Esquadra 103, A Escola de Aviação de Caça da Força Aérea Portuguesa

Por Kaiser David Konrad (*)

A Base Aérea n° 11 está sediada na cidade de Beja, região do Alentejo, e possui uma das maiores áreas destinadas ao voo de instrução militar da Europa.  Ativada em 1967, atualmente abriga três Unidades Aéreas, respectivamente as Esquadra 601, equipada com aeronaves P-3C e P-3P, sendo responsável por executar missões de patrulha marítima, busca e salvamento, guerra antissubmarina e minagem; a Esquadra 552, equipada com helicópteros Alouette III, que executa missões de transporte aerotático, instrução complementar em asas-rotativas e alerta SAR; e a Esquadra 103, responsável pela formação do piloto de caça da Força Aérea Portuguesa, outrora conhecida como Esquadra de Instrução Complementar de Pilotagem em Aviões de Combate (EICPAC). Como a mais antiga Unidade Aérea da Força Aérea Portuguesa, a origem da Esquadra 103 remonta ao ano de 1953, com a entrada em serviço dos modernos treinadores T-33A “Shooting Star” recebidos dos Estados Unidos. Em 1960 a unidade recebeu também os F-84G, o que permitiu realizar a conversão operacional dos pilotos destinados ao F-86F.

Em 1961, após a realização de ataques terroristas em Luanda e no norte de Angola, que deram início à Guerra do Ultramar – em que a Força Aérea foi ter um papel bastante ativo em operações de combate, reconhecimento, evacuação de feridos e apoio logístico às tropas e população civil -, os F-84G são então enviados para a África juntamente com uma série de instrutores, onde são empregados extensivamente em missões de combate. Nesta ocasião, as Forças Armadas Portuguesas empreendem uma grande campanha militar em três teatros de operações distintos e simultâneos, respectivamente em Angola, Moçambique e Guiné-Bissau, o que exigiu um grande esforço operacional e logístico, e a contribuição da Força Aérea foi essencial para alcançar o sucesso nas operações militares. Como mais um conflito periférico da Guerra Fria, no seu desfecho, Portugal acabou por se retirar da guerra e teve que assistir suas colônias africanas se tornarem independentes, embora os militares portugueses não tenham perdido uma única batalha.

Em 1973 a FAP passa por uma restruturação e a EICPAC passa finalmente a designar-se Esquadra 103, e poucos anos depois recebe uma dúzia de jatos de treinamento T-38A Talon, sendo que estes voariam até o início da década de 1990, quando foram então substituídos pela aeronave de ataque e treinamento avançado franco-alemã Dassault-Dornier Alpha-Jet. Portugal recebeu um total de 50 Alpha-Jet da Alemanha, como pagamento de parte do contrato de utilização da base de Beja pela Luftwaffe. Da frota inicial, apenas 40 aviões estavam definidos para voar, sendo as restantes 10 células destinadas a fornecer peças sobressalentes. A partir de Setembro de 1993, o Alpha-Jet substituiu o Fiat G-91 atribuído à Esquadra 301, e os T-33 Shooting Star e T-38 Talon da Esquadra 103.

Ao longo de mais de vinte anos a serviço da Força Aérea, a frota de Alpha-Jet efetuou mais de 50 mil horas de voo e, atualmente, opera em Beja os seis últimos remanescentes. A serviço da Esquadra 301, o Alpha-Jet efetuou até 20 Novembro de 2005 – último voo operacional – mais de 20 mil horas de voo em missões de apoio aéreo aproximado, interdição do campo de batalha e reconhecimento aerotático. Em Beja, a aeronave já contabiliza mais de 30 mil horas de voo nas missões de instrução avançada de pilotagem (Fase III) e conversão operacional para aviões de combate (Fase IV), bem como demonstrações aéreas com as patrulhas acrobáticas Parelha da Cruz de Cristo e Asas de Portugal. Apenas uma única aeronave foi perdida, havendo a ejeção com segurança.

Se tornando um “piloto-aviador”

A componente de formação de voo da Força Aérea Portuguesa compreende a fase de seleção de candidatos, fase básica e elementar, e fase complementar e avançada. O Estágio de Seleção para o Voo (ESV) é um dos pré-requisitos do processo de admissão dos candidatos ao curso de “Piloto – Aviador” e tem carácter eliminatório. Tem a finalidade de determinar a aptidão dos candidatos para voar, mas também dar uma oportunidade para experimentar o voo, viver o espírito aeronáutico e assim poderem adquirir uma melhor consciência da sua opção, o que é importante, pois nem sempre o candidato é vocacionado para voar, e isso poderá impactar ao longo do curso ou da carreira. O ESV inclui uma componente teórica e outra prática, com no máximo sete voos, sempre que possível com mais de um instrutor. Na fase teórica, normalmente com a duração de 2 dias, os candidatos terão aulas sobre o avião Chipmunk, que vão voar a seguir, e sobre os procedimentos de voo e de segurança. Esses voos têm uma configuração elementar e adequada à inexperiência dos candidatos e ao objetivo estabelecido para o ESV. Os candidatos são avaliados em voo e no solo sobre a habilidade e a atitude, capacidade para gerir emoções e para atingir os níveis de proficiência determinados.

Ao longo do curso de formação na Academia da Força Aérea, os cadetes voam o Chipmunk cumprindo um programa específico, com voos VFR. A fase elementar e básica (FBA) que é o curso de pilotagem, conhecido como tirocínio, é realizada na Base Aérea nº1 em Sintra, voando a aeronave Epsilon TB-30. A FBA é constituída por diversas Modalidades de Voo (MV) que são complementadas pela instrução acadêmica e no simulador, as quais são: Contato Inicial–B1; Contato Básico–B2; Instrumentos Básicos–B3; Navegação IFR–B4; Navegação VFR-B5; e Formação com duas e quatro aeronaves–B6. O curso tem a duração de 209 dias de atividades em aproximadamente 10 meses de duração, onde realizam cerca de 70 horas de voo. Ao final, os pilotos agora “brevetados” são selecionados, em função da sua aptidão, entre a aviação de transporte, asa-rotativa e de caça.

Destinados à Caça

Os pilotos selecionados para serem os futuros pilotos de F-16 da Força Aérea Portuguesa começam o seu percurso com a Fase III- FAAR (Fase Avançada em Aeronaves a Reação), que tem como objetivo desenvolver a capacidade e o conhecimento recebido no curso de formação, mas agora aplicado numa aeronave de alta performance, para que os pilotos adquiram a competência e a mentalidade necessárias para concluírem a Fase IV com sucesso, e mais tarde ingressarem numa “Esquadra de Combate”. O programa da FAAR é composto por uma fase teórica e uma fase prática, com 21 missões em simulador de voo e 44 na aeronave Alpha-Jet, divididas entre as fases de contato, instrumentos, navegação à baixa altura e voo em formação. A duração da Fase é de 113 dias, sendo os 20 primeiros de aulas acadêmicas e os restantes 93 de voos no simulador e em aeronave. A preparação física, essencial para um piloto de combate é distribuída ao longo de todo curso.

Os pilotos que terminarem com sucesso a Fase III iniciam então a Fase IV – FCAC (Fase Complementar em Aeronaves de Combate).  O objetivo dela é desenvolver as capacidades e conhecimentos dos pilotos destinados a integrar as Unidades Aéreas (UA) que operem aviões de combate. A FCAC é constituída por Modalidades de Voo por instrumentos, formação, navegação VFR, voo noturno, combate ar-ar (BFM), combate ar-ar (ACM), tiro ar-solo, ataque ar-solo, interceptação tática e apoio aéreo aproximado.  A FCAC tem a duração de 84 dias, sendo 7 deles dedicados à instrução teórica (Introdução ao Planejamento e Manobras de Combate (IPMC) e Introdução às Operações Aéreas Táticas (IOAT) e77 dias para missões de voo e simuladores. Ao término do curso, os pilotos aprovados são enviados para as Esquadras 201 e 301 na Base Aérea de Monte Real para qualificação no F-16 antes de serem declarados pilotos operacionais. Não havendo vaga nas unidades de caça os pilotos restantes são então enviados para serem instrutores na Base Aérea nº1 em Sintra. Em cada uma das fases, os alunos realizam cerca de 80 horas de voo.

Voando Alpha-Jet

A rotina começa cedo e a primeira atividade foi um teste de conhecimentos no auditório do esquadrão. Imagens aleatórias de diferentes aeronaves de missões especiais, principalmente de inteligência e reconhecimento russas foram mostradas e deveriam ser identificadas com precisão pelos futuros pilotos de defesa aérea. Eles um dia serão destacados para participar de operações internacionais e precisam conhecer os tipos de aeronaves as quais poderão se deparar em missões reais e complexas além das fronteiras portuguesas. Servir na força aérea de um país membro da Organização do Tratado do Atlântico Norte é a certeza que vai operar em cenários altamente complexos da moderna guerra aérea.

O Major Paulo Campos é o comandante da Esquadra 103. Experiente piloto de F-16, ele participou de diversas operações internacionais, inclusive um desdobramento para a região do Báltico onde voou missões reais de policiamento do espaço aéreo. Segundo ele, “o piloto de caça destaca-se desde o processo de seleção inicial. É necessária uma condição física exemplar, um perfil psicológico adequado para a Missão, um elevado potencial cognitivo e a destreza que nos caracteriza”. Em Beja o recém formado aviador militar aprende a desenvolver os valores próprios de um piloto de combate português, devendo pautar sua carreira por uma conduta exemplar, quer como Militar quer como Aviador. O nível de ambição deverá ser sempre o mais alto. Deverá ser dotado dos mais elevados valores morais, ser combativo na Missão, modesto no êxito, digno na adversidade e confiante face às dificuldades. A grandiosidade da sua existência assentará no seu patriotismo, abnegação e destreza acima da média.

Equipados e prontos os pilotos instrutores Major Paulo “Vader” Campos, Capitão David “Crusher” Fernandes, Capitão António “Predador” Ferreira, Tenente Pedro “Capon” Guedes e os alunos Tenentes André Pereira; Pedro Leal e Emanuel Ferreira se dirigem à linha de voo onde os quatro Alpha-jet já estão preparados. A missão do dia seria de navegação VFR com quatro aeronaves em formação tática cumprindo o horário sobre o objetivo (HSO). Provavelmente esta também seria a última vez que um jornalista iria voar com eles nessas aeronaves. Este tipo de voo é o treino base para qualquer missão de ataque ar-solo, onde os alunos desenvolvem as suas capacidades de voo à baixa altitude, em esquadrilha tática (4 aeronaves). Estas missões são voadas a 500 pés e a 360 nós, variando as rotas em função do objetivo do voo. O cenário não podia ser melhor, o Alentejo, uma das mais belas regiões de Portugal, e que ocupa a maior parte do território centro-sul do país. As condições para voar em Portugal são ótimas, e em termos meteorológicos são muito favoráveis. A gestão do espaço aéreo é fácil e as aéreas de treino são reservadas em função das missões a serem executadas. A maior parte do território nacional é espaço aéreo G, sendo ideal para navegações low-level, ou seja, à baixa altura.

O Alpha-Jet é um caça-bombardeiro e que pela sua concepção apresenta características de versatilidade que o tornam particularmente adaptado para a execução de operações de apoio aéreo ofensivo e de apoio às forças de superfície bem como para a instrução avançada para aviões de caça e conversão operacional, podendo utilizar várias configurações de armamento. O instrutor fica sentado no backseat numa posição mais elevada que o aluno e tem uma visão privilegiada o que amplia a consciência situacional sobre o andamento do voo. Em termos de performance e a forma como esta aeronave está equipada na Força Aérea Portuguesa, tem conferido grande eficácia no planejamento e execução de missões. Altamente manobrável e confiável, está equipado com dois motores Larzac 04-C20, possui uma envergadura de 9.11m, comprimento de 12.46m e uma potência de 2900 kg de empuxo, capaz de alcançar a velocidade máxima de 1020 Km/h e um teto de serviço de 15.240m.

Sobrevoando quase todo o sul do país e realizando rasantes sobre os diversos castelos e fortalezas que simbolizam o passado e os êxitos militares multicentenários do Reino de Portugal, do ponto de vista prático do curso a missão foi importante por ser uma transição para os próximos voos de navegação à baixa altura onde os pilotos treinam a incursão em território inimigo para realizar o ataque ao solo. Pelo menos 80 horas de voo serão realizadas até que os jovens tenentes sejam finalmente aprovados e se tornem pilotos de combate.

A despedida de um guerreiro e o futuro da Esquadra 103

Ao completar 25 anos em operação na Força Aérea Portuguesa, o Alpha-Jet também encerra um ciclo. No início de 2018, as seis últimas aeronaves da Esquadra 103 serão desativadas. A FAP vem realizando estudos sobre qual aeronave deverá preparar seus futuros caçadores nas próximas décadas. Diversas opções estão sendo analisadas em Lisboa, entre elas, adquirir o A-29 Super Tucano, que por suas características de baixo custo de aquisição e operação, aviônica avançada e amigável e modernos recursos de simulação, facilitaria a formação dos pilotos de F-16 e ainda traria novamente a capacidade de ataque leve e contrainsurgência à FAP.

Outra possibilidade é o envio dos alunos para cursos de caça no exterior, e mais uma vez o Brasil poderia ser contemplado, haja vista o baixo custo e a possibilidade de realizar a formação de pilotos de caça no 2º/5º GAv em Natal. Uma escola privada ou a criação de uma Escola Internacional de Caça, destinada à formação de pilotos portugueses, de países aliados e da sua zona de influência, como às ex-colônias são outras possibilidades que vêm sendo avaliadas com interesse. A realidade é que a decisão por uma solução permanente ou transitória precisa ser tomada nos próximos meses. Com as novas gerações de aeronaves de combate, e a evolução tecnológica associada, é necessário uma plataforma de treino – simulador e aeronave – que contemple os novos sistemas e recursos e que permita o desenvolvimento do processo de tomada de decisão com múltiplas fontes de informação, tendo em consideração o voo de alta performance em ambientes adversos e cada vez mais complexos.

(*) Reportagem publicada originalmente em 2017 na Revista Tecnologia & Defesa

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