindo em tecnologia, em compra de conhecimento, de aprendizados em segmentos que ainda não dominamos, mas que são extremamente estratégicos para uma Nação como a nossa.

A Saab e a Suécia são os parceiros ideais para que possamos atingir esses objetivos. O Gripen E/F, uma evolução com consagrado Gripen C/D, está e desenvolvimento e nada melhor do que desenvolver um projeto em parceria para se aprender com ele. Não há dúvidas de que essa foi a melhor opção.

Em segundo lugar, acordos militares nos dias de hoje envolvem transferências de tecnologias e troca de balança comercial que vão impactar em áreas que não podemos imaginar. Incluindo de pesquisa, desenvolvimento, de construção civil e até da medicina. Ou seja, ao adquirir um produto militar, necessariamente o país impactará em áreas que beneficiarão milhares de pessoas.

Brasileiros que terão acesso a uma medicina mais avançada, ou a casas populares e conjuntos habitacionais construídos por preço mais baixo e qualidade mais elevada através do uso de materiais e técnicas mais modernas. Uma coisa, necessariamente, leva a outra. E a população já está sendo beneficiada com um acordo dessa envergadura.

Mas há um ponto ainda mais estratégico em toda essa questão, e que gera uma nova pergunta: qual é o custo de uma guerra? O quanto devemos pagar para se manter fora de um conflito?

Estima-se que a Guerra das Malvinas tenha custado, apenas para o Reino Unido, em torno de £9,2 bilhões em valores corrigidos para os dias de hoje. É aproximadamente R$ 45 bilhões sem contar a perda das vidas humanas, que foram 237 para o Reino Unido. O conflito foi localizado e teve quase dois meses e meio de duração.

O Reino Unido pagou um preço alto pela disputa das Malvinas. Entretanto, teria a Vossa Majestade enviado a Royal Navy para o Atlântico Sul caso a Argentina tivesse 100 mísseis MBDA Exocet? Provavelmente não.

E é impossível mensurar quantos conflitos deixaram de acontecer diante do poder de dissuasão de uma Nação, passando então os problemas a serem resolvidos por via diplomática, nas mesas de negociação.

O poder de dissuasão que o Brasil atinge com o binômio Gripen E/F e Meteor é elevadíssimo. Sem dúvida alguma, estamos pagando um preço muito barato para manter os nossos céus, as nossas fronteiras, livres de ameaças.

Damos um importante passo em relação ao futuro da nossa Nação, dando ao Brasil maior reconhecimento, projeção estratégica internacional e relevância em questões e tratados internacionais.

Escrito por João Paulo Moralez, editor adjunto

 

 

 

Publicado na edição 157 da revista Tecnologia & Defesa

 

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