De Montevidéu – Natural do Rio de Janeiro, o vascaíno almirante Sèrgio Roberto Fernandes dos Santos completou em fevereiro corrente 44 anos de serviços à Marinha do Brasil (ingressou em 1973).
Nesse período, após se formar e seguir os trâmites comuns a carreira de oficial de Marinha, comandou a corveta Angustura e o NDD Rio de Janeiro. O curso de Estado-Maior, em 1995, foi realizado na Armada Argentina, seguindo-se em 2002/2003 o curso no Naval War College da Marinha dos Estados Unidos da América (US Navy). Como almirante, foi diretor do Instituto de Estudos para o Mar Almirante Paulo Moreira, diretor da Diretoria de Obras Civis da Marinha, comandou o 5º Distrito Naval e foi o Comandante-em-Chefe da Esquadra.
No posto de almirante-de-esquadra esteve a frente da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Inovação da Marinha e atuou como Chefe do Departamento de Ciência e Tecnologia Industrial da Secretaria de Produtos de Defesa (SEPRODE), do Ministério da Defesa. Assumiu o atual cargo no início de 2016.
Tecnologia & Defesa: Na Aspirantex 2017, é visível o incremento operativo de meios e pessoal, se comparado com as últimas edições desse exercício. O senhor consideraria esse “gás” a mais na capacidade operativa da Marinha do Brasil como um marco do seu comando?
Almirante-de-Esquadra Sérgio Roberto Fernandes dos Santos – Esse foi um marco alcançado por todos os setores da Marinha. Entendemos que o Poder Naval é a razão de ser da Marinha, então é uma orientação do comandante da Marinha de se aplicar o máximo de recursos possíveis na recuperação das capacidades de nossos meios. Prova disso que, após 15 anos de interrupção, retomamos a Operação Dragão, em sua 37ª edição (final de 2016 – vert T&D nº 147), alocando 19 navios para esse exercício. Como exemplo do trabalho de recuperação feito em vários setores, posso citar a volta ao serviço ativo da corveta “Jaceguai”, do navio-tanque “Almirante Gastão Motta”, do submarino “Tupi”, da corveta “Júlio de Noronha” e alguns meios auxiliares.
T&D – O Governo Federal sinalizou, com relação ao Orçamento de Defesa 2017, um incremento nos valores a serem repassados para as Forças. Qual a expectativa e a visão que o senhor tem sobre essa questão orçamentária?
Almirante Fernandes – Esperávamos um 2016 difícil, e isso se comprovou. Mesmo assim, conseguimos realizar diversos movimentos importantes; por exemplo, a Marinha zerou praticamente todas as suas dívidas de restos a pagar. Para 2017, prosseguiremos com a modernização dos caças embarcados A-4 Skyhawk (AF-1) e helicópteros Super Lynx, além de efetuarmos amplos reparos em dois submarinos diesel-elétricos. Projetos que estão aguardando recursos para sua consecução, como a construção das corvetas “Classe Tamandaré” (o projeto encontra-se pronto e aguardando uma linha de financiamento/escolha de um estaleiro parceiro, com um grande percentual de nacionalização de ítens), estão bem próximos de serem deslanchados. Na questão compras de oportunidade, a chegada do NDM G40 “Bahia”, mais a entrega da EDCG “Marambaia” reforçaram tremendamente a capacidade de operações anfíbias. Evidente que não estamos satisfeitos com o orçamento atual, pois as necessidades da Marinha são muito grandes, e mesmo com esse viés de restrições temos conseguido realizar importantes ações. Mas deve-se ressaltar que precisamos de um orçamento maior, haja visto que temos uma quantidade significativa de meios com idade bem avançada, como por exemplo, os navios escoltas “Classe Niterói” (40 anos de serviço). Apesar dos recursos escassos e da idade dos nossos meios, temos conseguido reparar e manter nossos navios, mas certamente isso não é o ideal para uma Marinha do século 21. Veja o sucesso da corveta “Barroso”, um dos melhores navios que temos hoje em atividade, e que desempenhou um trabalho excelente na UNIFIL, no Líbano, em proveito da ONU. A “Classe Tamandaré” será um passo acima, melhorando características positivas e eliminando defeitos verificados no dia a dia de operação da “Barroso”.
T&D – Qual o significado e a importância que a Aspirantex tem para os 203 aspirantes a bordo, na visão de quem já foi um deles há muitos anos?
Almirante Fernandes – Esses aspirantes já passaram por vários estágios, assistiram a várias palestras e também visitaram OMs representativas de todos os setores da Marinha. Na Aspirantex, é dada a eles a oportunidade de ter um contato mais próximo com os navios, participando de vários exercícios onde a troca de conhecimentos e impressões com os oficiais mais antigos resultam numa excelente bagagem de novos e valiosos conhecimentos. Isso vai auxiliar esses jovens a decidirem sobre qual Corpo e habilitação desejam ingressar. Esse tipo de operação é importantíssima para dirimir dúvidas, permitindo uma escolha consciente de suas futuras funções. Agora eles estão tendo a oportunidade de ver como funciona e opera um navio, terem o contato com as praças, além do fato de estarem em uma viagem internacional que vai passar por Montevidéu (Uruguai) e Mar Del Plata (Argentina). A Marinha cuida com carinho do lado profissional de seus militares, mas o lado cultural não fica esquecido. Uma viagem internacional na Aspirantex propicia o contato com culturas diferentes de Países amigos, algo muito importante na formação do futuro oficial.
T&D – A presença de aspirantes do sexo feminimo a bordo, atualmente em funções auxiliares, poderá evoluir futuramente para uma quebra de paradgima onde essas oficiais poderão vir a comandar navios, por exemplo, em pé de igualdade com os homens?
Almirante Fernandes – Isso está sendo alvo de um profundo estudo pela Diretoria-Geral de Pessoal da Marinha, e um primeiro trabalho já foi apresentado ao Almirantado. Ficaram algumas interrogações sobre como iremos proceder em algumas questões como, por exemplo, qual a porcentagem de mulheres e homens a bordo (seja em terra ou no mar). A tendência é que aconteça, a fase atual é de detalhamento de como se dará essa questão em termos jurídicos e funcionais, entre outros aspectos. Essas oficiais irão competir com os oficiais do sexo masculino em todas as áreas que lhes forem facultadas. Temos consultado outras Marinhas que já possuem essa experiência, em termos gerais e no detalhamento do dia a dia. Devemos nos lembrar que a Marinha do Brasil foi a primeira Força a aceitar mulheres em seus quadros, portanto, inovar para nós não é uma dificuldade, o que estamos fazendo e planejar detalhadamente como isso será feito, de forma a conseguirmos o melhor dos nossos militares de ambos os sexos. As mulheres sempre se sobressaem em tudo que realizam, portanto, acredito que isso será muito benéfico para a Força, quando acontecer.
T&D – Quais as principais vertentes que definem o conceito estratégico da “Amazônia Azul” com relação à Marinha que queremos?
Almirante Fernandes – Nosso conceito “Amazônia Azul” está baseado em quatro vertentes principais, a Econômica, a Científica, a Ambiental e a Soberania. Vamos nos ater a esta última. Quando falamos em Soberania, a missão da Marinha tem dois propósitos, contribuir para a defesa da Pátria e o apoio à política externa do Governo Brasileiro. Dentro desses quesitos, temos como missão garantir a segurança de nossas vias de comunicação marítima, a salvaguarda da vida humana no mar e a proteção dos nossos recursos naturais na Amazônia Azul. Não se consegue cumprir esses objetivos sem dispor de uma Marinha bem equipada e bem adestrada, contando com meios modernos e eficazes. Nesse contexto, a aquisição do “Bahia”, como citei anteriormente, reforçou e muito a capacidade anfíbia da Força. Em paralelo, a modernização de aeronaves de asas fixas e helicópteros navais tem sido outra grande preocupação. Não se concebe operar no mar sem esses meios nos dias atuais. Precisamos renovar os meios de superfície, e a construção de quatro corvetas “Classe Tamandaré” será um grande passo nesse sentido. A Força de Submarinos está sendo elevada a um novo patamar com o ProSub, que entregará quatro submarinos convencionais e um de propulsão nuclear, mais uma base naval e estaleiros navais no “estado-da-arte” em Itaguaí (ver T&D nº 147). Essa é a Marinha que buscamos, altamente adestrada e capacitada com meios modernos que deem ao País uma força dissuasória capaz de inibir qualquer aventura em nossas águas territoriais. A modernização/reconstrução do NAe “São Paulo”, é outro projeto colocado em “stand-by”, no momento, devido à falta de recursos. Mas não estamos parados, existe uma coordenadoria que está realizando estudos sobre a troca da propulsão do navio por outra mais moderna e atual, dentre outras obras de grande vulto necessárias para retorná-lo a condição operativa. O casco do navio e suas obras vivas já foram inspecionados pelo Setor de Material e constatou-se que ele está em excelente condições, o que torna viável investir-se na sua recuperação. É imperativo manter o A-12 “São Paulo” para que a Marinha não perca a sua capacitação na operação de aeronaves de asas fixas. A indústria nacional vai ter um importante papel nesse processo, pois com a assessoria dos franceses (DCNS) e a efetiva participação de empresas brasileiras, isso permitirá, após a conclusão dos trabalhos, manter o navio com grande independência de fontes externas, diminuindo custos e gerando empregos no Brasil.
T&D – Para finalizar, almirante, como o senhor definiria o relacionamento da Marinha com o atual ministro da Defesa, Raul Jungmann?
Almirante Fernandes – Vejo como um relacionamento muito positivo, não só com a Marinha mas com a Força Aérea e o Exército também. O ministro tem visitado nossas OMs e conhecido de perto nossos problemas e atividades, sempre com uma palavra de incentivo e reconhecimento ao trabalho da Marinha e seus profissionais; inclusive, temos agendada a sua visita ao 9º Distrito Naval, sediado em Manaus (AM). A sinergia é muito positiva e tem gerado resultados benéficos que irão se refletir em mais conquistas no médio e longo prazos. Estamos convictos disso, e o Ministro da Defesa tem se mostrado preparado para enfrentar esses desafios junto com as Forças Singulares em prol de um Brasil soberano e capaz de defender seus interesses onde e quando for necessário.
Entrevista concedida a Roberto Caiafa, a bordo do NDCC Alte. Sabóia