Centauro II, o destruidor de tanques puro-sangue

N.E.: Devido a entrega dos documentos do refinamento do RFI (“request for information”) do Programa VBC Cav pelas empresas proponentes, que ocorreu no dia 16 de novembro, Tecnologia & Defesa começará uma série para apresentar melhor as viaturas candidatas.

Por Paulo Roberto Bastos Jr.

 Durante a Guerra Fria, o Exército Italiano (EI) mantinha suas principais unidades de combate ao norte do país, como forma de contenção de uma eventual invasão de forças soviéticas a partir dos países do Leste Europeu. O aumento da movimentação de meios da Marinha Soviética na região do Mar Mediterrâneo, no entanto, expôs uma grande fragilidade representada pela possibilidade de um desembarque anfíbio ao sul. Em função disso, nos anos de 1980, foram apresentados os requerimentos de um veículo que unisse o poder de fogo ea letalidade do carro de combate principal do EI, na época o Leopard 1, com uma mobilidade estratégica que permitisse o deslocamento rápido pela malha rodoviária e que pudesse dar o combate inicial a qualquer ameaça até a chegada das forças pesadas.

A solução

Depois de diversas propostas e testes, em 1987, o Consórcio Iveco – OTO Melara (CIO) apresentou a versão definitiva do Centauro, um moderno blindado caça-tanques sobre rodas, com tração 8X8, com 24 toneladas, equipado com um motor de 520 HP e dotado de um canhão OTO Melara 105/52, de 105mm. Com o nome de Centauro foi adotado pelo EI em 1989, num total de 400 unidades.

O protótipo do Centauro II ao lado do antecessor, o Centauro B1. Notar que as dimensões são parecidas (Foto: CIO)

O canhão podia disparar todos os tipos de munição no padrão OTAN, tanto as cinéticas, como as APFSDS-T (“armor piercing, finstabilized, discarding sabot-tracer”), quanto às químicas, como as HEAT (“high-explosive anti-tank”) e HESH (“high explosive squash head”), possuindo14 cartuchos prontos para o uso e outros 26 no chassi. O tubo era coberto por uma manga térmica, para evitar distorções, e por um extrator para evitar que a fumaça entrasse no compartimento de combate após o disparo, intoxicando a tripulação.

O armamento secundário consistia três metralhadoras MG42/59, em calibre 7,62x51mm, uma coaxial ao canhão e as outras em suportes antiaéreos no teto, operados pelo comandante do veículo e pelo carregador.

Além da capacidade antitanque, que permitia o enfrentamento da maioria dos carros combate bem mais pesados e protegidos, esse veículo também era extremamente eficiente para as funções de reconhecimento tático, apoio de fogo para a Infantaria mecanizada, escolta de comboios, patrulhamento em estradas, interdição e dissuasão.

Foi um conceito revolucionário que logo despertou o interesse internacional e acabou sendo vendido para os Exércitos da Espanha (84), Omã (9) e Jordânia (141), tendo sido, ainda, avaliado por Estados Unidos, Rússia, Colômbia e Brasil. Em maio de 2001 um Centauro, do EI, foi testado pelo Centro de Avaliação do Exército (CAEx), no Campo de Provas da Marambaia, no Rio de Janeiro (RJ), onde foi submetido a situações de mobilidade fora de estrada, terrenos acidentados, arenosos e lamacentos, efetuando tiros estáticos e em movimento a distâncias entre 1.000 e 2.000 metros, todos resultando em acertos. Essa apresentação impressionou muito aos militares do Exército Brasileiro (EB). Novamente, as dificuldades econômicas não permitiram a aquisição de um sistema de armas avançado e necessário.

Mudando

Acompanhando a evolução dos carros de combate e as alterações nos perfis dos conflitos, em dezembro de 2011, o EI e a CIO assinaram um contrato para um sucessor do Centauro, também sobre rodas, com mais mobilidade e agregando um maior poder de fogo, com a adoção de um canhão de 120mm, e uma estrutura mais resistente às minas terrestres e IEDs (“improvised explosive device”, ou artefatos explosivos improvisados), que se tornaram comuns nos embates da atualidade. Surgiu, em consequência, o Centauro II, apresentado em 2015, pronto para operar em qualquer cenário, de guerra convencional às missões de imposição e/ou manutenção da paz. Com um peso de batalha na ordem de 30 toneladas, possui uma proteção blindada superior a qualquer veículo de sua classe.

Mesmo pesando 25% a mais devido a proteção balística e para aguentar o recuo de seu poderoso armamento, a mobilidade foi mantida graças ao novo motor e suspensão (Imagem: CIO)

A Leonardo desenvolveu a nova torre, baseada na HITFACT MkII para três ocupantes, com um perfil mais baixo, podendo utilizar os canhões OTO Melara (atual Leonardo) de 120mm, 45 calibres e alma lisa, ou de 105mm, 52 calibres e alma raiada, com sistema de carregamento manual ou semiautomático, novas miras eletro-ópticas e capacidade de utilização de munição programável. Tem uma escotilha para o comandante com oito periscópios, e outra, para o carregador com cinco periscópios. Na parte de trás da torre fica o compartimento de munições, colocadas separadas do compartimento da tripulação, a fim de proteger os operadores de qualquer possível evento de deflagração.

O canhão OTO Melara 120/45 LRF (“low recoilless fittinglow recoil force”) é derivado do 120/44, que equipa o C1 Ariete, conferindo ao veículo um poder de fogo igual ao dos mais modernos carros de combate em serviço e sendo compatível com todas as munições padrão da OTAN de última geração, como a APFSDS-T M829, a APFSDS DM 53A1, a HEAT-MP-T ou MPAT (“multi-purpose anti-tank”) M830A1, para alvos menos blindados ou helicópteros, HE-OR-T (“high explosive – obstacle reduction – tactical”) ou MPAT-OR M908, para edificações ou bloqueios de estradas, a Canister M1028, antipessoal, ou HE (alto explosivo) DM 11. Existem outras, específicas, desenvolvidas pela Leonardo.

A torre recebeu uma estação remota de armamento HITROLE Light para metralhadoras de 7,62x51mm ou 12,7x99mm, ou um lançador de granadas automático de 40mm e está equipada com emissores jammer H3, para defesa contra a detonação remota de IEDs.

A plataforma veicular foi projetada especificamente pela Iveco Defence Vehicles (IDV), com o formato em ‘V’ e uma placa de aço balístico duplo, para melhor desviar as explosões vindas de baixo. O interior é composto por placas revestidas com “spall liner”, que reduz consideravelmente o número de estilhaços produzidos por um projétil que perfure a blindagem. Para os tripulantes a grande inovação é o fato de o projeto ter colocado as partes mecânicas inferiores dispostas de forma a causar o mínimo dano possível caso alguma uma mina ou IED venha a atingir gravemente o veículo, juntamente com a adoção de poltronas à prova de explosão. O motor é o Iveco-FPT Vector, de 720 HP, com uma relação peso/potência de 24 HP, e equipado com dois turbo alimentadores que podem receber diesel, bicombustível ou querosene (JP-8 ou F-34). A injeção é através do sistema eletrônico “common rail”, 60% mais potente do que a bomba injetora mecânica do Centauro.

Em 30 de dezembro de 2020, no Palazzo Guidoni, sede da Secretaria Geral de Defesa e da Diretoria Nacional de Armamentos (SGD/DNA) do Ministério da Defesa italiano, o diretor de armamentos terrestres, tenente-general Paolo Giovannini, e o diretor comercial da CIO, Giovanni Luisi, firmaram a compra de 86 exemplares do Centauro II, com opção para mais 10 unidades, suporte logístico integrado (SLI), equipamentos e peças de reposição. O acordo já está sendo cumprido no ano em curso. A necessidade identificada pelo EI é de 150 carros.

o armamento principal, o canhão Oto Melara 120/45 LRF confere um poder de fogo igual ao dos mais modernos carros de combate em serviço (Foto: CIO)

Para o Brasil

No primeiro trimestre de 2021, a Diretoria de Material (DMat), órgão do Comando Logístico do EB, divulgou uma consulta pública, com objetivo sondar o mercado nacional e internacional visando à execução do projeto de obtenção da nova viatura blindada de combate de Cavalaria (VBC Cav) e promover uma pesquisa de preços.

Os requisitos iniciais, então com a designação VBC AC-MSR e criados no âmbito do antigo Grupo de Trabalho (GT) Nova Couraça, foram publicados em fevereiro de 2020 e devem sofrer algumas pequenas alterações, mas os principais pontos deverão ser mantidos como o sistema de tração 8X8, armamento principal (canhão) com calibres de 105 ou 120mm, dotação de sistema de comando e controle (C2) interoperável com o da Força Terrestre, e o máximo de comunalidade logística com os blindados da família Guarani.

Em 30 de abril ocorreu a entrega dos RFI e diversas empresas ofereceram seus produtos, entre elas a CIO, a qual se destaca por incluir uma das duas únicas viaturas projetadas, desde o início, para ser um caça-tanques. Mas não fica só nisso. Somente o seu carro tem habilitação comprovada de poder empregar o canhão de 120mm, somado ao fato de colocá-lo na disputa do EB.

O Centauro II chegou como um forte candidato, pois se trata de um sistema de armas no “estado-da-arte”, sucessor de uma viatura comprovada em muitas oportunidades pelo mundo, oferecendo capacidades bem acima das forças leves e com flexibilidade e autonomia maiores do que às forças pesadas, permitindo operações mais longas em ambientes grandes e dispersos, com longa distância e duração, exigindo menor esforço em termos de apoio logístico. Também é um sistema homologado por um país da OTAN com recursos e desempenho de última geração.

Em 16 de fevereiro deste ano foi apresentado o primeiro Centauro II de produção já com o Exército Italiano (Foto: CIO)

 

 

Matéria publicada na edição nº 164 da revista Tecnologia & Defesa

 

Copyright © 2021 todos os direitos reservados

Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida ou transmitida em qualquer forma ou por qualquer meio, eletrônica ou mecanicamente, exceto nos termos permitidos pela lei, sem a autorização prévia e expressa do titular do direito de autor.

COMPARTILHE

Respostas de 13

  1. O Centauro II, definitivamente, se encaixa de forma perfeita nos requisitos que o Exército Brasileiro busca. Minha aposta no Centauro II foi aumentada, senhores.

  2. A Remax 4 com função Hunter killer poderia ser intrigada ao centauro II para o comandante como defesa de ponto ? ou o EB iria na solução “manual ” mesmo

  3. Sou leigo na parte técnica destes armamentos, más admirador do cenário militar internacional porem, na minha humilde opinião, os USA e outros países gastam uma fortuna quando poderiam aproveitar ideias que se mostraram de sucesso na pratica, os Talibãs e E.I usam caminhonetes Toyota de velocidade e grande mobilidade com lançadores de foguetes (feitos nas garagens) e tiveram relativo sucesso, é barato e em caso de forças invasoras em qualquer serralheria , poderia ser confeccionadas respostas prontas , (menos os foguetes), então material de media capacidade de destruição barato pode ser confeccionado na forma de urgência, que se as unidades Quarteis tivessem capacidades de confeccionar, qualquer quartel teria poder letal sem autos custo e sem depender de fabricas, para respostas imediatas, e muito barato,

  4. Infelizmente temos ”poucos recursos” para efetuar a compra de blindados 8×8. Não que de fato tenhamos poucos recursos, mas sim que os mesmos são muito mal administrados, aí n sobra qse nada para as nossas forças armadas.
    Sendo assim, o ideal é manter os Cascavel 6×6 modernizados a todo instante, para permanecerem em operação até 2041.

  5. Caro Paulo: excelente matéria. Parabéns.
    Voce poderia confirmar as dimensões do Centauro II? Me parece que por muito pouco é compatível com o KC390, concordas?
    Abs

    1. Rommel, nenhum dos candidatos ao VBC Cav é transportável pelo KC-390.
      Este requisito, originário do GT Nova Couraça, foi retirado no inicio do programa VBC Cav.

  6. Militarmente, um veículo caça tanques é uma viatura com blindagem leve, mas com um canhão poderoso contra tanques pesados, onde se valia de sua velocidade para escapar do revide inimigo. Foi desenvolvido na Alemanha na segunda guerra mundial, como alternativa mais barata que tanques contra o numero superior de blindados russos (T34 +70 mil) e Americanos (Sherman +50 mil). Não existia helicópteros, drones, mísseis anti-carros guiados (fio ou a laser). O Brasil é um país continental, onde a antiga estratégia de autodefesa envolvia principalmente a defesa do sul, contra nosso suposto inimigo, a Argentina. Isto acabou! As nossas fronteiras vulneráveis atuais são a Amazônia e o nosso mar territorial, alvo de cobiça estrangeira pelo petróleo, minérios e água. Precisamos modernizar nossas defesas mas não gastando 5 bilhões com um equipamento de difícil deslocamento. É um armamento obsoleto para o Brasil. Precisamos de mais navios, aviões, drones e helicópteros armados com os mais modernos mísseis e canhões e tropas especializadas e treinadas em operação nestes ambientes. Um exercito, marinha e força aérea profissional. Não tem cabimento o gasto com mais de 200 mil recrutas ineficiente militarmente. Precisamos de tropas treinadas e profissionais. De que valia manter o grosso destas tropas no sul e sudeste, quando o perigo está no litoral e na floresta tropical? Entende que nossas forças armadas, exercito principalmente, precisa entrar no século XXI? Temos um dos maiores orçamentos militares do mundo, maior que o de Israel, mas veja a eficiência dele e como é moderno! Menor numero de tropas, mas treinadas e bem pagas pois serão profissionais.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *